UMA ALMA PENADA NA FAZENDA

Era fim de tarde de um domingo chuvoso com muitos trovões e relâmpagos cruzando o céu. O clima era sombrio e entediante.

A fazenda, em que eu me encontrava para passar o final de semana, era dos meus tios e primos.

Ela ficava localizada na cidade de Juquitiba, São Paulo. Havia muito verde nesse local. E ainda há.

Sempre ia lá para respirar um ar puro do campo, nadar na lagoa, pescar, ver estrelas à noite, contar histórias de terror ao redor de uma fogueira e jogar baralho sem pensar no amanhã.

Com lua cheia, aquele lugar ficava fascinante. Diziam que havia lobisomens andando por aqueles lugares. Eu queria ver um, confesso. Apenas ouvi, numa noite, alguns uivos sinistros. Tenho certeza de que lobo não era.

Enfim...

Eu e meus primos - Carlos e Rodrigo - jogávamos baralho com o intuito de esquecer a fome e o tédio que nos incomodava. Não havia luz naquele fim de tarde.

Acendemos duas velas e alguns lampiões que meu tio Jorge guardara há anos e tudo ficara iluminado, dando um aspecto antigo e lúgubre à casa de madeira.

Claro, nada substitui as luzes modernas da cidade grande. Estou muito viciado na artificialidade e sou um escravo da tecnologia.

A tia Janaína preparava a janta e o cheiro estava muito bom, meu estômago não parava de roncar. Se bem me lembro, era uma deliciosa e suculenta lasanha.

Só de imaginar aquele queijo, juntamente com o presunto derretendo em nossa boca...

De repente, alguém, deu três pancadas fortes na porta da frente da casa. Todos foram até la para ver quem era. Meu tio Jorge - solícito como sempre - abriu a porta surpreso com o que viu.

Um rapaz de capuz amarelo,com o rosto bastante ferido e apoiando a mão na entrada da porta, disse:

- Poderiam me ajudar ? Meu carro capotou na estrada! Percebi que a casa de vocês era a mais próxima. Então vim pedir auxílio. Por favor, minha mulher esta no carro, parece desmaiada. Nos ajude.

Seu tom de voz era desesperador e não havia brilho humano em seu olhar.

Não pensamos duas vezes. Eu, o estranho e meu tio entramos na caminhonete e rumamos para o local indicado pelo sujeito. Não era muito longe da onde estávamos, apenas três quilômetros. Meus primos ficaram em casa junto com a minha tia.

Chegando lá, havia um carro completamente amassado, destroçado por inteiro e cheio de coisas pessoais espalhadas pela pista. Notamos duas pessoas gravemente feridas dentro do veículo. Deixamos o rapaz no carro e fomos ajudar os feridos.

Para o nosso espanto, o motorista era o rapaz que pediu auxílio.

Meu tio ignorou esse fato estranho, pois estava um pouco desesperado com o que vira e resolveu tirar ambos do carro.

Disse-lhe para não mexer em nada, pois poderia agravar a situação e que era melhor chamar o socorro.

Meu tio assentiu com a cabeça e ligamos para o pronto socorro. Foi o ato mais prudente que tomamos. Voltamos a caminhonete e o homem não estava lá.

Perguntei ao meu tio Jorge :

- Você viu isso?

- Sim - respondeu tamborilando com os dedos o volante. Nunca vi isso na minha vida, para ser franco. Não estou compreendendo nada.

A ambulância chegou e fez todo o procedimento de socorro. Meu tio e eu ficamos observando o trabalho dos paramédicos. Infelizmente, o rapaz morreu no local e cobriram-no com um lençol branco.

Apareceu alguns curiosos. Como sempre!

A mulher foi levada ao hospital, gravemente ferida. Não sei o que sucedeu com ela.

Voltamos para casa atônitos com tudo o que presenciamos e contamos o fato para meus primos e minha tia.

Ninguém acreditou e zombaram da nossa cara, dizendo que estávamos inventando estória. Pensaram que fomos trocar alguns pneus apenas. Estavam céticos em relação ao nosso depoimento. Entretanto...

Nesse instante, enquanto riam da nossa cara, a vela e os lampiões apagaram subitamente e três violentas pancadas na porta foram dadas novamente.

Todos nós ficamos pálidos de medo. Meus primos pararam de rir na hora e quase um pula no colo do outro. Minha tia Janaína colocou a mão no coração e disse:

- Ai, meu Deus, será a alma penada ?

Meu tio caminhou intrépido até a porta, abriu-a devagarzinho, com aquele ar de curiosidade e verificou que não havia ninguém. Apenas o vento forte da tempestade que atravessava aquele domingo.

Ficou uma dúvida que paira até hoje : Será que o estranho voltou para pedir novamente ajuda?

Graciliano Alves de Azevedo
Enviado por Graciliano Alves de Azevedo em 13/06/2015
Reeditado em 13/06/2015
Código do texto: T5275435
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