A NEBLINA
A neblina
Aquela fazenda havia sido palco de um triplo assassinato muitos anos atrás, mas a terra ainda guardava em suas entranhas o sangue a ser vingado.
Sempre que ia até lá sentia um arrepio gelado percorrer minha espinha. O caminho obrigatório passava ao lado das três sepulturas artisticamente escavadas lado a lado e identificadas pelas antigas e frias lápides de pedra cinzentas e já descascando. Os nomes das moças já nem era mais legível.
Nunca havia visto nada sinistro ali, além, é claro da sensação deprimente provocada pela triste visão e da lembrança que evocava.
Dizia a antiga lenda que as moças foram esfaqueadas brutalmente, mas que os assassinos nunca foram identificados.
Nesse dia particularmente meu medo ao passar por ali era mais denso. A sensação era tão tenebrosa e sólida que poderia cortar, como se fosse manteiga gelada.
Estava chegando ao final do dia quando me aproximei do pequeno cemitério particular. Era inverno e o sol se punha mais cedo nessa época do ano. Estava sozinha nesse dia, fato inédito... E ao me lembrar disso, apressei o passo e olhei de esguelha para os túmulos.
A grama crescia sobre os montinhos de terra, e as formigas haviam feito seu ninho ali, fazendo com que sulcos de terra escura se abrissem.
Um vento gelado soprava as folhas das árvores e elas produziam um som que lembrava o choro de mulheres desesperadas. Era isso ou o fruto de minha imaginação em pânico. Não sei. Foi nessa olhada rápida que vi uma leve e branca neblina sair do primeiro túmulo. A neblina brotava lentamente pelos sulcos da terra e ia subindo sem pressa. Corri em direção a pequena ponte que me levaria para longe dali.
Enquanto corria me lembrava das histórias antigas que crescera ouvindo. Uma delas dizia que a alma da irmã mais velha, em forma de fumaça entrava através das narinas das pessoas possuindo-as. Eu sempre achei que eram apenas velhas historias inventadas para impressionar as crianças.E por um momento parei de correr e tentei ser racional. _ Pense, tentei me dizer, é apenas o vapor se desprendendo da terra.
Mas a neblina saia especificamente daquela sepultura,e era difícil pensar com a razão. De repente vi a névoa adiante de mim tomando a forma arredondada e irregular, como uma poça de sangue no chão, que escorria pelo declive do terreno, para o riacho. Percebi que o DNA da moça estava ali na terra e a névoa seguia o caminho do sangue vertido anos antes. A neblina veio em minha direção e senti -a entrar pela minha boca e nariz, aspirada pela força da minha respiração acelerada pela corrida e pelo medo apavorante. A cena nítida e perfeita dos assassinatos foi então evocada. O passado se descortinou diante de mim. Dois homens orientais vestindo ternos pretos haviam trucidado as moças. Sem piedade e com golpes brutais atacaram-nas fazendo o sangue sujar meus pés. Pude sentir todo o pavor que elas sentiram. Foi real, muito real. Quando me livrei do torpor senti o vento cortante novamente em meu rosto e subitamente voltei ao presente. Apenas alguns segundos se passaram, mas a mim pareceram séculos. Corri o mais rápido que pude e atravessei a ponte, fechei o grande portão de madeira da estradinha de terra batida atrás de mim sem olhar para trás.
Quando consegui parar de correr comecei a desacelerar as batidas do coração e a respirar mais devagar. Então entendi o que se passou.
Vi os assassinos das moças, mas nada mais poderia ser feito. Eles já não existem , pois muitos anos já se passaram.
Talvez ela tenha tentado ,todos esses anos, comunicar-se dessa forma com alguém, mas fora em vão. Ninguém pode entender a mensagem que ela tentou transmitir. E eu; mesmo tendo entendido, nada poderei fazer por ela. Suspiro.