O ESPELHO MALDITO - PARTE 2
Quando Patrícia acordou, julgou ter tido um pesadelo. Procurou se cobrir, pois sentia frio; mecanicamente, realizou o movimento de quem puxa o cobertor para se cobrir e se surpreendeu ao não encontrá-lo. Somente então se deu conta de que estava deitada em uma superfície dura e não no conforto de sua cama, no aconchegante calor do seu quarto. Abriu os olhos, assustada, e não reconheceu em que lugar estava. Uma densa escuridão a envolvia. Um céu negro, sem lua e sem estrelas, trouxe desassossego ao seu coração. Alguma coisa lhe dizia que ela precisava sair depressa dali. Uma coruja piou longamente e ela sentiu um arrepio se apossar de todo o seu corpo. Sentou-se, com dificuldade, no chão duro e frio; tentou mexer as pernas e sentiu que elas estavam excessivamente pesadas. Repentinamente, sentiu um forte enjoo, uma náusea incontrolável; todo o seu corpo sofreu um estremecimento, seu abdômen se contraiu e, num forte jato, ela expeliu um líquido verde, luminescente, que foi escorrendo pela terra, queimando tudo que estava pela frente. Dezenas de vermes, peludos, verdes e brilhantes, rastejavam neste líquido.
E foi então que ela se lembrou de tudo. Do pedido da mãe, no leito de morte; da invasão dos vermes em seu corpo; do corpo da mãe pegando fogo; da ventania; do ardor na planta dos pés...
O líquido verde e brilhante escorria pela terra, iluminando a noite, e os vermes nadavam em seu interior. Magnetizada, Patrícia colocou-se de pé e começou a caminhar na mesma direção. O líquido e os vermes começaram a se mover numa velocidade incrível e ela começou a correr... correr... correr... e, sem se dar conta, começou a voar. Ela não entendia mais nada... Como era possível estar voando? Que força a mantinha suspensa no ar? O voo vertiginoso prosseguiu por mais alguns segundos e, de repente, o corpo dela começou a perder a sustentação. Patrícia, em pânico, fechou os olhos e o seu coração acelerou o ritmo das batidas. Seu corpo despencou e caiu sobre uma cama. Quando ela abriu os olhos, aturdida, viu que estava na cama em que sua mãe havia morrido. O líquido verde e os vermes entraram, por debaixo da porta, no quarto proibido.
Patrícia levantou da cama, cambaleante, disposta a elucidar aquele mistério. A curiosidade agora era maior que o medo. Andando com cautela, ela aproximou-se e colocou a mão em um dos cadeados e observou que ele estava muito quente, apesar da noite e do quarto estarem gelados. Passou a mão nos outros dois cadeados: igualmente quentes. Seu corpo cansado recostou na porta e ela percebeu que a porta, de madeira rústica, estava gelada. O que significava tudo aquilo? O que teria dentro daquele quarto, além do espelho? Por que a sua mãe havia lhe pedido para não entrar naquele quarto e, se por acaso entrasse, não deveria se olhar no espelho?
Não! Aquelas dúvidas não poderiam continuar atormentando os seus pensamentos. Onde será que a sua mãe guardava as chaves dos cadeados? Desesperada, começou a procurar em todos os lugares: guarda-roupa, gavetas, debaixo do colchão, dentro do travesseiro, na gaveta do criado-mudo... e nada! Foi então que ela se lembrou da pequena caixa de madeira, onde sua mãe guardava fotos antigas da família e pertences pessoais; caixa tão proibida quanto o quarto. Abaixou e puxou a caixa que se encontrava debaixo da cama; abriu-a – com o coração aos pulos – começou a passar as fotos e deu de cara com a foto do temido avô, olhando para ela, com o seu olhar satânico. Um arrepio percorreu seu corpo. Jogou a foto no chão e ela começou a se movimentar e passou por debaixo da porta, entrando no quarto. Em pânico, ela deixou cair a caixa de madeira e todas as fotos se espalharam pelo chão. De repente, as fotos se organizaram, se alinharam e começaram a deslizar e passaram, também, por debaixo da porta. A luz esverdeada que saía por debaixo da porta foi substituída por uma luz vermelha.
No chão, ficaram três chaves enferrujadas, presas num arame de cor indefinida. Trêmula, Patrícia agachou e apanhou as chaves. Aproximou-se da temível porta e enfiou uma das chaves no primeiro cadeado. Girou a chave para a direita e ouviu um estalido seco e o cadeado abriu. Repetiu a operação nos outros dois cadeados. Seu coração batia descompassado; sua boca estava seca; apesar do frio, gotas de suor escorriam por sua face. Com mãos trêmulas, ela puxou a grossa corrente que era agora o último obstáculo a impedir a abertura da porta. A corrente foi jogada no chão e fez um ruído metálico pavoroso ao se chocar com o assoalho de pedra.
Patrícia prendeu a respiração... seu coração parecia querer saltar para fora do peito... lentamente, começou a empurrar a porta. Como as dobradiças estavam enferrujadas, a porta resistiu ao leve empurrão e ela teve que colocar toda a sua força para que a porta se movesse, rangendo assustadoramente. Assim que a porta se abriu um pouco, Patrícia enfiou a cabeça pela pequena abertura e olhou lá para dentro. Seu corpo foi tomado por um medo incontrolável... seus olhos pareciam querer saltar das órbitas e um grito lancinante saiu da sua garganta:
- Nããããããããããããããããããoooooooooooo!!!!!!!!!!!!!!!
( ... CONTINUA... )