O PILOTO DO AIRBUS
Dizem que os psicopatas são charmosos, simpáticos, mentirosos e manipuladores. Que não se importam de passar por cima de tudo e de todos para alcançar seus objetivos. Que são egocêntricos e narcisistas, e não sentem remorso ou qualquer tipo de culpa quando fazem alguma coisa que a lei define como crime ouque a moral social condena.
Ah! E tem também a patacoada que as religiões ensinam, com esse negócio de pecado. Psicopata não acredita em pecado. Tem mais. Se algo ou alguém ameaça seus planos, eles ficam agressivos e batem sem dó. Se alguém os acusa, eles procuram inverter o jogo, colocando-se no papel de vítimas. Fazem carinha de inocentes, choram, parecem bezerrinhos de sacrifício, com aqueles olhinhos que dão dó.
Li em algum lugar que a psicopatia atinge cerca de 4% da população mundial, sendo que 3% é de homens e 1% fica com as mulheres). Se essa estatística estiver certa, em um país como o nosso, com cerca de 80 milhões de habitantes, temos pelo menos 3.2 milhões de psicopatas andando por aí. Quem sabe esse cara que está aí do seu lado, nessa mesa de bar, ou essa mulher que está aí, com você esperando o médico, ou o cabeleireiro para atendê-la, não seja um, ou uma psicopata? Quem garante que você não casou com um deles, ou então que não divide uma mesa de trabalho, ou até se senta ao lado de um na escola? E esses caras que você mandou para as câmaras de vereadores, esses deputados e senadores, esses não tem dúvidas de que são mesmos doidos de pedra . Ah! Ah! Ah!. Aliás, há quem diga que nós já fomos uma nação de psicopatas, pois elegemos e apoiamos o maior psicopata de todos os tempos, responsável por uma guerra que deixou mais de vinte milhões de mortos. Diante disso, o que representam essas cento e cinquenta pessoas, pouco mais, pouco menos, que estão nesse avião?
Mas você, que está aí, lendo estas palavras, não precisa ficar com medo. Nem todo psicopata é violento e de repente vai sacar uma arma e sair atirando nas pessoas. Ou derrubar um avião. Nem é comum que eles andem com afiados facões, como o Jason, ou saiam por aí retalhando pessoas com um machado. Isso é coisa de filmes de terror. A realidade é um pouco mais sutil. A natureza é sábia e sabe esconder os horrores que ela fabrica. Você não identificará um psicopata até ser vítima de um deles.
Isso é o que dizem os estudiosos. Adoro esses estudos. Um desses caras, acho que de uma universidade americana, disse que, de fato, há uma tendência de os psicopatas recorrerem à violência física e sexual, mas no comum, a maioria deles não é violenta. Dizem até que há muitos psicopatas bem-sucedidos profissionalmente, ocupando posições de destaque na sociedade, principalmente nos negócios, nas artes e principalmente, na política. Nisso eu acredito. Eu mesmo sou um cara bem sucedido profissionalmente. Afinal, não é todo mundo que consegue ser piloto de um avião de carreira, em uma companhia aérea tão conceituada como esta em que trabalho.
Sim. Claro que não adianta ficar olhando nos olhos de um psicopata para ver se ele apresenta sinais do seu desequilíbrio. Aliás, a palavra desequilíbrio talvez nem caiba para ele. Psicopatas não são desequilibrados. Ao contrário, se eles são assim tão centrados em suas obsessões, isso denota que eles são mais firmes em suas crenças que a maioria das pessoas, que muitas vezes, deixam de realizar seus propósitos com medo de serem descobertas pela polícia, ou de sofrer constrangimentos morais, ou ainda, o que é pior, ser castigadas depois de mortas.
Psicopatas são pessoas normais, se é que existem pessoas normais. Dizem que, olhando de perto, ninguém é normal, mas de uma coisa eu tenho certeza: os verdadeiros psicopatas são tão normais que são irreconhecíveis a olho nu. Aliás, se um psicopata é mesmo tudo isso que os estudiosos dizem que é, então eles não estão descrevendo um ser monstruoso– um golém social – criado pelas pressões da sociedade moderna, mas sim o indivíduo perfeito, o protótipo que Nietszche procurou durante a vida inteira para encarnar o seu super-homem. Aliás, se alguém quer saber, eu sou o super-homem de Nietszche.
Senão vejamos: o psicopata, segundo um renomado estudioso, desenvolve um acentuado egocentrismo, que lhe dá condição para nunca sentir culpa e remorso por qualquer sofrimento que ele venha a infringir a alguém. O excesso de razão e a inexistência de qualquer emoção são suas principais características. Sabem mentir e fingir como ninguém, e são mestres em forjar afeto. Em razão disso, são capazes de enganar a maioria das pessoas, que veem neles indivíduos simpáticos, afáveis, positivos, prafrentex em todos os sentidos. Não é esse o tipo de pessoa que a maioria gostaria de ser?
Eu, por exemplo, olho para mim mesmo no espelho e sinto um prazer incomensurável. Sou um jovem bonito, alto, com cabelos e olhos castanhos bem clarinhos, maçãs do rosto bem redondinhas. Nada em mim denuncia qualquer distúrbio mental. Pareço mais com o Talentoso Ripley do que com o Norman Bates. Sou o típico ariano que Himmler escolheria para encarnar o modelo ideal do homem alemão. Tenho vinte e sete anos, boa situação financeira, bons amigos, jogo golfe, pratico esqui, nunca tive problemas com as garotas, que aliás, parecem gostar de mim.
Sinto-me feliz e prendado. Há tanta gente no mundo lutando para adquirir uma personalidade de psicopata e eu já nasci com ela. Tem gente até que faz cursos para aprender a ser psicopata. Gente que lê um monte de livros de autoajuda para aprender a ser psicopata. Gente que gasta um dinheirão com analistas para descobrir que na verdade, o que eles querem mesmo é serem psicopatas, isto é, se livrar de suas culpas, seus remorsos, seus medos, suas neuras.
Psicopata já nasce imune a tudo isso. Se tem prazer em enganar pessoas, para tomar alguma coisa delas, pouco importa que lhe chamem de 171. Ele tem satisfação em ver o quanto é esperto e os outros são tolos. É uma indiscutível prova de superioridade da sua inteligência sobre a deles. E se ele tem um perfil de assassino, a sua maior glória é poder tirar de uma pessoa tudo que ela tem: a vida. Sim. Pois quem tira a vida de uma pessoa tira, concomitantemente, tudo que ela tem. Não é uma coisa bestial, essa?
É engraçado. Costumam pintar os psicopatas como assassinos e bandidos. Mas a mídia costuma transformar em heróis muitos deles. Eles tem muito mercado. Batman não é um psicopata? O Homem-Aranha também não? O John MacClane (aquele cara duro de matar), e todos os personagens do Stalone, do Schwarzenegger, o 007 e o Jason Bourne, também não são? E na História geral, quem escreve seu nome nela, geralmente não são os psicopatas? Alexandre não era? Quase todos os imperadores romanos? Os mais famosos, Nero, Augusto, César, Calígula, Constantino, quem o pode negar? E Hitler, Mussolini, Lenin, Che Guevara, Abraão Linconl, aquele outro Abraão mais antigo, Napoleão, um bom número de Papas, Martinho Lutero e tantos outros nomes que você já leu nos seus livros? Todos eles mataram pessoas ou mandaram matar, e alguém terá ouvido falar que algum deles se consumia de culpa por isso? Todos tinham uma causa. Todo psicopata tem uma causa. E alguns deles são muitos úteis. Keóps, Kefren e Miquerinos, os construtores das pirâmides eram psicopatas, mas o Egito vive até hoje da sua loucura. Quem nega que devemos ao nosso querido Adolph Hitler os momentos mais gloriosos da nossa história e uma boa parte da receita que o país tem com o turismo?
Já ouvi muita bobagem a respeito. Uma delas é que os psicopatas geralmente tiveram uma infância repleta de violência e muitos cresceram em uma família desestruturada. Isso nunca aconteceu comigo. Meus pais sempre me trataram com muito carinho. Acho até que foram super protetores, não deixando que a violência das ruas chegasse até mim. Conservaram-me em uma redoma, me puseram em bons colégios, fizeram de tudo para que eu crescesse num ambiente o mais seguro e saudável possível. Sempre me deram tudo que eu quis. Brinquedos, viagens, roupas de grife, aparelhos eletrônicos, tudo. Nunca fiscalizaram o que eu via na televisão e os meus jogos de computador. Sou vidrado no Assassins Creed. Altair é o meu herói. Adoro ver como ele elimina os inimigos templários. Gostaria de ser como ele, um assassino estrategista. Sei tudo sobre as seitas dos Assassinos e dos Templários. Sei que eram inimigos durante as cruzadas e viviam se matando uns aos outros. Sei também que a seita dos Assassinos tem origem nos antigos sicários dos tempos de Jesus, homens que se misturavam á multidão e assassinavam suas vítimas com uma faca de lâmina curva chamada sica, por isso o nome, sicários. Os sicários tinham objetivos políticos. Eles matavam os inimigos do povo de Israel. Coisa bíblica. Nada como o prazer de matar por uma crença. Os templários matavam em nome de Cristo. Os assassinos matavam em nome de Alá. Ainda matam. Os cristãos matam os muçulmanos e os muçulmanos se vingam jogando bombas e aviões nos prédios públicos dos cristãos. Hitler mandou matar milhões de judeus, eslavos, ciganos e outras raças porque achava que elas atrapalhavam o desenvolvimento das raças mais fortes. Ele acreditava na teoria de Darwin e achava que matando essa gente estava colaborando com a natureza. O mundo é um grande celeiro de psicopatas. É um verdadeiro manicômio. Acho que não é só quatro por cento. Tem muito mais.
Talvez seja por isso que eu não estou me importando muito com o que vai acontecer comigo. Vou me suicidar e levar toda essa gente do avião comigo. Não tenho remorso de nada. Pouco me importa que todos tenham filhos, famílias, amigos que estão esperando por eles em qualquer lugar do mundo. Ainda bem que esse idiota do piloto saiu para dar uma mijada. Posso acionar o mecanismo de descida do avião sem problema. É o que acabo de fazer. Ouço as batidas desesperadas dele na porta da cabina. Mas eu a tranquei por dentro. Ele não vai me impedir de virar notícia. Sim. Se alguém quer saber por que vou jogar este avião contra uma montanha a verdade é esta: sempre sonhei em fazer alguma coisa espetacular; uma coisa que me tornasse famoso no mundo todo. Sempre quis ver o meu nome nas manchetes dos jornais. Sim, você pode estar se perguntando o que vai adiantar este meu tresloucado gesto (na sua opinião) se eu também vou morrer? Porque não estarei vivo para ver a repercussão do meu ato. Não faz mal. Eu sei que falarão disso meses e meses. Que os jornais revirarão todo o meu passado, pesquisarão toda a minha vida, só para descobrir a razão de eu ter feito o que fiz. Publicarão minha biografia e talvez até façam um filme sobre mim. Se fizerem, gostaria que o Brad Pitt fizesse o meu papel. Eu não me pareço um pouco com ele?
Escuto os gritos das pessoas lá atrás. O meu companheiro de pilotagem está batendo desesperadamente na porta da cabina. Posso imaginar o desespero dele. Posso imaginar o pânico dos passageiros. Posso sentir o que estão sentindo. É como mergulhar de uma montanha russa. O estômago vai todo para a boca. É um mergulho no vácuo, uma queda no infinito. Todos sabem que vão morrer. Penso em todos eles e não sinto absolutamente nada. Nem a visão dos destroços, os corpos ensanguentados, que é projetada na tela da minha visão interior me comove ou me assusta. O sangue derramado tem uma cor fascinante. Não é vermelho nem púrpura, nem carmesim. Tem um cheiro forte e uma cor ocre, quase ferruginosa. Não se encontra uma cor dessas no catálogo das fábricas de tinta. Sei disso porque uma vez pedi ao meus pais que pintassem uma parede do meu quarto com cor de sangue derramado. Eles não conseguiram achar essa cor no catálogo e pegaram uma tinta de cor rubra, tipo ferrugem. Não ficou bom. Se eu não fosse psicopata, teria odiado meus pais por isso. Mas psicopata não tem sentimentos. Se não ama, também não odeia.
Assim não é por ódio de ninguém que vou jogar este avião contra a montanha. Se alguém quiser encontrar uma justificativa, ao menos para botar num relatório, e dar uma satisfação para a sociedade, podem dizer que fiz isso por prazer. Não foi por dinheiro, como aquela patrícia brasileira, a Suzane Ritchhofen, que mandou o namorado matar os pais dela para ficar com o dinheiro dos velhos. Meus pais não são ricos, embora tenham algum. Mas não é isso que me move. Até porque eu não vou mesmo tirar nenhum proveito disso. Meus motivos são mais nobres. Eu quero a fama. Eu quero o meu nome nos jornais.
Não importa a dor que eu vou causar nos outros nem a dor que eu mesmo puder sentir. Psicopata é assim. Adora causar dor nas pessoas. Adora provocar frustração nos outros. Adora tirar coisas dos outros. Nem que tenha que tirar dele mesmo. Talvez isso explique a razão dos suicidas, que até hoje ninguém conseguiu explicar.
Uma última coisa. Eu sou um psicopata consciente. Sei que o que eu vou fazer é uma coisa ruim, segundo todos os códigos de humanidade que a sociedade desenvolveu. Mas não se preocupem, porque vou fazer isso que vocês chamam de maldade pela primeira e última vez. Afinal, eu também vou morrer. Já vejo a montanha se aproximando. Nossa, como ela está branquinha de neve! Bateremos em cinco segundos. Não adianta afivelar os cintos nem colocar os assentos em posição vertical. Em segundos estaremos todos mortos! Adeus para vocês todos. Nos veremos no inferno, se houver um tal lugar.
Dizem que os psicopatas são charmosos, simpáticos, mentirosos e manipuladores. Que não se importam de passar por cima de tudo e de todos para alcançar seus objetivos. Que são egocêntricos e narcisistas, e não sentem remorso ou qualquer tipo de culpa quando fazem alguma coisa que a lei define como crime ouque a moral social condena.
Ah! E tem também a patacoada que as religiões ensinam, com esse negócio de pecado. Psicopata não acredita em pecado. Tem mais. Se algo ou alguém ameaça seus planos, eles ficam agressivos e batem sem dó. Se alguém os acusa, eles procuram inverter o jogo, colocando-se no papel de vítimas. Fazem carinha de inocentes, choram, parecem bezerrinhos de sacrifício, com aqueles olhinhos que dão dó.
Li em algum lugar que a psicopatia atinge cerca de 4% da população mundial, sendo que 3% é de homens e 1% fica com as mulheres). Se essa estatística estiver certa, em um país como o nosso, com cerca de 80 milhões de habitantes, temos pelo menos 3.2 milhões de psicopatas andando por aí. Quem sabe esse cara que está aí do seu lado, nessa mesa de bar, ou essa mulher que está aí, com você esperando o médico, ou o cabeleireiro para atendê-la, não seja um, ou uma psicopata? Quem garante que você não casou com um deles, ou então que não divide uma mesa de trabalho, ou até se senta ao lado de um na escola? E esses caras que você mandou para as câmaras de vereadores, esses deputados e senadores, esses não tem dúvidas de que são mesmos doidos de pedra . Ah! Ah! Ah!. Aliás, há quem diga que nós já fomos uma nação de psicopatas, pois elegemos e apoiamos o maior psicopata de todos os tempos, responsável por uma guerra que deixou mais de vinte milhões de mortos. Diante disso, o que representam essas cento e cinquenta pessoas, pouco mais, pouco menos, que estão nesse avião?
Mas você, que está aí, lendo estas palavras, não precisa ficar com medo. Nem todo psicopata é violento e de repente vai sacar uma arma e sair atirando nas pessoas. Ou derrubar um avião. Nem é comum que eles andem com afiados facões, como o Jason, ou saiam por aí retalhando pessoas com um machado. Isso é coisa de filmes de terror. A realidade é um pouco mais sutil. A natureza é sábia e sabe esconder os horrores que ela fabrica. Você não identificará um psicopata até ser vítima de um deles.
Isso é o que dizem os estudiosos. Adoro esses estudos. Um desses caras, acho que de uma universidade americana, disse que, de fato, há uma tendência de os psicopatas recorrerem à violência física e sexual, mas no comum, a maioria deles não é violenta. Dizem até que há muitos psicopatas bem-sucedidos profissionalmente, ocupando posições de destaque na sociedade, principalmente nos negócios, nas artes e principalmente, na política. Nisso eu acredito. Eu mesmo sou um cara bem sucedido profissionalmente. Afinal, não é todo mundo que consegue ser piloto de um avião de carreira, em uma companhia aérea tão conceituada como esta em que trabalho.
Sim. Claro que não adianta ficar olhando nos olhos de um psicopata para ver se ele apresenta sinais do seu desequilíbrio. Aliás, a palavra desequilíbrio talvez nem caiba para ele. Psicopatas não são desequilibrados. Ao contrário, se eles são assim tão centrados em suas obsessões, isso denota que eles são mais firmes em suas crenças que a maioria das pessoas, que muitas vezes, deixam de realizar seus propósitos com medo de serem descobertas pela polícia, ou de sofrer constrangimentos morais, ou ainda, o que é pior, ser castigadas depois de mortas.
Psicopatas são pessoas normais, se é que existem pessoas normais. Dizem que, olhando de perto, ninguém é normal, mas de uma coisa eu tenho certeza: os verdadeiros psicopatas são tão normais que são irreconhecíveis a olho nu. Aliás, se um psicopata é mesmo tudo isso que os estudiosos dizem que é, então eles não estão descrevendo um ser monstruoso– um golém social – criado pelas pressões da sociedade moderna, mas sim o indivíduo perfeito, o protótipo que Nietszche procurou durante a vida inteira para encarnar o seu super-homem. Aliás, se alguém quer saber, eu sou o super-homem de Nietszche.
Senão vejamos: o psicopata, segundo um renomado estudioso, desenvolve um acentuado egocentrismo, que lhe dá condição para nunca sentir culpa e remorso por qualquer sofrimento que ele venha a infringir a alguém. O excesso de razão e a inexistência de qualquer emoção são suas principais características. Sabem mentir e fingir como ninguém, e são mestres em forjar afeto. Em razão disso, são capazes de enganar a maioria das pessoas, que veem neles indivíduos simpáticos, afáveis, positivos, prafrentex em todos os sentidos. Não é esse o tipo de pessoa que a maioria gostaria de ser?
Eu, por exemplo, olho para mim mesmo no espelho e sinto um prazer incomensurável. Sou um jovem bonito, alto, com cabelos e olhos castanhos bem clarinhos, maçãs do rosto bem redondinhas. Nada em mim denuncia qualquer distúrbio mental. Pareço mais com o Talentoso Ripley do que com o Norman Bates. Sou o típico ariano que Himmler escolheria para encarnar o modelo ideal do homem alemão. Tenho vinte e sete anos, boa situação financeira, bons amigos, jogo golfe, pratico esqui, nunca tive problemas com as garotas, que aliás, parecem gostar de mim.
Sinto-me feliz e prendado. Há tanta gente no mundo lutando para adquirir uma personalidade de psicopata e eu já nasci com ela. Tem gente até que faz cursos para aprender a ser psicopata. Gente que lê um monte de livros de autoajuda para aprender a ser psicopata. Gente que gasta um dinheirão com analistas para descobrir que na verdade, o que eles querem mesmo é serem psicopatas, isto é, se livrar de suas culpas, seus remorsos, seus medos, suas neuras.
Psicopata já nasce imune a tudo isso. Se tem prazer em enganar pessoas, para tomar alguma coisa delas, pouco importa que lhe chamem de 171. Ele tem satisfação em ver o quanto é esperto e os outros são tolos. É uma indiscutível prova de superioridade da sua inteligência sobre a deles. E se ele tem um perfil de assassino, a sua maior glória é poder tirar de uma pessoa tudo que ela tem: a vida. Sim. Pois quem tira a vida de uma pessoa tira, concomitantemente, tudo que ela tem. Não é uma coisa bestial, essa?
É engraçado. Costumam pintar os psicopatas como assassinos e bandidos. Mas a mídia costuma transformar em heróis muitos deles. Eles tem muito mercado. Batman não é um psicopata? O Homem-Aranha também não? O John MacClane (aquele cara duro de matar), e todos os personagens do Stalone, do Schwarzenegger, o 007 e o Jason Bourne, também não são? E na História geral, quem escreve seu nome nela, geralmente não são os psicopatas? Alexandre não era? Quase todos os imperadores romanos? Os mais famosos, Nero, Augusto, César, Calígula, Constantino, quem o pode negar? E Hitler, Mussolini, Lenin, Che Guevara, Abraão Linconl, aquele outro Abraão mais antigo, Napoleão, um bom número de Papas, Martinho Lutero e tantos outros nomes que você já leu nos seus livros? Todos eles mataram pessoas ou mandaram matar, e alguém terá ouvido falar que algum deles se consumia de culpa por isso? Todos tinham uma causa. Todo psicopata tem uma causa. E alguns deles são muitos úteis. Keóps, Kefren e Miquerinos, os construtores das pirâmides eram psicopatas, mas o Egito vive até hoje da sua loucura. Quem nega que devemos ao nosso querido Adolph Hitler os momentos mais gloriosos da nossa história e uma boa parte da receita que o país tem com o turismo?
Já ouvi muita bobagem a respeito. Uma delas é que os psicopatas geralmente tiveram uma infância repleta de violência e muitos cresceram em uma família desestruturada. Isso nunca aconteceu comigo. Meus pais sempre me trataram com muito carinho. Acho até que foram super protetores, não deixando que a violência das ruas chegasse até mim. Conservaram-me em uma redoma, me puseram em bons colégios, fizeram de tudo para que eu crescesse num ambiente o mais seguro e saudável possível. Sempre me deram tudo que eu quis. Brinquedos, viagens, roupas de grife, aparelhos eletrônicos, tudo. Nunca fiscalizaram o que eu via na televisão e os meus jogos de computador. Sou vidrado no Assassins Creed. Altair é o meu herói. Adoro ver como ele elimina os inimigos templários. Gostaria de ser como ele, um assassino estrategista. Sei tudo sobre as seitas dos Assassinos e dos Templários. Sei que eram inimigos durante as cruzadas e viviam se matando uns aos outros. Sei também que a seita dos Assassinos tem origem nos antigos sicários dos tempos de Jesus, homens que se misturavam á multidão e assassinavam suas vítimas com uma faca de lâmina curva chamada sica, por isso o nome, sicários. Os sicários tinham objetivos políticos. Eles matavam os inimigos do povo de Israel. Coisa bíblica. Nada como o prazer de matar por uma crença. Os templários matavam em nome de Cristo. Os assassinos matavam em nome de Alá. Ainda matam. Os cristãos matam os muçulmanos e os muçulmanos se vingam jogando bombas e aviões nos prédios públicos dos cristãos. Hitler mandou matar milhões de judeus, eslavos, ciganos e outras raças porque achava que elas atrapalhavam o desenvolvimento das raças mais fortes. Ele acreditava na teoria de Darwin e achava que matando essa gente estava colaborando com a natureza. O mundo é um grande celeiro de psicopatas. É um verdadeiro manicômio. Acho que não é só quatro por cento. Tem muito mais.
Talvez seja por isso que eu não estou me importando muito com o que vai acontecer comigo. Vou me suicidar e levar toda essa gente do avião comigo. Não tenho remorso de nada. Pouco me importa que todos tenham filhos, famílias, amigos que estão esperando por eles em qualquer lugar do mundo. Ainda bem que esse idiota do piloto saiu para dar uma mijada. Posso acionar o mecanismo de descida do avião sem problema. É o que acabo de fazer. Ouço as batidas desesperadas dele na porta da cabina. Mas eu a tranquei por dentro. Ele não vai me impedir de virar notícia. Sim. Se alguém quer saber por que vou jogar este avião contra uma montanha a verdade é esta: sempre sonhei em fazer alguma coisa espetacular; uma coisa que me tornasse famoso no mundo todo. Sempre quis ver o meu nome nas manchetes dos jornais. Sim, você pode estar se perguntando o que vai adiantar este meu tresloucado gesto (na sua opinião) se eu também vou morrer? Porque não estarei vivo para ver a repercussão do meu ato. Não faz mal. Eu sei que falarão disso meses e meses. Que os jornais revirarão todo o meu passado, pesquisarão toda a minha vida, só para descobrir a razão de eu ter feito o que fiz. Publicarão minha biografia e talvez até façam um filme sobre mim. Se fizerem, gostaria que o Brad Pitt fizesse o meu papel. Eu não me pareço um pouco com ele?
Escuto os gritos das pessoas lá atrás. O meu companheiro de pilotagem está batendo desesperadamente na porta da cabina. Posso imaginar o desespero dele. Posso imaginar o pânico dos passageiros. Posso sentir o que estão sentindo. É como mergulhar de uma montanha russa. O estômago vai todo para a boca. É um mergulho no vácuo, uma queda no infinito. Todos sabem que vão morrer. Penso em todos eles e não sinto absolutamente nada. Nem a visão dos destroços, os corpos ensanguentados, que é projetada na tela da minha visão interior me comove ou me assusta. O sangue derramado tem uma cor fascinante. Não é vermelho nem púrpura, nem carmesim. Tem um cheiro forte e uma cor ocre, quase ferruginosa. Não se encontra uma cor dessas no catálogo das fábricas de tinta. Sei disso porque uma vez pedi ao meus pais que pintassem uma parede do meu quarto com cor de sangue derramado. Eles não conseguiram achar essa cor no catálogo e pegaram uma tinta de cor rubra, tipo ferrugem. Não ficou bom. Se eu não fosse psicopata, teria odiado meus pais por isso. Mas psicopata não tem sentimentos. Se não ama, também não odeia.
Assim não é por ódio de ninguém que vou jogar este avião contra a montanha. Se alguém quiser encontrar uma justificativa, ao menos para botar num relatório, e dar uma satisfação para a sociedade, podem dizer que fiz isso por prazer. Não foi por dinheiro, como aquela patrícia brasileira, a Suzane Ritchhofen, que mandou o namorado matar os pais dela para ficar com o dinheiro dos velhos. Meus pais não são ricos, embora tenham algum. Mas não é isso que me move. Até porque eu não vou mesmo tirar nenhum proveito disso. Meus motivos são mais nobres. Eu quero a fama. Eu quero o meu nome nos jornais.
Não importa a dor que eu vou causar nos outros nem a dor que eu mesmo puder sentir. Psicopata é assim. Adora causar dor nas pessoas. Adora provocar frustração nos outros. Adora tirar coisas dos outros. Nem que tenha que tirar dele mesmo. Talvez isso explique a razão dos suicidas, que até hoje ninguém conseguiu explicar.
Uma última coisa. Eu sou um psicopata consciente. Sei que o que eu vou fazer é uma coisa ruim, segundo todos os códigos de humanidade que a sociedade desenvolveu. Mas não se preocupem, porque vou fazer isso que vocês chamam de maldade pela primeira e última vez. Afinal, eu também vou morrer. Já vejo a montanha se aproximando. Nossa, como ela está branquinha de neve! Bateremos em cinco segundos. Não adianta afivelar os cintos nem colocar os assentos em posição vertical. Em segundos estaremos todos mortos! Adeus para vocês todos. Nos veremos no inferno, se houver um tal lugar.