Asas das Trevas
— Minha obra-prima! Quase posso ouvir-te respirar, quase posso ver-te voar... Como queria que tu tivesses vida! — o mestre escultor acaricia a gárgula recém-concluída. Belzebu, que passa pelo ateliê do escultor, ouve a conversa, acolhe o pedido.
À noite, após o escultor adormecer, a gárgula estende as asas, atravessa o vitral e voa sobre o burgo silencioso.
O filho de Johann chora.
— Greta, vai dar uma olhada na criança. — a mulher, sonolenta, obedece. Interrompida pela cena terrível. Foge-lhe um grito de terror.
Johann salta da cama e, na penumbra do quarto, vê o filho nos braços duma criatura alada. Pai e mãe estáticos, enquanto o monstro crava os dentes na barriguinha da criança, arrancando suas vísceras. Greta grita novamente, Johann mete a mão debaixo da cama e apanha seu sabre.
O corpo inerte do bebê cai, o monstro desaparecendo pela janela.
Karl e Ludwig vigiam as muralhas. Lá embaixo, gritos. Algo aconteceu.
— Uma criança morta!
Os vilões arremessam pedras, dardos, potes contra uma espécie de pássaro noturno, não o atingem. A criatura vem em direção às sentinelas e degola Ludwig com as garras, sem tempo para reação.
Franz retorna da caçada, a noite chega e ele monta acampamento numa clareira da floresta. Acende fogueira e se deita, abraçado ao arco e à aljava; montaria amarrada numa árvore.
O cavalo inquieto, esgaravatando, relinchando, Franz se revira no leito improvisado, mas seu animal está aterrorizado. Um monstro alado está sobre ele, lutando, unhas cravadas nas costas e dentes no pescoço.
Franz dispara uma flecha, duas, três. Mas nada, elas ricocheteiam como se o alvo fosse de pedra.
O cavalo está morto; o monstro, voando para o norte.
A cidade está alvoroçada.
— Donde surgiu este demônio? — todos se questionam.
Uma expedição é enviada: Johann, Karl e Franz, os três experientes no uso de armas, os três, vítimas do monstro. Seguem para o norte, seguindo o rastro de sangue deixado pela gárgula. Pelos vilarejos, pelos casebres à beira da estrada, pelas fortalezas incrustadas em montanhas, todos tinham uma história para contar.
Por fim, avistam um monastério em ruínas. Anoitece, eles buscam pouso. Chamam à porta, ninguém atende. Adentram um pátio, ninguém; no claustro, apenas vazio. Montam acampamento ali, adormecem.
São despertados por um som, um canto. Sobre o campanário do monastério, está o monstro, entoando um cântico satânico. Um seus olhos, há fogo, a melodia do Diabo.
Os três se preparam para a luta. Franz dispara com seu arco, mas o mesmo resultado da outra vez. A gárgula alça vôo e paira sobre eles, ainda cantando. Neste momento, outras criaturas aladas se aproximam, gárgulas demoníacas como aquele que Franz, Johann e Karl perseguiam, centenas delas; o monastério, um abrigo soturno para as crias do Demônio.
Armas em punho, os três homens são devorados pelas gárgulas, nunca retornariam para a cidade, contando os feitos de sua gloriosa missão.
As mortes recomeçaram no burgo. O mestre escultor acaricia o arcanjo recém-construído.
— Arcanjo Miguel, passamos por tempos difíceis. O mal estendeu suas asas sobre nossas casas, mulheres e filhos. Ouve-me, protege-nos! — São Jorge, que passa por ali, atende a súplica do escultor.
À noite, quando todos sonham, o arcanjo abre as asas e voa para fora do ateliê, ao encalço da criatura infernal.
Porém, há um problema, ambas as estátuas são do mesmo material, uma não fere a outra.
O embate do céu se prolonga pela eternidade, gárgula e arcanjo disputando o destino dos homens tementes a Deus.