828-CANIBALISMO NA PENITENCIÁRIA
CANIBALISMO NA PENITENCIÁRIA
Série Cenas de Cotidiano Brasileiro
Dante não teria escolhido cenário mais chocante para um novo círculo do inferno onde estariam os canibais. Não, não estou falando de canibalismo entre tribos de indígenas que o praticavam ritualisticamente e com o fim de absorver as qualidades (coragem, bravura, destemor ou valentia) dos inimigos capturados em guerras entre as tribos. O assunto aqui é o canibalismo entre pessoas (serão mesmo?) do século XXI, membros da nossa sociedade ocidental.
São diversas as notícias de canibalismo moderno. Uma delas, por ter ocorrido em uma prisão brasileira, na Penitenciaria de Ribeirão Preto, atinge os píncaros do horror, brutalidade e crueldade.
Os presos das maiores penitenciarias do Brasil, situadas no Rio, São Paulo e Minas continuam sendo, no interior das cadeias, membros atuantes de organizações criminosas. Os chefes continuam enviando instruções através de celulares, de recados pelas companheiras e advogados, conhecidos como pombos correios, aos membros das gangues que atuam nas favelas, nas cidades, enfim, fora das prisões.
A rivalidade entre as gangues continuam dentro das prisões, com resultados funestos e terríveis, como brigas, rebeliões, mortes e canibalismo.
No final de janeiro de 2001 ocorreu uma rebelião na penitenciária de Ribeirão Preto. O motivo: a chegada de dois presos que faziam parte de uma facção rival dos condenados já organizados dentro da prisão.
Havia que exterminá-los. Uma rebelião foi o pretexto. Começou com colchões incendiados, às 19 horas de uma quarta feira. Três carcereiros (agentes penitenciários) forem feitos reféns pelos rebelados. As depredações começaram em todo o presídio, numa operação orquestrada, bem organizada.
Os bombeiros, chamados para debelar o incêndio dos colchões, não puderam agir, impedidos pelos rebeldes, que já haviam tomado as dependências da enfermaria e a sala odontológica e ameaçavam de morte os reféns.
Enquanto a depredação prosseguia noite adentro e avançando pela madrugada, sem que a policia tivesse condições de agir, o terror se espalhou no interior do presídio.
Os dois presos escolhidos para serem exterminados, o foram da forma mais macabra. Os agentes penitenciários, amarrados fortemente, tiveram de assistir passivamente, às cenas dantescas. Um dos presos mortos teve seu coração arrancado, assado como churrasco e comido pelos presos, acompanhado de muita cachaça, de garrafas estocadas dentro das celas.
Os agentes relatam que os dois detentos mortos tiveram ainda as suas cabeças decepadas e uma delas ficou exposta, em lugar bem visível, dentro da penitenciaria, enfiada numa espécie de estilete. As mãos também foram decepadas e os olhos arrancados.
Um dos carcereiros, fortemente abalado pelas cenas que assistiu, conta:
— Foi uma das piores cenas que vi em meus 28 anos de carreira. Nunca havia presenciado nada com tamanha brutalidade e violência.
O terror só terminou após 14 horas, às 9 horas do dia seguinte. Ao retiram os corpos, os agentes de segurança passaram por sobre poças de sangue, restos fumegantes das fogueiras e sentindo um mau cheiro insuportável, que denunciavam os momentos de horror da madrugada.
A justiça brasileira, de uma brandura incrível, não tem como penalizar ainda mais os condenados. Administrativamente, os chefes da rebelião foram transferidos para outros presídios, onde, com toda a certeza, irão chefiar novas rebeliões e espalhar terror entre condenados, carcereiros, guardas e funcionários das prisões que os abrigar.
São cenas do cotidiano dos brasileiros.
ANTONIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte, 2 de março de 2014
Conto # 828 da Série Milistórias -