Fantasmas dos vaqueiros
Caminhava lentamente, arrastando os pés, descendo em direção à grota seca. Vinha do pequeno comércio na praça São Marcos, centro do município interiorano de São Miguel. Residências em pequeno número com abundância da vegetação retorcida, típica do cerrado piauiense. O dia tinha sido longo, mas desprovido de movimentação. Calmo como todos os outros. Carregava sobre os ombros o peso dos seus 70 anos. Já havia passado por muita coisa na vida, agora era o momento de descansar com a esposa e os filhos, estes, ainda bem jovens. Era cedo da noite, 20h00, mas os poucos postes de luz não desafiavam a escuridão. Àquela hora da noite o vento frio que vinha do grande “baixão” onde há décadas se planta milho, feijão e arroz, fazia todo o corpo arrepiar-se. Muito diferente do calor inclemente do dia. Típico da região “filha do Sol do Equador”, como diz o Hino do Piauí.
Aproximava-se da pequena grota seca que teria de atravessar. Não representava nenhum desafio, pois a água só corria por ali em meses chuvosos – dezembro a março – bem diferente daquele julho de muito sol. Em sua mente o senhor Joaquim trazia as histórias dos mais antigos, de almas, espíritos, aparições que assombravam a muitos. Ele próprio tinha certeza de que via o que não existia. Acreditava naquelas histórias por sentir que tinha algo de médium.
Mas não carregava pensamentos amedrontadores naquela noite, apenas a vontade chegar em casa, que, deve-se explicar, ficava bem próxima do seu comércio. Pensava na esposa e nos filhos, mas ao atingir a grota e colocar o pé direito na areia fina, todo o seu corpo retesou-se, o estomago se contorceu e um frio gélido subiu-lhe pelas costas. Sentiu, repentinamente, que não estava sozinho. Procurou levar o pé esquerdo adiante, atravessar o leito seco e ir para casa.
Em sua mente uma fração de segundo teve a duração de toda uma vida. Procurou manter o olhar em frente sem desviar os olhos para o lado direito, onde três homens trajados com vestes de vaqueiros - chapéu de couro, gibão e botas – segurados nas rédeas dos fiéis cavalos o observavam. Eram seres a muito sem vida, que haviam percorrido por décadas gados desgarrados por aquela grota e imediações, por entre a vegetação seca, até que a alma, como acontece com todo ser vivente, lhes abandonou o corpo. Mas a vontade de se manter por toda a eternidade naquela lida sofrida era tão implacável que o espírito dos três amigos permanecia ali, vigilante.
O gado não mais era o perseguido, mas sim, as pessoas ruins que violavam o solo sagrado. Felizmente, não era o caso daquele idoso senhor, respeitador das antigas tradições e da memória dos que já se foram. Sentiu a presença das almas penadas, mas não se deteve nem se desesperou, seguiu em frente, para a sua casa, como se nada tivesse acontecido. Em seu íntimo desejou que os vaqueiros encontrassem a paz tendo a certeza de que jamais iria desafiá-los.