Olhos tristes

Foi motivo de grande festejo para minha família a notícia da mudança. Uma nova casa, novos vizinhos nos enchia de esperanças.

Agora, no carro, a caminho da nova casa, a medida que o carro acelera tenho a sensação de que todas as frustrações estão ficando para trás que nem nossa antiga vizinhança.

A nova casa fica em um bairro afastado e é muito chique. É um casarão antigo e bem conservado, ainda mantém o esplendor de outra hora. Pela parede muitos quadros, de pessoas, natureza morta e deuses de várias mitologias. Porém, um dos quadros se diferenciava dos outros, este mostrava um ser sem forma definida com longas garras.É assustador! Por que alguém teria um quadro tão assustador como esse?

Mas, é melhor esquecer esse quadro. Vou ver o meu quarto. Talvez desarrumando as caixas, com alguma ocupação minha mente esqueça as lembranças daquele quadro macabro . Meu quarto é o último do corredor. Meus irmãos mais velhos e mais espertos ficaram com os quartos melhores. Para mim, o mais novo, restou apenas o menor e mais afastado quarto.

Nossa! Parece que quem morava nessa casa amava muito quadros estranhos. No meu quarto há vários pelas paredes. Seis no total. Dois são apenas pinturas com fundo colorido, como se um pintor sem criatividade tivesse simplesmente pintando o quadro de uma única cor. Já os outros quadros são realmente estranhos.Os quatro retratam crianças, mas não crianças normais e alegres,e sim crianças com profundos olhos tristes. Por que essas crianças estão tão tristes? Por que alguém colocaria um quadro de criança triste no quarto? Essa casa está muito doida para o meu gosto. Mas, não irei me preocupar com isso agora.

*

Acordei assustado. Tive o pior pesadelo da minha vida. Sonhei com as crianças tristes dos quadros. No sonho me mandavam fugir enquanto ainda tinha tempo. Quando lhes perguntava o por que, simplesmente diziam que não havia tempo a perder. Acho que foi apenas um pesadelo. Vou na cozinha beber um copo de água.

Agora fiquei com medo! Vocês podem me chamar de doido, mas juro que aquela criatura monstruosa, aquela sem forma definida e com garras, sumiu do quadro. Estou realmente assustado. A sede até passou. Vou voltar para meu quarto, me cobrir com o coberto e tentar dormir ignorando o sumiço desse monstro e o pesadelo.

Tento falar com meus irmãos para mudar de quarto, digo que não me sinto bem no meu. Todos dizem que não vão trocar de quarto comigo. Não irão trocar seus quartos grandes por um quarto pequeno repleto de quadros tristes. Então o jeito é continuar nele.

Só que o fato de ter que continuar no quarto não foi o pior do dia. O pior foi o momento em que perguntei se alguém tinha reparado no sumiço da figura de um dos quadros. Cheguei a apontar para o vazio emoldurado. Todos falaram que nesse quadro nunca teve nada pintado. Será que foi tudo imaginação?

Vou dormir com a luz ligada hoje. Assim talvez o medo seja menor.

*

Mesmo com a luz ligada os pesadelos foram horríveis. As crianças estavam nele de novo. Dessa vez, elas não me alertavam para fugir, ao invés disso, faziam uma roda ao meu redor e começavam a dizer que iriam ficar comigo para sempre. Foi macabro.

Me arrependi de ter deixado a luz ligada. Se a luz estivesse apagada não o veria naquele quadro que antes estava em branco. O monstro está em um dos quadros. Meu Deus, está se mexendo! Agora que olho bem percebo que o que ele tem na mão são tentáculos e não garras. Vou fugir daqui!

"Tarde demais" Dizem as crianças dos quadro quando tento me levantar da cama

Medo é uma coisa terrível mesmo. Não consigo me mexer por causa dele e nem gritar. Talvez isso seja um pesadelo! Espero que seja, por que os tentáculos do monstro estão começando a sair do quadro e a chegar perto de mim. Parece que toda luta é em vão. Estou cansado. Sinto que vou desmaiar. Espero acordar na minha cama.

*

Onde estou? Minha cabeça está doendo. O que é isso na minha frente? Parece que tem um tipo de vidro na minha frente. Por esse vidro consigo ver as coisas do meu quarto e minha cama! Oh, não, estou preso em um dos quadros!

Espere, escuto um barulho na porta. São meus irmãos. Talvez se bater no vidro escutem. Eles chamam por mim, respondo, porém aparentemente não ouvem. Um de meus irmãos está olhando em minha direção. Talvez tenha me ouvido. Levantando o dedo aponta para mim e comenta que esse quadro triste não estava lá antes, também fala que é muito parecido comigo. "É por que sou eu" falo, porém não ouvem.

Antes de sair, ainda aponta para um outro quadro e fala:

"Esse quadro de monstro também não estava aqui antes"

"Que quadro de monstro? Esse quadro não tem nada" diz meu outro irmão antes de sair do quarto

Essa não! Tenho que tentar avisar meu irmão. Por que logo o monstro tentará ocupar o quadro vazio com outra criança de olhos tristes.

Ana Carol Machado
Enviado por Ana Carol Machado em 17/04/2015
Reeditado em 08/02/2019
Código do texto: T5210040
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