Ataraxia - A casa da rua Treze
A unica casa da rua Treze era um lindo sobrado amarelo, rodeada por um belo jardim florido.
A rua era de terra, muito bem cuidada e arborizada. Era uma rua sem saída, sem vizinhos.
O estranho é que a casa estava abandonada à 35 anos, ninguém entrava ou saía de lá, não haviam moradores, empregados, absolutamente ninguém.
Entretanto, o jardim estava sempre bem irrigado, a grama bem aparada e as flores sempre vivas.
Jorge era um garoto de 15 anos e sempre que precisava ficar sozinho ia ao jardim da casa da rua Treze.
Ninguém se aproximava pelas histórias que haviam a respeito daquele lugar. O que nunca o incomodou, pois era o único lugar que poderia ficar sozinho.
Ele nunca conhecera seu pai, sua mãe era uma viciada e alcoólatra. Nâo tinha irmãos, nem amigos. Estava indo mal na escola. A única pessoa que ele tentava desabafar era a conselheira da escola.
Certo dia na escola, outro garoto começou a insultá-lo dizendo coisas horriveis sobre sua mãe. O que mais o irritou é que tudo o que o garoto estava dizendo era verdade. Ele não conseguiu se controlar e partiu pra cima do menino com socos, pontapés. Bateu tanto que precisaram chamar três professores para tirá-lo de cima do menino.
Levaram o tal de ambulância e ele ficou esperando na secretaria da escola pela mãe. Depois de conversar com a conselheira, como todos sabiam que a mãe não ia aparecer e já era tarde resolveram liberá-lo com uma intimaçâo do conselho tutelar para a mãe comparecer no dia seguinte.
Era quase noite e Jorge não queria voltar pra casa e encontrar outra poça de vômito pra limpar.
Entâo ele foi pra casa da rua Treze.
Pulou o muro e foi para os fundos da casa, onde o jardim era mais aconchegante. Deitou na grama e ficou olhando o céu enegrecer, as estrelas aparecerem e a lua resplandecer clara e inebriante. Acabou pegando no sono depois de ter chorado muito. Suas lágrimas regaram o solo e uma nuvem de neblina começou a envolvê-lo.
Ainda dormindo, sua face tomou um semblante mais tranquilo e pácífico, era como estar num sonho feliz sem nenhum tipo de problema.
Acordou dentro da casa, num quarto muito bonito e confortável. Sem saber o que havia acontecido e ouvindo barulho no andar de baixo, decidiu não fazer barulho.
Olhou pela janela e viu um jardineiro cuidando do jardim, uma outra senhora podando as roseiras e uma jovem colhendo ervas da pequena horta perto da porta da cozinha.
" O que está acontecendo?" - pensou - "Quem é toda essa gente?"
Resolveu descer as escadas e tentar sair sem ser visto. Tentou a porta da frente, mas havia um menino brincando próximo a porta e aparentemente a babá do garoto cuidando dele.
Foi para o corredor e viu a porta da cozinha aberta e alguém no fogão, quanto tentou passar por trás da cozinheira ela disse:
- Que bom que você acordou jovenzinho. - e se virou com um olhar meigo.
- E...eu...é... - Jorge não sabia o que dizer.
- Não se preocupe, sente-se e coma alguma coisa.
- É que eu tenho que...
- Poderia me contar o que fazia no meu jardim?
- Eu estava... eu não sabia... era... seu?... o que é...
- Jorge, acalme-se. Eu sei que você chegou atormentado. Aliás, todos aqui chegaram assim, mas eu dei alívio a eles. Eu posso cuidar de você.
- Eu não estava... cuidar de mim?
- Sim querido, você nunca mais vai ter problemas, seus medos, temores, tristezas, tudo que te incomoda eu posso tirar. Você gostaria de ficar em paz, nâo gostaria?
- Sim, mas.. eu nem te conheço. Quer dizer... desde quando vocês...
- Teremos tempo para nos conhecermos, você sabera de tudo. Só diga que aceita a minha ajuda e que quer ser meu.
- Ser seu? Como assim?
- Só diga que quer Jorge.
- Eu...
- Diga! - sua voz se elevou um pouco - Diga agora! - a voz agora era mais grave e alta - Diga que quer! - parecia mais um trovão.
Nesse momento seus olhos que eram meigos pareciam fumegar, a face delicada se transformou num apavorante rosto de bezerro com traços humanos e o ser continuou gritando:
- Diga! Diga que quer.
Jorge apavorado, sem saber o que pensar e com muito medo da criatura que se aproximava a cada grito acabou se entregando.
- Eu quero!
A face da criatura foi voltando ao normal e ela disse em voz suave.
- Tudo bem, agora tome um suco.
Você fará tudo o que eu mandar. Sempre que ouvir a minha voz, faça exatamente o que eu disser e tudo vai ficar bem.
Então Jorge viu uma luz forte, tudo clareou em sua volta até não conseguir mais enxergar.
Quando suas pálpebras se acostumaram com a luz, abriu os olhos devagar e viu o sol, o céu claro. Ele ainda estava no jardim.
Sem entender se era um sonho ou pesadelo se levantou e pulou o muro de volta, agora decidido a ir pra casa.
Quando estava chegando na esquina ouviu uma voz suave.
- Jorge, volta logo, agora você me pertence.