"O Iluminado" assusta e "Doutor Sono" diverte.
Em "Doutor Sono" (2013) Stephen King nos apresenta a continuação de um dos seus mais aclamados livros: "O Iluminado" (1977). O próprio King se mostrou inseguro com o lançamento de "Doutor Sono", sendo que O "Iluminado" representa uma obra de destaque pesado dentro do conjunto de produções do escritor.
Dias atrás, li uma resenha de "Doutor Sono" com o título: "O Iluminado" assusta e "Doutor Sono" faz jus ao nome. Não acredito que a coisa seja bem assim. Ao ler "Doutor Sono" o que fica claro é que se trata de uma obra comercial, de fato, ele não assusta, mas muito menos causa narcolepsia, como o título da referida resenha apontava. Na obra em questão, temos uma trama movimentada, não tão descritiva quanto "O Iluminado", mas bastante divertida. King transforma o Horror em Mitologia ao inserir criaturas que se alimentam do chamado Vapor - a essência de crianças iluminadas. Danny - agora referido como simplesmente Dan - percebe que não está sozinho, mas que a Iluminação é bem mais distribuída entre os viventes. Este elemento já estava presente em "O Iluminado"; agora temos um deslocamento do ponto de vista de primeira pessoa para descambar em elementos do Horror inseridos sob uma perspectiva objetiva.
Em "O Iluminado" tínhamos uma trama genuína de Horror, em "Doutor Sono", àquela distorção da realidade que insere assombrações pelas fissuras do cotidiano foi substituída pela movimentação característica da Fantasia. Isso só mostra que Stephen King está ciente de como deve conduzir a sua trama para agradar leitores contemporâneos. O talento continua o mesmo, porém, alguns fatores trazem tantos pontos negativos quanto positivos. Neste sentido, "Doutor Sono" serve muito bem como forma de entretenimento, porém, se você procura aquele clima de gelar o sangue presente em "O Iluminado" irá se decepcionar; analisado por esta via, "Doutor Sono" é uma obra fast-food.
Algumas influências de escritores da atualidade são claras: J.K Rowling, Neil Gaiman e George R. R. Martin podem ser notadas. O que vale ressaltar é que o próprio King já declarou algumas vezes que não gosta tanto assim de ser chamado de "escritor de horror", o que fica evidente ao olharmos para o conjunto de sua obra, que vão do Drama ao Fantástico.
No entanto, o que deve causar estranheza em "Doutor Sono" é justamente a passagem do Horror ao Fantástico. Frequentemente, o Horror é definido como um subgênero da Fantasia, mas acredito que o Horror é independente da Fantasia e não precisa necessariamente reportar-se a ela para se efetivar. Na Fantasia pressupõe-se que o impensável é possível, no Horror, o impensável deve quebrar a realidade para causar a sensação que procura despertar.
Sendo assim, "Doutor Sono" se sustenta ao ser lido independente de "O Iluminado", pois, embora os mesmos personagens desfilem nas duas narrativas, tratam-se de obras completamente distintas. No início da trama de "Doutor Sono", Stephen King tenta manter o Horror apresentado em "O Iluminado", porém, no que se segue, "Doutor Sono" se configura como uma obra de Fantasia e não de Horror; lido por esta perspectiva, Doutor Sono é memorável.