A Mão Direita do Diabo - part 4

Dali, por muitos anos, Orfeo exerceu o seu ofício de luthier com extrema aptidão e brilhantismo. Jamais ponha as mãos de novo em um violino ou em um piano, sem olhá-los com outros olhos. Foi Orfeo quem ensinou a Antonio Stradivari a técnica perdida da construção perfeita, que reduzia a forma de um violino às proporções áureas que permitiram serem tiradas harmônicas mais suaves do violino, inspirando dezenas de compositores mundo afora. Você só ouviu “Jesus bleibet meine Freude” e “A morte de Ase“ graças a Orfeo! E foi só depois que Leonardo da Vinci conheceu Orfeo, que lhe veio a ideia de aplicar proporções áureas em seus quadros e a técnica do “sfumato” em suas pinturas. Pois Orfeo narrara a ele as suas aventuras nas catacumbas do cemitério, dizendo que os fantasmas pareciam pessoas que se desfaziam em “fumaças”. E antes de Orfeo, os pianos tinham as cordas beliscadas e se chamavam cravo! E na antiga lenda Orfeo e Eurídice, a contraparte masculina da história, antes de Orfeo, chamava-se Geraldo!

Que anos brilhantes foram aqueles! Que beiço de castor que nada! Agora Orfeo se banqueteava com o que havia de melhor: carne de cavalo, maçã picada com vinagre, água da cisterna e farinha – a vida nunca fora fácil pra ninguém naquela época...

Orfeo se casara, tivera filhos, e quando tudo parecia perfeito, alguém lhe bate a porta numa noite de sexta-feira, dia de todos os santos.

-Pai, tem um homem na porta te procurando – disse o filho mais jovem.

-Já estou descendo – estranhamente, Orfeo já sabia de quem se tratava.

Zack o aguardava de pé na porta. Vestido de branco, chapéu igualmente branco na cabeça, ostentado por uma alvíssima pena de ganso, uma bengala de marfim, e sequer um dia mais velho!

-Eu sabia que iria aparecer um dia...

-Sim, eu sei que sabia... Tenho uma missão para você!

-Diga qual é, estou pronto.

-Pois bem, então... Além das pradarias, depois da cordilheira, existe um vale de muitas cavernas...

-Onde vivem as serpentes...

-Sim, isso mesmo – respondeu-lhe Zack. As cobras naquela época eram seres enormes e alados. Lembravam os dragões das lendas de hoje. Na verdade eram cobras enormes, que em muitas ocasiões voavam por sobre as vilas e castelos em busca de vítimas, e que por muitas vezes eram vistas como monstros marinhos ou seres do diabo. Mas como se pode ver, elas não eram. Assim, continuou Zack:

-De posse delas existe um animal fabuloso, o Pan, o último de sua estirpe. Liberte-o, distraindo os seus captores com o seu talento. E terá cumprida a missão.

Pan era o filho da seiva de uma árvore com um unicórnio, e por isso nascera como uma espécie de cavalo com dois chifres e pele de madeira. Era da cor do âmbar, e parecia uma árvore de quatro patas. Houve uma época em que foram muito abundantes, mas isso fora muito antes de Orfeo.

A sua missão, como se vê, era nobre, porém, perigosa...