O acendedor de lampiões
Não tenho aspirações, nunca as tive. Sempre soube que eu não iria dar para nada, tinha mau rendimento na escola, não ajudava nos afazeres domésticos e nunca consegui aprender um ofício, embora mesmo que conseguisse eu não iria exercê-lo. O ócio sempre foi o meu rumo, portanto eu não nunca tive rumo algum.
O velho passava na rua acendendo os lampiões dos postes. Eu sempre fico à janela, esperando-o. É um homem taciturno, traz consigo o bastão de ferro com que dá luz à rua quando o sol se põe. Eu o observo nesse exercício ridículo. Como pode alguém viver assim? Teria aquele velho algo a mais que eu, apenas porque faz algo de útil à sociedade? Que sou eu aqui neste apartamento, vivendo com o simples propósito de esperar um homem, homem como eu, cumprir sua obrigação diária?
Lembro-me de meu pai, homem honesto e esforçado. Era comerciante, queria me ensinar a arte da venda, mas eu nunca quis. Eu tinha como não querer, era sustentado por ele, que também nunca reclamou da minha ociosidade. Éramos abastados, a fortuna do meu pai só crescia. Tinha também um irmão mais velho, que nunca mais vi depois que partiu para cursar direito. Ficou rico também. Meu pai morreu quando eu tinha dezoito, nessa época meu irmão já havia se mudado e nem retornou para o velório. Durante dois anos eu morei com a minha mãe, e então ela também faleceu, vítima da tuberculose.
Com todo aquele dinheiro em mãos, eu podia sustentar-me, pensava eu, pelo resto da vida. Comprei imóveis, fiz gatos exorbitantes com mulheres e bebi muito. E então me restou apenas este apartamento, os móveis que ainda não vendi, as garrafas pelo chão e os livros, que até agora conservo na estante. Sou poeta. Canto a miséria, canto as pessoas que caminham lá embaixo; mas também canto mundos ideais que há minha mente, canto a mulher que nunca tive e o amor que sinto por mim, apesar de tudo.
Lá vem ele. Ergue a haste com uma chama na ponta, introduz o fogo no interior do poste e eis que um círculo claro se forma ali. Rio desse absurdo; acha ele que está sendo importante criando rodas de luz pela rua? Ele passa com seu caminhar moroso sob a minha janela. Quero insultá-lo, lançar injúrias sobre ele, como uma chuva de flechas de fogo a queimar-lhe o chapéu e o sobretudo. Mas o único fogo ali é aquela chama lânguida que o velho leva consigo, e abstenho-me indo para o interior gélido do cômodo, ouvindo o passo arrastado lá embaixo.
Retorno à janela, a rua está iluminada. O velho sumiu. Como pode! Por que ele precisa daquilo? Nada iluminará sua cova fria, o breu tomará conta do seu corpo e os vermes farão o resto. Mas por que insistir naquilo? Não conseguirei suportar esse velho, não mais.
Há alguns dias recebi uma carta do meu irmão. Ele dizia que estava em boas condições de vida, tinha uma bela casa, esposa, filhos... Também não deixou de me repreender por ter administrado tão mal a fortuna da família. Mandou-me algum dinheiro e uma caixa de charutos.
Maldito! Administrei mal todo aquele dinheiro porque eu nunca quis administrar dinheiro nenhum! Não adianta repreender um homem de quarenta e um anos que já sabe muito bem o que quer da vida. O dinheiro que ele me mandou mostra-se nas garrafas que rolam pelo chão. Ainda sobrou um charuto da caixa, jogo-o pela janela, num ímpeto de raiva.
Retorna o velho outra vez, acendendo seus lampiões. Aquela paciência exaspera-me! Não aguento mais isso. Ele passa vagarosamente e para: notou algo no chão. Pega o charuto, examina bem, limpa-o e põe na boca, acendendo com a chama do bastão. Que velho maldito!
Quando caio em mim, já estou na rua, seguindo o desgraçado. Seus passos são pesados, os meus são leves e rápidos. Por que há gente assim? Será que quem falhou, apesar de tudo, fui eu? Não admito que o velho seja mais importante! Arranco a haste metálica de suas mãos e golpeio-o com força.
E ele tomba nos paralelepípedos, sob a escuridão do poste que não teve tempo de acender.