Shantall I...
Morar no alto tem suas vantagens e desvantagens....
Eu podia ver Marcelo chegando em casa todos os dias... quando estava saindo eu também podia ver.
Não que eu ficasse o tempo todo na sacada, nada disso, fato é que eu tomava meu café da manhã ali e gostava de ler apreciando um bom vinho, todo final de tarde ali também e quando o vi a primeira vez, me chamou a atenção por sua figura imponente e bela, como sou apreciadora nata de obras de arte, não pude deixar de contemplá-lo, não é verdade?
Pois bem, os dias foram passando, depois as semanas e os meses.... ao todo se passaram três anos sete meses três semanas e cinco dias até que eu criasse coragem para ir até lá me apresentar para a minha obra de arte predileta.
Fiquei esperando que ele saísse para o trabalho, mas isto não aconteceu.... achei estranho mas, ok, fui trabalhar e só me restava então, esperar até que a tarde findasse para ir até ele.
Quando voltei, estava exausta, mas decidi que seria naquele dia mesmo, fui tomar meu banho, me arrumei com apuro e elegância, passei meu perfume favorito e um lindo batom e me postei com a taça de vinho a esperar, mas, ele não apareceu, nem entrou e nem saiu de casa. Comecei a estranhar o fato porque era um dia de semana e ele não tinha ido viajar, se tivesse ido, provavelmente, eu teria visto, Uma nova namorada ele também não arrumou, a última vez que a vi com uma mulher foi a três semanas atrás e confesso que fiquei admirada com o péssimo gosto dele....
- Rapaz, que garota feia era aquela? Aff
Você deve estar se perguntando o motivo da minha indignação, pois eu digo e bem claramente: Ele ainda não conheceu o grande amor da vida dele, o grande amor da vida dele, sou eu. Ele ainda não me viu porque fica olhando para baixo em vez de olhar para cima, para ver o que o céu oferece a ele, ou seja, uma mulher linda, de apenas trinta e três anos, pele lindamente pálida e macia, olhos azuis acinzentados maravilhosos, cabelos negros como a noite mas sem a amada lua dos poetas, baixinha e bem feitinha de corpo, alma e coração... assim sou eu.
Mas não, ah claro que não, ele prefere ficar olhando para baixo né, para as miseras mulherzinhas que ele pensa poder alcançar! Mal sabe ele que o paraíso o espera ansiosamente.
Bom, deixemos os blá blá blá para lá né? Vamos ao que realmente importa: Estava eu a esperar e esperar, esperar mais um pouco para depois esperar uma vez mais e nada de o Marcelo aparecer... que esquisito... muito mesmo....ele não é assim, nestes três anos de pura observação, notei que se trata de um rapaz com vida estável e sem grandes acontecimentos ou dramas.
Marcelo, ao chegar em casa, sempre saia para passear com seu cachorrinho Catnip, mas não saíram e o cachorrinho nem ao menos ficou latindo, como sempre fazia quando o dono saía ou chegava.... aff.... que será que houve?
Depois de muita relutância, resolvi ir averiguar porque aquela situação estava ficando cada vez mais suspeita e extremamente descabida porque afinal, se tratava do dia que eu havia escolhido para me apresentar para ele.....
Calcei meus sapatos de salto fino, peguei minha bolsa, dei uma última conferida no vestido preto delicado e na maquiagem bem feita e sai.... desci e fui caminhando até a casa dele. A noite estava fechada e quase não havia movimento na rua, exceto por dois gatos tagarelas em cima do muro da casa vizinha á dele.
Cheguei e avaliei a situação, todas as portas e janelas pareciam trancadas, até ai, ok, porque se ele não estivesse em casa, era natural tudo trancado. Catnip não latiu, o que é estranho porque meus saltos não são nada silenciosos e ele já teria percebido a minha presença, mas, pode ser que o dono o tenha levado junto, não é verdade? Pois é!
Toquei o interfone, não houve resposta alguma, latido muito menos.
Não sei o motivo que me levou a isto mas, resolvi procurar uma chave e tentar entrar porque aquela situação inusitada estava me parecendo um tanto quanto fora do normal e isto estava me angustiando muito porque não gosto de coisas fugindo do meu controle.
No capacho não havia nenhuma cópia da chave, então, resolvi verificar melhor e ao lado da porta havia um vaso de plantas, uma planta bonita, bem cuidada e cheia de flores pequeninas e delicadas... passei os dedos por entre as pedrinhas e a terra até tocar em algo gelado e metálico.
- Aham, aqui esta você dona chave..... encontrei!
Coloquei a chave na fechadura, virei duas vezes e voilá!
Adentrei a casa, estava tudo no mais absoluto silencio e não parecia haver nada de anormal na casa, exceto o extremo silencio ali, denunciando que algo estava errado porque eu não tinha visto Marcelo e Catnip saindo de casa.
Fui andando... passei pela sala silenciosa, não havia nada fora do lugar.... ouvi um chorinho baixo... estanquei e fiquei ouvindo para perceber de onde vinha.... era bem baixinho e sufocado.... parecia vir de dentro do armário embutido na parede que havia do lado de uma porta que levava para um corredor.... tentei abrir a porta, a maçaneta estava frouxa, quase caindo, o que é de se estranhar, posto que, a casa é razoavelmente nova, abri o armário e lá dentro encontrei Catnip encolhidinho em um um canto, só consegui ver que ele estava ali porque ele se moveu um pouco quando a porta foi aberta, me aproximei dele, ele se encolheu, como se estivesse com medo de apanhar e chorou baixinho... peguei-o no colo com carinho e delicadeza, aninhei em meus braços e tentei fazer com que ele percebesse que eu não ia machucá-lo. Ele foi aos poucos se acalmando e depois de alguns minutos, adormeceu aninhado em meus braços. Envolvi ele em minha echarpe e coloquei-o deitadinho em uma das poltronas da sala enquanto averiguava o restante da casa.
Tudo começou a ficar suspeito demais porque Marcelo demonstrava amar muito aquele cachorrinho, dava para perceber o amor entre eles quando os via saindo para passear, ele estava sempre sorrindo e quando voltava, Catnip sempre estava em seu colo e lambia-o com frequência. Jamais bateria nele ou deixaria o pequeno preso dentro de um armário sem água, sem comida e sem sua companhia.
Fui andando pelo corredor e tudo estava estarrecedoramente quieto, um calafrio subiu pela minha espinha e engoli em seco... meu instinto alertou sobre estar ali mas eu tinha que continuar e descobrir o que estava errado, afinal, eu devia isto a mim mesma, ao filhote que fora judiado e ao meu amado que até então estava misteriosamente desaparecido.
Em minhas andanças pelo corredor, notei que uma das portas estava aberta, uma porta que dava para um quarto, aparentemente um quarto de hóspedes porque não tinha nada de pessoal nele, apesar da bela decoração.... no quarto, havia uma porta de vidro que dava para o jardim, esta porta estava quebrada, havia cacos de vidro pelo chão, ouvi barulho quando pisei neles, senti a brisa vinda do jardim e percebi que um vaso de flores que estava do lado de fora, fora usado para quebrar a porta de vidro. Não hávia marcas de passos no piso de madeira mas o gramado estava marcado e as pedrinhas em volta também.
Voltei para dentro e continuei andando....abri outra porta, a porta do quarto dele.... quando entrei, um terror gélido tomou conta de mim.... um grito agoniado saiu ecoando pela casa assustando o cachorrinho que acordou assustado e chorou....
Marcelo estava ali na cama.... havia sangue, muito sangue pela cama e pelo corpo dele... não consegui processar mentalmente quantas facadas ele levou e nem se havia mais algum tipo de ferimento mas a cena era aterrorizante.... medonha mesmo.... um de seus olhos não estava em seu rosto e sim em uma de suas mãos, que estava estendida e com a palma voltada para cima.... ambas as mãos tinham marcas de defesa....
Tudo era tristemente familiar.... eu já havia visto tudo isso antes e não apenas uma vez..... antes forma pessoas estranhas mas que acabaram se tornando familiares para mim porque tive que adentrar a vida delas mas ele, ele era o meu amor....o meu amor.
Sai do quarto, atravessei a casa até onde estava Catnip, sai com ele envolto em meus braços....
Peguei o celular e fiz uma ligação:
- Aqui é a Delegada Shantall, preciso de reforços agora no endereço....
...................................... To Be Continued...................................