A cobradora
Raquel sabia que estava esquecendo algo, mas o que?
Remexeu a bolsa com impaciência depositando tudo no banco do passageiro. Uma caixa contendo um kit de maquiagem para casos urgentes. Um bloco de notas muito usado. Três canetas, um canivete suíço de lâmina afiadíssima – ela mesma o amolava a noite após o jantar. Algumas notas para as cobranças que faria aquela manhã. A carteira contendo documentos, cartão de crédito e dinheiro. Cartões de visita. Alguns cartuchos de balas. Uma barra de cereal... A pistola! Está pouco abaixo do seu joelho, retorquiu impaciente consigo mesma. O que diabo seria então? Lembrou-se. Guardou tudo novamente e voltou correndo ao apartamento 1313 subindo as escadas energicamente. Nenhum vizinho nos corredores. Abriu a porta e um cheiro agradável de carne em decomposição invadiu suas narinas. Sua boca encheu-se de saliva... Agora não, lembre-se! Primeiro seu trabalho, mais tarde quem sabe... Chegou ao quarto. Prestor, seu gato de cor cinza e olhos brancos como cobertos de catarata ergueu a cabeça lentamente e bufou para ela. Descansava cinicamente na cama como se dissesse: Ela é minha, não sabe disso? Por que não apanha sua quinquilharia e cai fora? Ignorou-o e foi até o guarda-roupa.
Escancarou as portas e observou os troncos pálidos pendurados em ganchos nos cabides. Os braços e pernas estavam numa das gavetas. O sangue fora drenado, logo esse problema estava resolvido, assim poderia comê-lo fresco e podre, conservando o sabor. O cheiro era tentador, mas pelo inferno tinha trabalho! Num canto abaixo da pilha de roupas bem organizadas retirou uma caixa de madeira, lá dentro algumas seringas de 10 ml e ampolas com líquido branco. Nenhum rótulo. Apanhou-as cuidadosamente e antes de fechar o guarda-roupa arrancou um naco de pele com carne. Mastigou a iguaria enquanto guardava o restante do material na bolsa. Saiu do apartamento após verificar bem a borracha que selava as portas e janelas mantendo ali, o cheiro longe de narizes curiosos.
Lá embaixo deu a partida verificando o endereço da vítima. Riu alto, não! Vítima não, cliente, desde que pagasse de acordo o combinado.
Passando na guarita buzinou e acenou para o porteiro enquanto partia. Ele retribuiu o gesto.