A COISA

A COISA

Normalysson olhou para a bela mulher á sua frente que lhe estendia a mão. Tudo nela era lindo! O rosto, pescoço, busto, mãos... em fim era tudo sensualidade que convidava à luxúria; ao prazer. “ELA” o chamava, não com palavras; não apenas com gestos obscenos, mas com uma proposta irrecusável de gozo real.

Ele sabia do poder daquele convite. Tinha certeza que jamais teria outra oportunidade. E pensou: sobre a morte, sobre o tempo e, sobretudo, sobre a vida, que nunca mais teria o mesmo significado...

Sim! Possuir a mulher perfeita, a escultura de mármore de pele lisa como o luar, da cor do âmbar; e, de olhos inomináveis. Beijar e chupar seus seios, acariciar o seu ventre sedoso, mordiscar e percorrer os mistérios de cada parte visível do seu corpo, penetrar sua gruta do amor e sentir todos os prazeres da carne. Por fim beber da taça do veneno lascivo

— Você quer viver para sempre, Normalysson? Ter poderes surreais? Sentir prazeres que você nunca sentiu?

“ELA” exigia mais do que viver as benesses e regalias desenfreadas. Numa conversa antes das carícias havia ficado claro que o preço a ser pago era alto, mas ele estava disposto a experimentar sensações que outros mortais comuns não sentiram e nem sentiriam. Era uma oportunidade sui generis, única! Ele poderia viver mil vidas que não teria outra chance como aquela. Olhou dentro dos olhos daquele símbolo de oferta de sexo selvagem e duradouro e aceitou o chamado.

Praticamente voou para cima dela. Beijou-a. Foi correspondido com uma volúpia que não esperava. Engalfinharam-se pelo chão, rolaram um sobre o outro; envolvidos num jogo maravilhosamente animalesco; e sobretudo prazeroso. Normalysson soube então o que era o prazer absoluto, até doloroso podia-se dizer. Não havia necessidade da busca obsessiva, achara-o com aquela lindíssima mulher.

No ápice da excitação, nem viu aquelas unhas negras que se grudavam em suas carnes.

De repente como num sonho, ele viu a boca d“ELA” se abrir mostrando dentes pontiagudos e espaçados. Normalysson nem gritou, sua voz foi tragada por uma garganta como se fosse uma caverna profunda e sem fim, meio que enlouqueceu de horror, mas tudo não passava de um imenso vazio, dentro e fora dele.

Daquela bocarra escorria uma baba negra, viscosa, fétida e nojenta, mas ao mesmo tempo anestésica. Não tinha como não sorver aquela podridão; estava subjugado, escravizado e aterrorizado. Meus Deus! Sentiu enrijecer os músculos vaginais que antes ele deliciara. E, agora como que eles o penetravam, dilaceravam e queimavam feitas brasas incandescentes.

Ele havia se transformado em mulher? Mas como? Sentiu que “ELA” recuava os quadris, veio um alívio momentâneo, mas foi só uma fração de segundo, pois uma nova estacada ainda mais profunda, algo perfurava suas entranhas; gemeu de dor e vergonha. Outra metida violenta. Agora ele conseguiu gritar, pois “ELA” afastara a bocarra para ter o êxtase. Um líquido pastoso, o queimou por dentro. Escorreu. No momento ele não sabia se pelo ânus ou por outro buraco aberto na sua virilha. O que importava isso. Sabia o que estava acontecendo. “ELA”, satisfeita rolou de lado e começou a gargalhar, ao mesmo tempo em que o tripudiava:

- Você não queria vida longa, pois agora terá, no meu filho, ou nosso filho, que você tem dentro do seu ventre. Queria gozar a vida, pois gozará no nosso rebento.

Ele sucumbiu ao perceber o monstro que pariria para o mundo.

Não morreu de imediato, sua agonia durou longos meses, mais de um ano até. Normalysson não sabia como, mas era alimentado por algo energético, introduzido na sua corrente sanguínea através de um pequeno furo, na forma de cateter, feito numa veia do seu crânio. No mais tudo parecia hermeticamente fechado feito um casulo

Não mais sentia dor, tão pouco podia se mexer, pois estava imobilizado e anestesiado; nem ao menos tinha como fazer qualquer som, estava mudo, pois os músculos de sua garganta haviam se ressecados. A única função física da vida que ainda podia fazer era respirar.

Nem soube quando, mas um dia sentiu aquilo se mexendo dentro de si. Meu Deus! Dentro do seu ventre uma vida estava crescendo. Algo horrendo. Um monstro desconhecido.

Mais alguns dias e vieram as dores intermitentes, ainda pequenas e suportáveis. Depois, elas foram aumentando de intensidade; e, depois também em quantidade. Meses depois passaram a ser insuportáveis, mas não tinha como se aliviar. Sabia que seu pecado de ter aceitado a oferta havia eliminado até seu direito a orar pedindo alívio; então era melhor deixar a coisa acontecer.

A anomalia que vivia dentro dele estava se alimentando de seus órgãos, sua carne; e, por fim comeria todo seu corpo. De que adiantaria enlouquecer. Fora ele quem havia procurado e encontrado seu inferno.

Com o nascimento da “COISA” Normalysson morreu!

A “COISA” nasceu por si só. Com uma violência característica de si mesma. Primeiro devorou o último naco de carne que havia na barriga dele, usou de todas suas forças para rasgar o que restava de pele; e, saiu ao mundo. Ao sair, o caldo pegajoso onde estivera mergulhado vasou, de onde emanou uma fedentina asquerosa. A “COISA” aspirou aquele miasma, se regozijou; levantou quatros olhos em brasas para a luz do sol e fez festa. Com fúria, rasgou e dilacerou o que restava do seu casulo; e, com os pés, chutou o que fora sua mãe (pai?), para longe de si. Ainda molhado e trêmulo, aprumou o corpo nas quatro patas traseiras, ergueu a cabeça, onde despontavam dois chifres pontiagudos, e gritou a plenos pulmões:

- O poder é meu!

Alguém que estava por perto sorriu e sussurrou para não ser ouvida e nem comida:

- O filhinho da mamãe nasceu!

A “COISA” abriu os dois membros superiores. Não eram braços. Eram asas como as de morcego. Estufou o peito, impulsionou o corpo com os membros inferiores e alçou voo. Do alto viu aquela mulher linda em terra. Não foi longe. Fez uma curva e retornou.

Ela não teve tempo de fugir. Rápido como uma flecha, a “COISA” caiu-lhe em cima, à revelia dos gritos e da afirmação de que era a “mamãe”, agarrou-a com os seis membros, nos quais unhas afiadíssimas sobressaiam; e, como se fosse um delicioso petisco, levou-a a boca e rasgou-a. Para a “COISA” tinha um gosto suculento, melhor do que o alimento consumido dentro do casulo. Devorou-A toda, até os ossos.

Saciada a fome, com o estômago cheio, e sabendo que não havia ninguém mais para se rivalizar consigo, havia comido o último páreo; alçou voo novamente. À sua frente havia um mundo todo seu.

O crepúsculo se fazia anunciar. No ar a “COISA” guinchou um som agudo e horripilante; e, o céu se tingiu de rubro. Ali e até nos confins da terra todos os seres tremeram de pavor.

E nunca mais o mundo seria o mesmo!

Não sabe a “COISA” que “a mamãe” era/é uma feiticeira, portanto se deixou ser devorada para dar continuidade na sua linhagem.

Itapuranga, julho de 1977.

Aleixenko
Enviado por Aleixenko em 09/05/2015
Código do texto: T5235698
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