O experimento.

Mais uma xícara de café. Mais uma. Já foram tantas nesses anos árduos de trabalho, mas dessa vez precisarei aumentar o número. Uma ou duas não serão suficientes para me fazer continuar com esse caso. Creio que vou enlouquecer até o fim disso. Espero encontrar uma solução logo, antes que o resto de minhas faculdades mentais se deteriorem. Droga!

Em tantos anos de serviço na polícia eu nunca vi nada como isso. Nunca me deparei com um caso em que, mesmo estando todos mortos, e havendo sinais claros do que aconteceu, ainda assim, tudo é um grande mistério. Nada faz sentido. Mesmo assim, acho que devo compartilhar o que encontrei até agora. Quero que entenda, tudo que irei transcrever agora é real, aconteceu aqui na cidade de Haverly Hills, neste mesmo ano de 1970. Ano de inauguração do nosso primeiro sanatório. Lar do experimento mais estranho e desumano já feito. Já faz quase uma semana desde o acontecido e eu ainda não entendo por que aqueles médicos fizeram aquilo. Seja como for já está feito, eu irei apenas narrar os acontecimentos. Irei contar tudo que descobri até agora.

Eu, Detetive Ronald V. Grissom, assumo a responsabilidade pela veracidade dos fatos transcritos abaixo.

CASO 1437: O EXPERIMENTO PRICE.

28 DE ABRIL DE 1970, SANATÓRIO DE HAVERLY HILLS.

Cheguei por volta das seis da manhã naquele dia. Assim que avistei o sanatório pude ver um amontoado de policias entrando e saindo, outros faziam um cordão na entrada impedindo a imprensa local de entrar. Desci do carro e dei de cara com o investigador Rodriguez, que fez sinal para um de seus homens darem espaço para mim entrar. E assim fiz. Troquei as primeiras palavras com o investigador e soube do que se tratava, logo muitos outros saberiam, não poderíamos segurar a imprensa por muito tempo.

- Então o que houve Rodriguez?

- Ah, Grissom, uma tragédia. Na verdade, pouco se sabe até agora, somente sabemos que algo aqui deu muito errado.

Continuei a acompanhar o investigador, que foi me levando por entre muitos corredores, enquanto passávamos eu ia cuidando o caminho. Poderíamos nos perder facilmente ali dentro, tamanho era aquele lugar. Enquanto íamos andando comecei a fazer meu trabalho.

- Então Rodriguez, pra que eu fui chamado a esse lugar cheio de doentes?

-Você se engana se acha que aqui só ficam doentes comuns meu amigo. Se engana.

Em algum momento viramos um corredor, assim que o fizemos pude ver manchas de sangue pelas paredes do corredor, em alguns lugares até mesmo no chão e no teto. Rodriguez apontou para uma placa dizendo:

-Ala C.

Mas o que era a ala C?

Andamos mais um pouco e encontramos uma sala. Havia uma fita amarela na porta, passamos por baixo e assim que entramos eu pude ver por que eu fui chamado ali.

Dois corpos jogados no chão. Mas o mais curioso é que ambos estavam com as mãos nos ouvidos. Nenhum tinha olhos e a cara... Aquela cara eu nunca vou esquecer. Até por que eles não seriam os únicos que encontraríamos com aquela cara. Todos da equipe de médicos responsáveis pela ala C estavam mortos. O mais estranho era a boca. Todas estavam abertas, de uma forma que nunca havia visto antes. Parecia que se espantaram de tal forma que seu rosto se abriu por completo.

Pavor.

Eles morreram apavorados. Mas com o que?

Andamos mais um pouco e Rodriguez me alertou.

- Veja bem Ronald, o que está prestes a ver pode te deixar meio perturbado, e entendo se quiser deixar o caso para outro, só não quero que, você sabe, estando a duas semanas da aposentadoria, poderia perfeitamente...

Resolvi interrompe-lo, pois aquela conversa estava me deixando meio insultado. Com toda minha experiência de mais de trinta anos dedicado a polícia, nada me deixaria perturbado. Eu não era um amador.

- Tudo bem Rodriguez, eu cuido disso. Pode deixar.

- Tudo bem então, veja essa é a sala do Responsável pela ala C. A ala psiquiátrica. Se você não sabe o Sanatório abriga vários tipos de doentes, inclusive doentes mentais.

Rodriguez abriu a porta e pude ver uma mesa com vários documentos. Em cima da mesa estava uma câmera de filmar, das mais modernas. Junto a ela alguns rolos de filmagem. No chão estava o corpo do Doutor Price, médico muito respeitado. Rodriguez continuou.

- E aquele ali no chão ao lado da mesa é o doutor Price. Médico responsável por um experimento, um tanto perturbador.

-Experimento? – Disse eu sem fazer ideia do que Rodriguez falava.

-Exatamente. Um experimento com um dos paciente mais alterados dele. Veja a ficha que está sobre a mesa, é de um tal de Robert Baze, um paciente antigo do doutor. Ele foi selecionado pelo próprio para o experimento que ele estava prestes a fazer. Mais do que isso eu não sei. Você terá que descobrir do que se trata, recolha o material que precisar, e junto com o material da perícia. Mas tome cuidado Ronald, as vezes é bom manter-se meio afastado de certos casos. Não vá tão a fundo, pode ser difícil de sair depois.

Dito isso o investigador Rodriguez foi embora, e eu analisei mais um pouco o corpo do doutor, que estava tal qual os outros estavam. Recolhi o material, incluindo a câmera e as fitas e voltei para minha sala para começar os trabalhos investigativos. Só então pude ver do que se tratava o tal experimento.

Sentei-me com os rolos e comecei a assisti-los, cada um deles tinha uma data e um rotulo. Cada um deles representava um dia do experimento, sendo no total três. Os três dias que antecederam a noite das mortes.

Todo conteúdo transcrito foi tirado de diálogos e explicações dadas pelo Doutor Price e sua equipe.

DIA UM: INICIO DO EXPERIMENTO.

00:00:01.

O Doutor Price, resolveu fazer esse experimento a fim de descobrir o que acontece quando um ser humano fica isolado do mundo externo, sem nenhum dos sentidos ativos. Para isso ele selecionou o paciente Robert Baze que será submetido a uma cirurgia para desativação de todos seus principais sentidos. Visão, audição, tato, olfato e paladar. Logo mais, nada irá funcionar. Para evitar que o paciente se machuque durante o processo eles colocaram uma máscara nele. Que protege toda a cabeça. A aparência do doente se torna assustadora. O detalhe mais assombroso: Ninguém poderia entrar em contato com o paciente. Só quem iria tentar alimenta-lo. A experiência não poderia parar a menos que o paciente colocasse sua vida em risco.

A fita para e avança sozinho para um determinado ponto.

01:20:00.

O paciente já foi submetido a o procedimento cirúrgico e já está na sala de observação. A partir de agora nota-se claramente o desespero dele. Ele se bate e tenta a todo o custo se machucar, o médico observa e diz que é algo normal. Ele ficará assim por um bom tempo. Eles tentam alimenta-lo, mas é algo impossível. Não se pode chegar perto dele, ele está muito instável. E realmente foi assim durante todo o dia. Aquele parecia para mim o mais desumano dos experimentos.

DIA DOIS: ANOMALIA.

00:00:01

Fiquei abismado com o que a câmera me mostrava. Os médicos pareciam dispostos a simplesmente observar aquela bizarrice como se tudo pudesse ser feito em nome da ciência. Já no segundo dia ele parou de se bater. Sentou-se em um canto da sala e parecia conversar. Mas o barulho que saia, era como um animal, um porco relinchando. Ainda assim ele movimentava sua cabeça de um lado para o outro, como se pudesse ouvir alguém. Parecia ser mais de uma voz, pois olhava de um lado para o outro. Mas não havia ninguém ali.

A fita para e avança sozinho para certo ponto.

03:33:00.

Ele estava sentado, já algum tempo sem se mexer. Nem parecia mais ouvir as vozes.

Até que a fita começa a chiar e falhar. Vinte segundos depois o paciente está de pé em frente ao vidro.

Confesso que levei um susto, pois foi tudo meio de surpresa. Ali ele permaneceu com o rosto virado para o vidro, como quem observava tudo e todos ali dentro. Aquilo me surpreendeu. Como um cego poderia fazer aquilo?

Durante quase todo o dia ele ficou Imóvel.

A fita para e avança sozinha para certo ponto.

18:06:00

O homem se vira e com as unhas se corta. Com o sangue começa a escrever algo no vidro, como se quisesse dizer algo aos médicos.

DIA TRES: EXPERIMENTO INTERROMPIDO.

00:00:01

Pouco foi gravado na terceira fita. Os médicos resolveram interromper, pois o vidro já estava todo manchado e eles temiam que o paciente perdesse muito sangue. Depois disso muita coisa é cortada e a fita falha muitas vezes. Como não posso descrever mais cenas, transcrevo agora algumas falas do Doutor Price e sua equipe.

- O paciente começou a apresentar (falha na fita).

-Houve um surto de uma das enfermeiras e ela tentou matar uma colega, ela foi lavada a (falha na fita) ... Outro médico surtou, ele apresenta sintomas parecidos com os dos colegas (falha na fita).

- Todos eles estão afirmando ouvirem vozes (falha na fita).

- O experimento falhou, ele (falha na fita).

- Meu Deus, o que nós fizemos.

A última fala é do próprio Doutor Price. Logo depois houve uma grande falha. Pensei ter acabado o filme. Assim que me levantei para desligar o projetor o filme retornou. O Doutor Price já não estava mais lá. Mas o sangue sobre a mesa indicava que ele já estava morto. Havia um silencio no ambiente, diferente de antes. Estava tudo quieto e silencioso. Der repente um homem passa diante da câmera. Ele a olha. Solta um urro como de um animal, como se tentasse gritar mas não conseguia. Caminhando lentamente ele sai do vídeo e o filme acaba. Assim aconteceu o experimento.

Pelo que tudo indicava, experimento tinha sido mal executado. Eles devem ter falhado e o homem deve ter recuperado seus sentidos e matado a todos. Mas nem isso me parecia certo. Como explicar as mortes horrendas de todos os médicos? Que droga, eu teria que voltar lá. Eu voltei.

Era início da noite quando adentrei novamente os escuros corredores do sanatório. Dentre uma ala e outra, munido apenas de uma lanterna e minha pistola na cintura, encontrei, depois de muito caminhar a ala C. Andei mais um pouco até chegar a fatídica sala do experimento. Entrei e me posicionei diante do vidro. Ele era do tipo espelhado, do qual não se pode ver nada de um lado só do outro. Iluminei e com alguma dificuldade pude ler o que o paciente havia escrito:

“O EXPERIMENTO FOI UM SUCESSO”.

Aquilo me arrepiou e assim que pude sai de lá correndo.

Esse caso nunca terá uma solução. Até por que o corpo do homem foi encontrado naquele mesmo dia. Estava morto, mas não se sabe direito o que o matou. Ele simplesmente sentou-se em uma cama que o pertencia, na mesma ala C e dormiu. Para sempre. Se perguntassem o que causou tudo isso, como detetive não saberia responder. Mas como ser humano, acho que esses médicos abriram a porta pra algo muito ruim. Alguma força inexplicável. De qualquer forma, assim que terminar meu café vou até a delegacia e pedir meu afastamento do caso. Já está na hora de me aposentar. Como regra para quem está lendo isso agora, alguns experimentos nunca devem ser feitos. E por favor, mantenha-se longe da ala C.