A Mão Direita do Diabo - part 9
Numa terra desolada e fria, onde um dia a natureza desabrochou verde e deslumbrante, dorme o lago do esquecimento há centenas de anos, incólume e frio, governando aquelas terras de uma montanha a outra. Os pinheiros e as árvores congeladas morreram e deixaram a sua forma impressa no gelo, como se fossem fantasmas de vidro e neve de pé ante a paisagem. Lá na frente, depois da névoa, dormitam os restos do gigante de pedra, como uma sombra da qual não se pode delinear os contornos.
Uma cabeça enorme, maior do que uma casa, descansa semi congelada na superfície fria do lago. E lá dentro, entre uma orelha e outra, uma flor brilha como se estivesse em chamas. Ela é conhecida como a pérola de Lábara!
Orfeo atravessara a floresta fria e chegara até o lago, graças à sua doce flauta e as suas belíssimas notas. Por meio delas, Orfeo solicitou o auxilio dos seres do fogo, as Salamandras, que vieram em nome da música, e como uma aura cálida envolveram o corpo de Orfeo, protegendo-o do frio e evitando que se congelasse.
Orfeo pisou o lago pela primeira vez... O seu tênue brilho laranja refletiu-se no gelo como espelho... e ele atravessou na direção do gigante. A desoladora paisagem branca levava ao desespero, pois tudo era gelo, neve e alvura. O vento soprava em uivos e lançava cristais de gelo como lâminas. As montanhas abraçavam o lago no fim do horizonte, isolando-o do mundo, conduzindo a um terrível e pesado sentimento de solidão e tristeza. Se o frio não matasse um peregrino, o restante por certo o faria.
E então, de repente, nada mais. Nem vento, nem uivos, nem precipitação. Apenas a figura diminuta de Orfeo, e a colossal cabeça de pedra do golem de Agharta, protagonizando um monologo interior na imensidão que os oprimia. Restava a Orfeo galgar a estrutura até alcançar a entrada do ouvido, e tomar para si a pérola-flor. Mas as coisas nunca seriam fáceis, nunca é. E por baixo dos pés de Orfeo o chão pareceu tremer... e o lago de gelo começou a trincar...
Primeiro, um descomunal soco tentou romper o gelo do lago. Depois, com um leve girar de cabeça o enorme gigante pareceu fitar Orfeo...
E então outro golpe. E o gelo rompeu-se! E a criatura – ou seja lá o que fosse aquilo – começou a se levantar, libertando-se do lago que o prendera por tantos anos. E enquanto se levantava vagarosamente na sua própria e desconcertante altura, o lago desmembrava-se em cascas de gelo que refletiam o sol e decompunham a sua luz em todas as cores do espectro do arco-íris. Os olhos sem vida da criatura de pedra não abandonavam Orfeo, e a sua assustadora figura dedicava todos os seus movimentos a se libertar de sua prisão para destruir Orfeo!
E finalmente ela estava liberta. De pé ante a pálida luz do sol que tentava vencer a neblina, lançando uma sombra descomunal por sobre o vale e o lago. Maldito seja, quem disse que essa criatura tinha setenta metros – pensou Orfeo – pois que o cidadão passara longe em seus cálculos, pois ali, de pé, diante dele, tinha um ser que chegava fácil aos cem metros de altura!