O ESTRANHO DA CAPA PRETA

Senti o frio tenebroso bater em meu rosto.

Eu estava muito afim de encontrar com aquela menina. Depois da última mensagem no whatsapp que ela me mandou, fiquei empolgadaço.

Ela aceitou me encontrar na casa e, o melhor, no quarto dela.

Ela deixaria a janela do quarto aberta para eu poder entrar. Foi assim o combinado.

A noite estava bonita, fria e a lua cheia dava um aspecto de terror em Pinheiros.

Vi isso tudo da minha janela. Olhei para o relógio : duas e meia da manhã.

Coloquei a jaqueta preta de couro, meu tênis branco da nike, passei atrás da orelha um two one two e fui em direção à casa da garota.

Esperei meus pais dormirem e saí. Não queria deixar ninguém preocupado. Sou grande e sei me virar.

Sai de fina pela janela do meu quarto. Assim que alcancei o chão, o cachorro da vizinha não parava de latir. Um latido chato, alto e agudo.

Qualquer bisbilhoteira sairia à janela para ver o que estava acontecendo. Fifi de janela tem em todo lugar.

Maldito vira lata. Sorte que tinha uns biscoitos no bolso da jaqueta e lancei para ele. Ficou quieto na hora.

Cheguei à rua. Um silêncio gostoso, mas senti um certo receio, um verdadeiro frio na espinha: e se eu encontrasse um filha da puta para me roubar? Não seria difícil naquele horário e nesta cidade violenta.

Os noias parecem vampiros : saem a noite para caçar e sugar o quanto puderem.

Ninguém da vizinhança deixa o carro no sereno, ninguém é bobo. Acordaria e não veria mais o carro ali. Vivemos em prisões chamadas de residência. Não é possível para a maioria curtir o passeio da lua à noite toda.

Que se dane, eu tava afim era de transar.

Não poderia perder essa oportunidade, talvez seria única com essa garota gostosa. Essa mina já dificultava um lance há um tempão, dificuldade em alto grau, mas não desisti.

Se eu não fosse encontrá-la dessa vez, ela mudaria de ideia na certa e nunca mais eu conseguiria nada com ela. E eu to na vontade, precisando de carinho. Aqui em São Paulo a mulherada dificulta demais.

Meu dia de sorte chegou. Esperei por isso tanto tempo!

Percebi o quanto não é fácil andar a pé aqui em Sampa, ainda mais na madruga. A casa da menina ficava há cinco quarteirões. Tudo bem, não é tão longe. O problema não é esse. É encontrar alguém mal intencionado armado até os dentes pronto para levar seus pertences e, em muitos casos, a sua vida.

O que eu tinha para me defender? Nada! E também não me levariam nada, a não ser o Smartphone. Beleza, sigo em frente.

Quando cruzei a esquina do terceiro quarteirão, vi um cara estranho encostado no poste.

Ele usava um capuz preto, toca preta, fumava uma erva e começou a me olhar sem cessar. Fiquei receoso e atento a qualquer movimento do indivíduo.

Mudei de direção meu olhar para não encará-lo, mas percebi de soslaio que ele seguia me observando, tal como um leão observa atentamente a sua presa.

Cidade de merda!

Você já sai com esses presságios sinistros e eles sempre se tornam reais. Senti um leve arrependimento de ter saído de casa naquele horário. Deveria tá na cama, protegido, num lugarzinho quente e gostoso.

Mas logo me motivo ao pensar na cama dela o quão deliciosa seria.

Apertei o passo.

Dei uma olhada para trás e observei que o estranho começou a me seguir com um facão reluzente na mão.

Meu coração quase pulou para fora do meu corpo. Batia forte e batia de doer. Comecei a andar mais rápido. Todas as casas estavam fechadas e não havia mais ninguém na rua. Olhava para trás para ver se ele estava se aproximando.

Ele sumiu!

Sorte que estava perto da casa da garota. Dei uma corridinha rápida e pulei o muro da casa dela caindo no quintal sem fazer barulho. Imaginem se os pais dela me pegam ali. Era b.o e polícia para encher o saco.

Vi que a janela do quarto dela estava aberta como havia prometido. Chamei-a baixinho pelo nome, mas ela não apareceu. Pensei que não tinha me escutado. Pensei em chegar de surpresa.

Sorte que tinha uma escada grande de madeira dentro da garagem.

Peguei-a e ergui-a junto a janela do quarto. Subi.

No meio da escada, dei uma olhada na rua para verificar se o estranho estava lá me espiando ou me esperando para acertar as contas. Nada!

Respirei aliviado.

Cada louco nesse mundão, viu!

Me sentia seguro. Agora era só desfrutar do restante da noite com ela e dá pinote assim que o sol raiasse.

Entrei no quarto e a vi. Estava deitada com a coberta dos pés a cabeça.

Achei estranho, pois ela disse que me esperaria acordada. Talvez pela minha demora, ela pegara no sono.

Mas não demorei tanto assim, pensei.

Coloquei meu joelho na cama,afundando-a. Fui bem devagarzinho, cauteloso, queria acordá-la com carícias e beijinhos quentes.

Fui tirando o cobertor devagarzinho da cabeça dela. Senti o perfume do cabelo, cheiro de rosas, deixando-me excitado.

Assim que cheguei ao pescoço, ela deu um sobressalto:pulou da cama e ficou flutuando de costas para mim. Cai sentado no chão batendo a cabeça na parede sem assimilar aquele fenômeno.

As janelas se fecharam. Perguntei incrédulo o que estava havendo. Nenhuma resposta.

Ela se virou.

Não acreditei, fiquei lívido quando vi seu rosto. Era o estranho da capa preta que eu tinha visto na esquina. Seus olhos eram vermelhos escarlates e agora sorria insanamente, mas sem um dente na boca.

Ele pulou em cima de mim e começou a me enforcar, sem motivo algum. Eu tentava gritar e me desvencilhar daquelas mãos ressequidas, mas era em vão.

Senti as unhas dele rasgarem a carne do meu pescoço, uma dor inefável. Estava desfalecendo, comecei a ver tudo embaçado, até que num ato desesperador lhe dei um chute no saco, fazendo-me largar. Respirei.

Corri para fora do quarto, gritando pelo nome da menina. Ela não apareceu. Ninguém me acudia, muito menos os pais dela.

O estranho fez um som gutural dentro do quarto. Parecia extremamente nervoso com a minha fuga. Desci para o primeiro andar e percebi que estava na sala.

Havia fogo por todo o local e vi três corpos caídos ao chão.

Me aproximei e verifiquei que era o da menina e dos seus pais. Fiquei desesperado, pois todos os corpos estavam sem os olhos.

Me ajoelhei e comecei a chorar.

Vi o estranho descendo as escadas, pronto para ceifar a minha vida.

Fechei os olhos crente que iria morrer, já me sentia conformado.

Pensava em minha mãe e em meu pai e, naquele instante, em Deus.

De repente, ouvi um barulho de sirene : era a polícia!

Eles invadiram a casa arrebentando a porta da sala.

Não resisti e abri os olhos. O estranho e o fogo que consumia a sala não estavam mais lá. Desapareceu como se nunca existisse.

A polícia mandou eu deitar e colocar as mãos na cabeça. Eu gritava desesperadamente que não foi eu quem fiz aquilo com a família. Não deram a mínima.

Encontraram dentro da minha jaqueta preta de couro três pares de olhos humanos. Não tinha mais como me defender.

Fui levado à prisão, julgado e condenado a cento e vinte anos de prisão por um crime que não cometi.

Meus pais, hoje, me visitam e acreditam fortemente na minha versão.

Não sei quem é esse estranho. Toda noite de lua cheia, quando procuro olhar o céu e as estrelas por detrás das grades, vejo, ao longe, no quarteirão, aquele desgraçado olhando para cá, rindo insanamente da minha cara.

O que ele quer comigo ? Por que fez isso?

Só queria respostas. Não queria deixar a vida sem resolver essas lacunas.

PRECISO SAIR DAQUI!

Graciliano Alves de Azevedo
Enviado por Graciliano Alves de Azevedo em 05/06/2015
Reeditado em 05/06/2015
Código do texto: T5266923
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