Um Caso Real (4)
Quantas histórias são verdadeiras? Pra mim, todas as histórias tem um fundo de verdade, porque acabam expondo um sentimento, uma impressão, uma experiência, que por mais subjetiva que sejam, existiram, e então, se torna verdade por si só.
O homem de chapéu, por exemplo, encaixa-se perfeitamente na veracidade ou não de uma história. Porque, quando alguém lhe diz que viu um homem de pé na porta, negro como a noite, de capa e com um grande chapéu sobre a cabeça, você logo situa essa pessoa no seleto círculo dos doidos de todos os gêneros. Ou loucos de pedra, daqueles que rasgam dinheiro, ou também, louco de amor, esquizofrênico, drogado... e todas as outras qualidades de doidos que o nosso mundo tão bem produziu nos incontáveis anos de loucura da nossa sociedade. Que louco, não?!
Pois bem, mas ainda assim, essa história seria verdadeira, pois mesmo que tenha sido uma alucinação, a historia aconteceu! E do ponto de vista de alguém, ela é real. Veja como a natureza do real é estranha... Aliás, a própria palavra alucinação não explica nada, afinal, se diz o que é, mas não se explica porque é! Não se conhecem os mecanismos reais da alucinação, só que são os mesmos mecanismos que acionam a dor quando você mete o dedão numa pedra, e isso pra mim não tem nada de alucinatório! Ontem mesmo meti o dedo num toco, e ele tem doído pra caramba, desde então. Alguém precisa dizer a ele que foi uma alucinação...
Para os psicólogos, eu tive um devaneio ou delírio, ou então, tenho uma necessidade tremenda de atenção. Mas não creio. Na verdade, sou bem acomodado e recluso, e sempre fui satisfeito comigo mesmo. Para os psiquiatras, eu tive uma alucinação. Para os espíritas, eu vi uma aparição, e talvez ela esteja me perseguindo por ai! Para os médicos, eu tenho um possível tumor que me faz ver coisas que não existem, ou sonhar acordado, mesmo quando esse sonho se senta na minha cama, ou joga uma moeda pra cima na cozinha às três da manhã, ou descobre os meus pés à noite! Mas eles nunca se perguntaram a si mesmos sobre a natureza da realidade! Porque para os psicólogos de cem anos atrás, tudo tinha origem em desejos sexuais reprimidos, inclusive uma simples dor de cabeça. Para os psiquiatras, não existia nada que uma boa lobotomia pudesse resolver (ainda hoje pensam assim – os remédios são uma lobotomia química!). E para os médicos, era o cérebro que resfriava o corpo, e pensávamos com o coração! (Confesso, que às vezes eu penso com o coração...). A realidade muda constantemente. Ela muda pra mim o tempo inteiro. Eu amava futebol, hoje eu odeio! Acreditei muito nas pessoas, hoje, ninguém me engana mais! E por ai vai...
Naquele dia, eram onze da noite, e ela mudou completamente pra mim, quando o meu irmão pequeno, na época, pediu para acender a luz por que ele queria ir ao banheiro!
Meu pai estava sendo explorado por uma empresa, e por isso trabalhava a noite toda. A minha mãe, oriunda da roça, e cheia de medos do escuro, colocava todos os filhos para dormirem juntos no mesmo quarto, para fazerem companhia para ela. Eu, já desde cedo, questionador e indiferente frente aos dogmas humanos enraizados, nunca acreditei em fantasmas que apareciam no escuro para assustar criancinhas. Até aquele dia!
-Levanta e acende a luz pro seu irmão ir no banheiro! –Lembro-me até hoje da frase!
O interruptor estava de frente pra cama, ao lado da porta, de maneira que ao me levantar, dava de cara com ele, eu podia vê-lo brilhar no escuro com a sua fosforescência.
Levantei-me num só impulso. Cansado, doido pra voltar e dormir. Mas ao colocar o primeiro pé no chão, e já com a mão esticada em direção ao acendedor, eis que me deparo com uma insólita figura!
Alta, tanto quanto a porta que estava aberta! Escura, mais do que a escuridão que tomava o quarto. De chapéu de abas longas, como um sombreiro mexicano – por muitos anos perguntei-me o porquê de um fantasma precisar de um chapéu – e com uma capa jogada nos ombros!
Na hora endureci todo! E fiquei parado, ali, olhando para aquilo, tentando entender e processar a informação visual que secou a minha garganta e acelerou o meu coração, levando-me às raias do desespero e do pânico! Mas sou homem, e achava que homem não deveria chorar e nem gritar como uma mocinha, e mesmo eu tendo vontade de fazer isso, voltei imediatamente para debaixo das cobertas, cobri a cabeça, e claro, não acendi a luz!
Verdade ou mentira? Bem, pra mim foi verdade! Como um menino bem comportado, nunca bebi nem usei drogas, nunca tomei remédios controlados, não tinha nem dormido pra ter sido resquício de sonho, e nem tinha comido batata estragada ou rabada com agrião.
Minha mãe, como boa representante da parte campal da cidade, e por isso mesmo pouco delicada e mais bruta, por assim dizer, espancava-me com cotoveladas e palavras impronunciáveis, de, porque diabos eu ainda não tinha acendido a luz! Aguentei firme aquela tortura, pois preferia apanhar até de manhã cedo, a encarar de novo a sombra estranha em pé na porta! E assim eu ficaria, até o sol raiar, se o meu tio que dormia no colchão ao lado da cama, não tivesse ele mesmo se levantado por causa da gritaria e acendido a luz, iluminando o quarto e me salvando das pancadas.
Como bom curioso, com a proteção da luz e a segurança subjetiva de todos acordados dentro no quarto, olhei pra porta, procurando explicação para o ocorrido. Nada! Nem sinal de algo que pudesse ter me induzido a ver o que eu vi.
Aquele era o começo de uma longa história em busca da verdade. Alguém está escondendo algo de nós? Que são essas coisas que existem entre o céu e a terra?
Bem... cedo aprendi que o que quer que seja, não se apresenta, apenas se insinua. Das duas, uma: ou não merecemos a verdade, ou não aguentaríamos ouvi-la!