Nossa história de horror

Pedro Fonseca chega às 18 horas da tarde em sua casa, depois de um longo dia de trabalho. Deixa a pasta no chão, pega uma latinha na geladeira e liga a TV. Fonseca não quer perder o seu programa predileto por isso não mudou a roupa, não tomou banho e muito menos olhou para sua esposa que estava preparando o jantar do jeito que ele gosta. As crianças estão construindo um castelinho de Monta tudo no centro da sala, vendo o pai abrir a camisa de botão e colocar tamanha barriga para fora.

– Papai o senhor pode nos ajudar com o castelinho? Pergunta uma delas, mas Fonseca está hipnotizado pela TV e sua mente está bloqueada com os “assuntos importantes” que jornais policiais estão transmitindo, afinal pode aparecer o ladrão que roubou o seu celular na semana anterior. Já que o pai não vai até os filhos, os filhos vão até o pai, Jurandir e Tereza sentam-se na poltrona ao lado do seu pai para ver a programação que tanto lhe interessa.

A primeira coisa que as crianças vêem é um apresentador de terno, gravata e que fala tanto como um político, mas sempre no fim das frases diz “Mete-lhe o cassete nesse veado”, “Mete mesmo” repetia Fonseca com um sorriso assustador.

– Pai, o que é cassete? Pergunta Jurandir. Fonseca coça a cabeça e explica.

– Meu filho, cassete é um pedaço de madeira, daquelas bem boa mesmo, que nem essa do nosso sofá.

– Ah ta. Respondeu Jurandir, deixando Fonseca aliviado.

–E veado? Perguntou Tereza. Fonseca coça novamente a cabeça calva, porém dessa vez acaba desabafando.

–Minha filha, veado é o patrão da gente que explora e paga uma merreca nos deixando na miséria.- Dito isso deu um gole na cerveja e continuou a assistir ao programa.

– E o que é miséria? - Indagou Jurandi

–É a falta de oportunidade meu filho. Respondeu Fonseca.

Depois de mostra a operação da policia no bairro da terra-firme em Belém, o apresentador cruza os braços e diz “Olha a sacanagem que esse cara fez, roubou a bolsa da estudante...” logo a curiosidade bateu em Jurandir.

–Pai o que é sacanagem? - Fonseca não quer interromper a informação que está sendo lhe dada, então nem olha para criança e continua vibrado.

–Meu filho, a TV. - Respondeu ele apontando para o aparelho.

–Ah ta. Disse Jurandir.

O apresentador faz um novo discurso, “Tem que mata esses malandros todos, sabe o que eles querem? vagabundagem é isso que eles querem. Põe a cara desse vagabundo na tela.”

–Pai, o que é malandro? E o que é vagabundagem? - Indagou Tereza. Fonseca querendo enganar as crianças com suas ironias afirma.

–Malandro sou eu meus filhos, às vezes tenho que ser malandro, senão eu não ganho dinheiro. E vagabundagem é o que a tua mãe faz, fica o dia inteiro na cozinha fazendo comida e não arranja emprego.

No outro bloco do programa, aparece um repórter em uma seccional entrevistando um homem que foi abordado em flagrante de trafico de drogas.

–Onde tu escondeu Maconha rapaz? - Perguntou o repórter.

–Num fui eu não mano, eu só tava lá meu, tarra deitado, durmindo lá meu, depois os puliças entraram já me dando porrada meu. Respondeu o detido.

–E por que o teu apelido é Zé capeta?

–Num sei, foi os cara que bôto meu, mas eu sou sujeito bom.

Novamente a curiosidade bateu nas crianças.

–Pai, pai! O que é porrada?E maconha? O que é? Fonseca já esgotado de tantas explicações, continuou sem se preocupar se as informações que ele passava para os seus filhos estavam certas ou erradas.

–Porrada é uma coisa forte, que nem um abraço. E maconha é uma erva meu filho, que nem essas que a tua mãe coloca na salada.

Após a explicação o telefone toca e como Fonseca estava antenado com o programa policial, Jurandir foi atender.

–Alô? Disse uma voz masculina do outro lado da linha.

–Alô. Respondeu Jurandir.

–Eu sou o Dr. Moraes, gostaria de falar com o Fonseca.

– Sou filho dele, Ele não pode atender agora, porque está sentado no cassete e assistindo sacanagem.

–Meu Deus! Como você sabe disso? - Perguntou o Dr. Moraes perplexo ao ouvir uma voz infantil falando palavras de nível baixo.

–É porque eu estava ao lado dele assistindo também, e tirando duvidas. Aprendi muitas coisas hoje com o meu pai.

–Então eu poderia falar com a sua mãe? - Indagou o homem constrangido achando aquilo um absurdo.

–No momento ela não pode lhe atender, ela está na vagabundagem e preparando a maconha, sabe, a minha mãe não arranja emprego.

–Meu Deus! Que loucura! E eu ia dar uma promoção ao seu pai, mas pelo visto ele não merece.

–Quem é você? Indagou Jurandir.

–Sou o patrão dele.

–Ah, meu pai disse que o senhor é um veado, e que o meu pai é malandro, só assim que ele ganha dinheiro por que o senhor o deixa na miséria.

–Eu sabia que esse Fonseca não prestava, usava de malandragem para ganhar dinheiro as minhas custas, pois ele vai ver amanhã. Enquanto a você meu filho não se preocupe vou lhe salvar dessa família de loucos, vou denunciar esses desnaturados. Tchau um abraço para você.

–Uma porrada bem forte. - Respondeu Jurandi e desligou o telefone.

No começo da noite o programa preferido de Fonseca acaba, agora sim ele vai tomar um banho e trocar a roupa, pois nesse momento vão começar os jornais com as noticias do Brasil e do estado, economia e política “coisas que não interessam mesmo”, mas antes disso, Fonseca lembra-se que ouviu o telefone tocar e que Jurandir havia atendido.

–Quem era no telefone Jurandir? Perguntou Fonseca.

–Era o seu patrão. Respondeu.

–Meu patrão? O que ele queria?

–Ele disse que tinha uma promoção, mas não disse qual era a loja.

–Promoção? Isso quer dizer que eu conseguir a minha promoção que esperei há anos! Disse Fonseca radiante. –E o que tu dissestes a ele? Jurandir dá um sorriso e responde.

–Tudo o que o senhor me ensinou. - Fonseca colocou-se de cócoras e abraçou o filho dizendo.

–Esse é o meu garoto.

Crônica jornalística - Tema: programações de televisão.

Ed Saraiva Jr
Enviado por Ed Saraiva Jr em 10/04/2015
Reeditado em 18/04/2015
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