O lago

Não devo sair.

Estão lá fora!

Aqui ainda é seguro...

Minhas reservas são poucas, quase não há água aqui dentro, mas devo resistir.

Na janela da minha sala há uma vidraça e dela eu vejo o lago. O senhor do caos, o hospedeiro principal da praga que se espalhou.

Quantos ainda vivem lá fora?

Quantos mortos?

Quantos agora são escravos rastejantes submissos ao negrume que habita as águas calmas?

Daqui de dentro posso ouvi-los rastejando-se lá fora, na penumbra. Não há mais luz do dia. Os malditos devoraram o azul do céu e tudo que existe é a neblina que cerca tudo. Ela provém das águas e é viva! Sua voz é um murmúrio convidando os poucos ajuizados como eu a lançar-se nesse abismo de sombras. A nadar nas águas do lago cachimbo e embebedar-se delas até não haver ar nos pulmões. Então afundar para voltar mais tarde. Voltar como um deles!

As mãos enlameadas deslizam na vidraça da janela. O som escorregadio que faz arrepia-me por inteiro... Se vai. Respiro aliviado. Uma marca de sujeira fixa-se ali;

Um convite.

A energia elétrica hoje é uma lembrança; não há sons humanos há tanto tempo... O gás se foi. O sono se foi. A noção de tempo está morta e os relógios já parecem enferrujados. Os últimos biscoitos não durarão mais que oito ou nove dias e toda água que existe agora ao meu alcance é negra, a água do lago...

Oh! por todos os santos esquecidos e sem nome, devo partir? Deem um sinal de que ainda me ouvem deuses quaisquer! Pois ela me chama. A doce névoa sussurra em minha porta. Em minha cabeça, toma-me pelos braços, acaricia o meu corpo inteiro; “há um mundo atrás de minhas paredes” diz “há esperança... ainda há” ouço-a.

Ouço...

Ouço...

Ouço...

Wenderson M
Enviado por Wenderson M em 26/06/2015
Reeditado em 31/03/2016
Código do texto: T5290790
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