O grande mágico.
Querida Elizabeth.
Espero não estar parecendo desesperado, mas eu resolvi enviar-lhe esta carta para finalmente te contar tudo. Eu não queria isso, mas no fim, é necessário. Isso me perseguiu por muito tempo e você sempre esteve ao meu lado. Nunca me perguntou o porquê de estarmos sempre nos mudando, e quando me perguntava eu sempre dizia a mesma coisa, que um dia você saberia toda a verdade. E hoje eu vou conta-la a você. Espero que me entenda, e se não entender eu irei compreender. Mas eu preciso. A necessidade me obriga. A você meu amor, essa é a minha história.
Sempre persegui meu sonho de ser um grade ilusionista. Hoje sou considerado o melhor, mas ao contrário de outros, eu nunca fui somente um ilusionista. Isso porque eu nunca fiz ilusão alguma.
Eu era jovem, muito jovem. Sempre fui muito ambicioso, lendo revistas dos grandes feitos de grandes ilusionistas da História. David Copperfield, Houdin, Lance Burton, tantos nomes, tantas habilidades e meu fascínio pela arte de iludir ia aumentando a cada dia. Lembro de ir assistir aos espetáculos de meu pai quando era criança. Ele se apresentava em um pequeno circo da cidade, mas na época os seus espetáculos sempre lotavam o pequeno lugar, e eu sempre na primeira fila. Meus olhos brilhavam ao ver tamanha habilidade. Ele sempre me fez crer que tinha poderes especiais, e que com a mágica tudo era possível. Aquilo era maravilhoso. Mas com o tempo, o circo foi perdendo cada vez mais espectadores até se resumirem a alguns poucos que iam pra ver ele fracassar na maioria dos truques. Riam dele, como se fosse um espetáculo de humor. Aquilo o deixava pra baixo, com o tempo começou a beber. Numa dessas bebedeiras, chegou em casa pela manhã e disse-me:
-Não existe magia alguma, entendeu! É tudo um truque. Um truque barato. E se eu fosse você desistiria logo dessa ideia de merda de ser mágico. Você vai se esforçar, vai criar, mas no fim será somente uma piada. Uma droga de uma piada.
Uma piada. Eu nunca vou me esquecer dos olhos deles em lagrimas ao me dizer isso. Eu não queria me tornar uma piada, eu queria ser grande. Ser conhecido. Infelizmente minha obsessão me levou longe demais. Alguns anos mais tarde fui aprendendo alguns truques por conta própria, pois mesmo com o fracasso de meu pai eu nunca desisti do meu sonho. Até que um dia tive a chance de fazer minha primeira apresentação em público, em um show de calouros na escola. Era minha grande chance, eu estava ansioso. Tudo começou bem, arranhei alguns truques básicos. O coelho na cartola, as pombas que apareciam debaixo dos lenços vermelhos, antes vazios. Tudo ia bem, até eu tentar um truque com fogo. Eu tinha treinado esse tantas vezes, mas devido ao nervosismo, uma falha na execução e a cortina próxima a mim começou a pegar fogo. A diretora da escola veio correndo com o extintor e apagou rapidamente, mas a plateia não perdoou. As gargalhadas soaram alto, e com força. Eu fiquei parado um tempo em frente a eles antes de sair correndo.
Chovia muito naquele dia, e eu em meio as lagrimas fui direto ao circo onde antes meu pai foi grande, magistral e agora era somente uma piada. Uma droga de uma piada. Uma piada que eu também iria me tornar. O circo estava fechando as portas, e meu pai não se apresentava lá a anos. Quando cheguei em meio a chuva pude ver a última barraca ainda de pé. A barraca da cigana. Uma mulher que todos diziam ter poderes incríveis. Pra mim era somente mais uma atração mentirosa do circo, assim como meu pai. No instante que cheguei próximo da barraca a mulher abriu a porta para mim entrar. Como se já me esperasse. Eu estava todo molhado, mas mesmo assim entrei. Ela parecia muito inteligente, mas suas perguntas iam além de simples inteligência:
- Você deve ser o grande Mágico, não?
-Grande? Eu sou uma piada. Uma piada igual ao meu pai.
-Agora você é, mas no futuro será conhecido mundialmente.
- Sim, claro. Eu acredito. Eu só queria ser respeitado. Ser brilhante.
- E até onde você iria para ser brilhante?
Olhei a mulher nos olhos e respondi:
-Tudo, eu faria tudo para ser um grande mágico.
A mulher andou até um canto da sala, pegou um velho livro de capa negra que estava enrolado em um pano abriu em uma página e disse-me:
- Veja bem, o que estou prestes a fazer vai te tornar o maior mágico do mundo mas ao contrário dos demais você não iludirá ninguém. Você ganhará poderes. Poderes especiais.
Estranhei a conversa da mulher. Mas meu desejo era tão grande que prossegui:
-Poderes... Isso é possível?
-Oh, é muito possível. Este livro que tenho foi dado a minha pelo meu avô. Ele é o segredo dos grandes mágicos do passado. Ele é muito poderoso e perigoso também.
-Perigoso, como assim.
-Acontece que além de um dom, aquele que ler o livro receberá uma maldição.
-Maldição? Que maldição?
- Não sei muito sobre isso, mas meu avô disse que a morte negra carregará uma pessoa de cada vez, aleatoriamente, para cada grande truque executado pelo mágico.
Na hora pensei em desistir, mesmo que fosse uma brincadeira da mulher. Porém, em minha cabeça as gargalhadas das pessoas vinham e iam como grades ondas que carregavam tudo por onde passava. Junto a elas vinha a lembrança de meu pai. Uma grande piada. Resolvi aceitar a proposta da mulher, que entregou-me o livro dizendo-me:
-Lembre-se, uma morte por cada grande truque.
Li uma página ali mesmo, mas a mulher insistiu para que eu fosse embora. Voltei a escola e lá encontrei algumas pessoas rindo. Assim que pus a mão no bolso encontrei um baralho. Eu não entendia. Peguei o baralho e imediatamente as cartas voaram. Sozinhas, mas parecia que eu tinha feito. Assim que elas caíram no chão espalhadas, as risadas sessaram e deram lugar a palmas. Eu não podia entender, mas ao ver meu reflexo no espelho eu percebi. Eu havia trocado de roupa. Tão rápido que eu nem pude acreditar. Como eu pude fazer aquele grande truque? Nem mesmo eu sabia.
Saí de lá as pressas e fui direto para casa. Se uma página havia feito aquilo imagina o que mais páginas iriam fazer. Meu pai não estava em casa no dia, devia estar bebendo de novo. Era só o que fazia. Abri o livro e comecei a ler. Estava escuro e lá fora a chuva ficou mais forte, com trovões e relâmpagos cortando o céu. Enquanto eu lia uma leve brisa foi entrando pela casa e logo foi se tornando um vento incessante que só veio a acabar quando terminei de ler a página. Assim que o fiz, meu pai entrou no meu quarto, vinha procurando algo e assim que viu o livro em minhas mãos seu semblante mudou completamente. Seu rosto estampava um pavor tremendo, eu não pude entender como, mas ele reconhecera o livro:
-Não, não lei isso. Não...
Como meu pai sabia o que eu estava fazendo? Deixei que prosseguisse:
- Seu maldito, maldito. Como pôde fazer isso. Diga que não leu esse livro, diga!
-Eu li...
Meu pai sentou-se devagar no chão e com as mão na cabeça começou a não falar coisa com coisa:
-Não, ele de novo não. Não pode ser.
-Pai o que tá acontecendo.
-Ele vai voltar. Ele vai voltar...
-Ele quem?
-A morte negra.
-Onde o senhor ouviu falar nisso, foi a cigana?
-Cigana? Então pra você foi uma cigana? Sempre muda. É sempre alguém diferente, mas é sempre a mesma coisa. Eles escolhem alguém que queira subir na vida de qualquer maneira e pronto. Dessa vez foi com você, mas o último foi seu avô. Ele era um grande mágico em sua época, mas foi perdendo tudo e todos. Tudo tem um preço. Tudo. E quando ele vier eu...
Meu pai olhou sério para o vazio e começou a gritar:
-Não, não, nãoooo...
Levou a mão no coração e morreu ali mesmo. Em meus braços. O médico disse pela manhã que ele teve um infarto, e devido a bebida ele estava muito debilitado. Se eu soubesse na época tinha parado ali mesmo. Mas acreditando ter sido uma morte natural, eu continuei.
E fui me tornando o melhor mesmo, só o que eu não entendia é que quanto mais grandioso meu número ficava, mais pessoas iam morrendo. Até que um dia, saindo de um dos meus shows uma fã veio me pedir um autografo. Eu dei, em seguida acabamos indo para o mesmo lado. A rua estava pouco clareada naquela noite, e eu parei para amarrar os sapatos. Assim que me ergui, eu pude nota-lo. Estava bem ao lado da garota. Parecia a sombra de uma pessoa porém suas mão eram enormes, com grandes garras negras. Essas garras tocavam a mulher que parecia estar tendo sua alma sugada. Enquanto isso as luzes dos postes da rua piscavam várias vezes e quando pararam, a coisa desapareceu e a mulher veio ao chão. Estava morta. Era o preço pelo meu sucesso. Uma morte por cada grande truque.
Fui pra casa jurando não fazer mais, mas o sucesso te faz querer mais sucesso. É assim que a vida é. Eu não pude resistir. Eu não consigo. Algo que descobri, é que com o tempo os sacrifícios acabam sempre sendo maiores. E quanto maior for o truque, maior o sacrifício. Entenda meu amor é necessário, por isso eu resolvi escreve-la. É o mínimo que deveria fazer. Agora que esta carta chega ao fim, espero que entenda minha necessidade. Hoje eu tenho um grande truque pra fazer, e assim como o truque, era necessário um grande sacrifício. Me desculpe. Eu prometo que não vai doer. Apenas feche os olhos e não olhe para trás. Entenda, é necessário.
Atenciosamente, o Grande Mágico.