Os fantasmas da casinha do poço.
Já se passaram várias décadas e ainda me lembro com detalhes da casa de minha avó. Era uma casa grande, de madeira, bem arrumada e, sem sombra de dúvida, no melhor bairro. Meu avô era organizado e fazia questão que a casa estivesse sempre impecável.
Havia uma varanda com uma rede que estava sempre armada para quem quisesse descansar, e balançar nela era uma de nossas diversões.
Nos fundos, havia uma garagem com a casinha do poço ao lado, chamada de “barracão” por abrigar em seu centro um poço enorme que abastecia a casa toda, considerando que naquela época não havia água encanada.
Tínhamos medo de entrar sozinhos na casinha do poço, talvez por ela ser escura, cheia de objetos e muito alta. Era como se não fosse possível enxergar o teto, e aquele local nos dava calafrios.
Quando vó Eugênia pedia para que desligássemos a bomba d’água, sentíamos um desespero enorme. Entravámos correndo, apertávamos o botão e saíamos em disparada. Até hoje, não sei como tínhamos coragem de entrar lá, mesmo que fosse só por alguns segundos.
Durante a noite era ainda pior, o ambiente parecia mais tenebroso, ouvíamos sons estranhos vindos do quintal e não conseguíamos decifrar ao certo o que eram. Às vezes, tínhamos a impressão que eram gritos de dor, outras vezes vozes que rezavam, mas certamente não eram sons produzidos por animais, como insistiam em nos dizer.
Certa vez, na época da quaresma, estávamos voltando da igreja com meu avô Brasilizio e ele estacionou seu fusca na garagem. Percebemos que sombras se movimentavam dentro da casinha do poço, mas logo desapareceram quando os faróis do carro foram desligados.
Queríamos convencer a nós mesmos de que as sombras eram apenas fruto da nossa imaginação, mas, com o passar do tempo, os sons surgiam com mais frequência e era impossível ignorá-los.
Insistimos para que vó Eugênia revelasse de onde vinham, e ela decidiu contar os segredos da casinha do poço, admitindo que nunca havia comentado sobre o assunto pois tinha o receio de que nunca mais a visitaríamos.
Prometemos que, acima de tudo, jamais a abandonaríamos. Convencida de nossa sinceridade, começou a relatar a história por trás da casinha do poço:
“Antigamente, este local era uma fazenda de café. Meu bisavô comprou um lote assim que foi loteada, e então ficamos sabendo que era nessa área que se encontrava a senzala. O dono da fazenda era um poderoso Coronel do café, morava com sua família, sua esposa, D. Cleide, e sua filha, Célia, uma moça muito bonita que tinha inúmeros pretendentes.
De qualquer forma, Célia dispensava todos aqueles que se aproximavam dela e não queria saber de ninguém. Ela gostava do escravo Tião, um negro alto e muito forte, considerado o líder de sua aldeia até ser capturado e trazido para o Brasil.
Quando se conheceram, foi amor à primeira vista. Célia tomou a iniciativa e começou a flertar com o escravo, passando a marcar encontros clandestinos. Muito apaixonados, os dois pretendiam fugir para viver aquele amor impossível.
Quando ficou sabendo do envolvimento de sua filha com um escravo, o Coronel ficou muito furioso e enviou Célia imediatamente para um convento. Tião foi para o tronco e levou tantas chibatadas que suas costas ficaram em carne viva. Ainda debilitado, foi jogado na senzala, onde agonizou por vários dias. Não satisfeito com o sofrimento de Tião, o Coronel ordenou que o Capitão do Mato colocasse fogo na senzala.
Diz a lenda que os gritos de agonia de Tião foram ouvidos a quilômetros de distância, bem como a maldição que lançou no Coronel. Célia, ainda no convento, foi informada por um escravo de que Tião havia sido morto de forma cruel. Entrou em depressão e, alguns meses depois, faleceu de desgosto.
O Coronel entrou em desespero ao perceber o mal que havia causado à sua única filha e chegou a ser abandonado por sua esposa, que se mudou para o exterior. Sozinho, começou a beber e passar os dias alcoolizado. Aproveitando-se de sua fraqueza, os escravos amigos de Tião o prenderam na senzala junto ao Capitão do Mato, atearam fogo no lugar e assistiram a agonia sofrida pelos dois.
Alguns dizem que as almas de ambos ficaram presas na senzala, como punição por todo o mal que causaram. Na época da quaresma, elas tentam escapar da senzala, produzindo os sons estranhos vindos da casinha do poço.
Assim que terminou de contar a história, ficamos atônitos e, sem saber o que dizer, olhamos assustados para a casinha do poço e desejamos que aquela fosse apenas mais uma das histórias de vó Eugênia.
Infelizmente, o relato era real e podíamos escutar os sons que de lá saíam.
A casa de minha avó continua sob a posse da família há mais de cem anos e, sempre que visitamos o lugar para relembrar nossa infância, a casinha do poço ainda nos dá calafrios.