A Mão Direita do Diabo - part 6
A cena pode ser, mais ou menos, descrita assim: Imagine uma lagoa cheia de peixes famintos, e um engraçadinho balançando uma minhoca na linha bem acima deles. Pois bem, Orfeo era a minhoca, e as suas pernas, a linha. Ele corria por sobre as escamas enceradas das serpentes, pulando como se fosse pipoca e estivesse sobre uma chapa muito quente, enquanto mandíbulas munidas de presas muita afiadas tentavam lhe arrancar um ou dois pedaços. Arrepio-me só de me lembrar... E tal não foi o desespero de Orfeo, que ao encontrar duas varinhas e um toco oco de árvore, deu a tocar percussão neles, à maneira de um artista contemporâneo de reggae, sabendo ele de suas habilidades musicais sobre humanas. E não é que deu certo! As cobras pararam de tentar mastigá-lo e se concentraram outra vez no ritmo hipnótico.
O problema todo era que, ele não podia arredar o pé dali, já que o tronco estava preso no chão. E parar de batucar significava ser engolido na primeira oportunidade.
Do que cobra gosta mais do que de gente? Ratos! Pensou ele. Bem espertamente, diga-se de passagem. Não que ele fosse inteligente, insisto novamente nesta observação. Mas convivera tanto tempo com os ratos, que ele conhecia cada hábito seus, maneiras, gostos, forma de andar... quase como se fossem da família.
Então, variando um tom ou outro, buscando uma nota mais aguda aqui, outra ali, ele foi trazendo os ratos mágicos da floresta para se juntarem à festa. Eram os inimigos naturais das serpentes aladas e eram ratos um pouco maiores que os normais, e com um surpreendente poder de camuflagem. Eu já vi coisas absurdas!... Como eu já andei por lugares estranhos!... Já encontrei seres de todos os tipos!... Mas aquela cena eu jamais achei que veria em minha vida, e jamais pensei em esquecê-la... Cobras aladas e ratos dançando em uníssonos, no mesmo passinho, como se fosse um teatro miserável de esquina, na época da depressão, e eu tivesse pagado vinte centavos só para ver aquilo.
Essa dança insana durou, por pelo menos, meia hora, foi o tempo que Orfeo levou para imaginar o plano “b”. Que consistia em juntar o maior número de ratos possíveis junto às cobras, para assim, desse modo, elas desistirem dele e avançar nos ratos. Mas não podia ser coisa pouca não! Tinha de ser uma turba inacreditável de ratos, para dar uma briga boa né, e não apenas alimentar as serpentes famintas. Para oitenta cobras de dois metros, noves fora vai um, deveria ter pelo menos, dois mil ratos. Isso era mole, dois mil ratos viviam debaixo da velha cabana de Orfeo (pergunto-me quantos políticos profissionais existem em Brasília). E assim, com todo mundo dançando ao ritmo mediável de green leaves, eis que Orfeo toma coragem e cessa a música....
Cobra olhou pra rato, rato olhou pra cobra, Orfeo olhou para estrada... E eis que a poeira se levantou e a cena mais bizarra da história teve o seu desenrolar! Eu via e ouvia de tudo e um pouco, no meio daquela massa disforme de escamas e pêlos. Até um miar pestanejado de gato e um relinchar de cavalo lembro-me de ter ouvido, embora não me recordasse da presença desses dois animais na “festa”.
E enquanto Orfeo se perdia na estrada em meio ao pó de seu próprio rastro. A poeira abaixava mais aqui atrás, e para o espanto geral, os ratos saíram voando, roubando as asas das cobras, e a elas só restou rastejarem de volta para os seus buracos. Nasciam ai os morcegos, e o bom e velho ditado... “Deus não dá asa a cobra”.
Mas posso garantir, um dia elas tiveram... Ah, tiveram...