Fonte de Inspiração

Jogou a garrafa de cerveja para o lado, ainda saboreando o último gole amargo da bebida. João estava exausto. Já passava das 3hs da manhã, e ele havia escrito apenas alguns parágrafos desconexos, ideias deformadas de um enredo que mais parecia um feto abortado.

O vento batia forte na janela de seu quarto. Uma tempestade se aproximava. O céu negro parecia um manto infernal, com nuvens avermelhadas descendo perigosamente, seguidas de raios e trovões em regiões não tão remotas. João parecia alheio, anestesiado pela falta de inspiração. Fitou a garrafa de cerveja, ainda com um quarto de conteúdo derramando lentamente sobre o carpete beje que sua "ex", com todo o mal gosto do mundo, comprara dois meses após seu casamento.

Não poderia continuar assim. Estava afundado em dívidas. O aluguel estava atrasado havia 4 meses. Tinha duas semanas para conseguir o dinheiro ou seria despejado. Esse era o prazo para terminar o seu quinto romance, que até então, tinha somente oito capítulos finalizados.

João precisava desesperadamente de ideias, uma luz no fim do túnel que lhe revelasse uma trama digna dos grandes Best Sellers, mas tudo que conseguia eram clichês dos mais sacanas que fariam até o menos exigente dos leitores ansiarem sua aposentadoria.

Ele precisava de um empurrão, não, de belo dum pontapé que o levasse aos níveis mais altos de imaginação, que o fizesse freneticamente preencher centenas de folhas com a mais fantástica das estorias.

Num dado momento recorreu à bebida, dando-lhe algum resultado, porém durou pouco tempo, deixando-o preso a um doloroso bloqueio criativo. João precisa de algo forte, intenso, que o levasse a uma experiência realmente extraordinária, uma viagem ao mundo da loucura, de onde pudesse resgatar personagens insanos e instigantes e revelar as situações mais absurdas.

Ouvira certa vez de um amigo sobre os milagres que a maconha proporcionava, inclusive, ajundando renomados escritores a produzerem verdadeiras obras primas da literatura. Num primeiro instante manteve-se relutante. Ainda mantinha a velha vaidade daqueles que acreditavam verdadeiramente em seu potencial, renegando auxílios de qualquer natureza. Lógico que tal ideia cairia por terra no primeiro momento de dificuldade, embora parecesse algo improvável de acontecer.

Os cigarros de maconha estavam espalhados sobre a cama. Havia deixado de antemão em caso de uma emergência. João acreditava, enfim, que havia chegado a hora. Todos os recursos haviam sido empregados sem sucesso. Era o momento de tentar uma nova arma, um novo meio de obter inspiraçâo.

Ele não tinha medo de fracassar novamente. Mais uma falha não mudaria o fato de que estava perdido. Sem hesitar, pôs o cigarro na boca e deu a primeira tragada. De inicio percebeu uma pequena, mas, substancial mudança em sua percepção. Era como se um terceiro olho se abrisse, revelando novas perspectivas. Começou a enxergar um novo mundo repleto de peculiaridades, de personagens exóticos. As palavras se apinhavam em sua mente numa frenética replicação que nem ele poderia explicar.

Em poucas tragadas aquela maravilhosa sensação de ter o mundo em suas mãos o fazia redigir páginas e mais páginas com diálogos complexos, criando misterios e suspenses incrivelmente singulares e intigantes. Estava descontrolado. As frases eram automáticas, porém, entrelaçadas de forma harmoniosa, como se saissem de um romance revisado.

Aquela madrugada parecia longa. João estava com os olhos arregalados vendo as letras se misturarem no papel formando palavras desconhecidas. Ele sentia que não estava simplesmente escrevendo um romance, mas sim uma verdadeira Bíblia de mistério e suspense com centenas de personagens. Já imaginava seu nome estampado nas principais publicações do genero, e ganhando rios de dinheiro com a venda de seus livros. Compraria uma casa na praia e um carro de luxo e viveria cercado das mais belas mulheres.

Ficou a escrever durante toda a madrugada. Ao amanhecer, um dos cobradores bateu à sua porta. Como ele não respondeu, o homem, impaciente como qualquer cobrador, percebendo que a porta estava somente encostada, resolveu entrar. Foi a pior decisão que ele tomou na vida. Quando entrou no quarto de João, não pôde suportar a cena que viu e pôs a vomitar copiosamente. As paredes estavam repletas de frases escritas com sangue. João, com o rosto pálido e cadavérico, estava sentado com a barriga aberta e usando suas viceras para escrever sobre o piso do quarto.

Cleiomar Queiroz
Enviado por Cleiomar Queiroz em 05/04/2015
Código do texto: T5196052
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.