“Entre o real e o abstrato” - DTRL21
Tema: Música
- Você sabe o que você fez, otário???
- É isso. Meu nome é otário, vindo de outros tempos, mas sempre no horário. Ta vendo Raul, você vê? A canção está perdida. Olha como eles ficam me importunando. Tente outra vez... Tente! Não quero ser essa metamorfose ambulante! Não quero!
- Senhor, você sabe onde está, e com quem está falando? Me responda! Pare de fingir!
- Cazuza??? Você também está aqui. Viu? Você viu? A piscina está cheia de ratos, gordos e mortos, e minha metralhadora estava cheia de mágoas. Essa é a vida que eu quis... Hahaha... Essa é a vida que eu quis!
- Meu Deus, do que você está falando? Você foi um ídolo de uma geração. Por que fez isso? Eu adorava te ouvir... Adorava mesmo, cara!
- É bom ver que ainda tem gente que não usa a cabeça só para usar boné. Eu sabia exatamente o que fazer, mas agora me arrependo. Não quero um advogado... Não! Queria usar, quem sabe uma camisa de força, ou de Venuuuus...
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Quatro horas antes...
- Quem está aqui? Afinal de contas o que me trouxe até aqui? Medo ou coragem? Me lembro muito bem, como se fosse amanhã. Seria até engraçado se não fosse triste, mas ando tão só. Tão só, como um pássaro voando. Quem é você?
- Vai ter que adivinhar quem eu sou. Também me sinto tão sozinho. Queria ser como os outros e rir das desgraças da vida, ver a leveza das coisas com bom humor, mas não posso ter isso mais. O que posso fazer é cuidar de mim, tentar dentro das improbabilidades, ser feliz ao menos. Sim, o infinito é realmente um dos deuses mais lindos. Sabe o que mais? Dos meus planos é que tenho mais saudade, porém entendo que tenhamos nosso próprio tempo.
- Então é você. Que legal. Não me lembro de quando foi nossa última conversa.
- Há muito... Muito tempo. E sua Parabólica, como anda?
- Ela já não para e fica ali parada mais. Não, já se casou, e me deu dois netos. Fiquei paranoico de início. Veja só, sou avô. Acredita?
- Fico muito feliz por você. Se eu tivesse tido um filho teria colocado nele nome de santo. Iria escolher o nome mais bonito.
- Ei, você se lembra da rivalidade dos nossos fãs? Bem, hoje em dia cada um foi para um lado, mas o traço mais importante da geração dos anos “zero” é que nós nos preocupávamos muito com as letras, coisa que não existe atualmente. Há sempre alguma coisa que a gente não consegue entender... Quer ouvir algo engraçado?
- Uma coisa de cada vez. Lembro sim, naquele encontro, acho que em oitenta e seis, se não me engano, ali percebemos que tínhamos muito em comum. Mas conte o “algo engraçado”, e não me faça rir. É que tenho um sorriso bobo parecido com soluço...
- Bom, chega até ser estranho, mas e se eu disser que eu vi rastejar a sombra do avião feito cobra no chão. Você não vai pensar que sou louco, vai? Eu vi mesmo. A sombra mostrou o que a luz escondia, como uma bailarina no asfalto fazendo curvas sobre patins. Tudo bem, até pode ser que os dragões sejam moinhos de vento, mas o que de fato sei é que o preço que se paga às vezes é alto demais. Decidi que as luzes hoje se apagarão no prédio em frente ao meu.
- Isso na é só imaginação?
- Não. Tenho um plano, hoje não vou seguir nenhum comando, pois não existe plano B. Irei mostrar para eles que a música é muito mais do que uma bunda rebolando, ou um par de seios dançando, tchutcha tchutcha patrocinados pelo silicone contra a gravidade.
- Nossa, que país é esse? Até bem pouco tempo atrás poderíamos mudar o mundo. Afinal, quem roubou nossa coragem?
- Não sei, mas um dia me disseram que as nuvens não eram de algodão. E nesse dia encontrei a chave. Nós sim somos quem podemos ser. Eles? Te pergunto. Quem são eles? Quem eles pensam que são?
- E o teu medo, de ter medo? Eu sei que sua correnteza não tem direção. Sabe, não entendia como a vida funcionava e fiquei cansado de tentar achar a resposta. Eu vivi intensamente, até que um dia um velho se aproximou de mim e me disse: “Você perdeu sua vida, meu irmão”. Esse é o mal que a água faz quando se afoga, e o salva-vidas não está lá porque não vemos.
- Sei o que passou. Por que será que a gente cruza o rio atrás da água, quando há quase mil motivos pra gente ignorar? Acho que é por amor as causas perdidas, só pode. Será isso?
- Não falo como você fala, mas vejo bem o que você me diz. Se o mundo agora é mesmo parecido com o que vejo, prefiro acreditar no mundo do meu jeito. É como se eu estivesse acordado. E os outros? Todos dormem. Será que tudo foi em vão? Eu nem sei por que me sinto assim... Vem de repente um anjo triste perto de mim. Só sei do que não gosto e desses dias tão estranhos fica a poeira se escondendo pelos cantos. Sabe... Há tempos nem os santos tem ao certo a medida da maldade.
- Verdade? Posso te fazer uma pergunta?
- Sim, claro que pode, arquiteto.
- Já descobriu por que o céu é azul?
- Haha, essa pergunta era minha mesmo. Mas não, nem se eu falasse a língua dos anjos saberia te responder. Não sei te explicar o porquê da grande fúria do mundo. Todos se afastam quando o mundo está errado, quando o que temos é um catálogo de erros. Percebo o mecanismo indiferente que teima em resgatar sem confiança. Essa é a essência do teu delito tão sagrado. Estou sentindo que você não quer mais conversa, não é mesmo? Elaborou seu plano e logo os malucos da cidade vão saber da novidade.
- É isso mesmo, Santo Cristo. Provavelmente terei vivido mais da metade da minha vida no século passado quando realmente fizer isso. Serei um Ás de espadas fora do baralho. Tente entender! Aonde leva essa loucura? Qual é a lógica do sistema? Um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones, o que ele pensaria desse mundo? Como viveria nele? Não quero ver meu rosto antes de anoitecer, mas eu não vim até aqui para desistir agora.
- Ah, se eu soubesse lhe dizer o que fazer pra todo mundo ficar junto. O que vi ontem à noite você ia querer ver, mas não iria acreditar. Vi filósofos suicidas e agricultores famintos, desaparecendo embaixo dos arquivos. Vi...
- Está vendo, então você acredita em mim?
- Sim, eu sei que você sabe que quase sem querer quero o mesmo que você, mas não é correto. Não quero lembrar que eu erro também.
- Pra ser sincero não espero de você mais do que educação. Não se sinta capaz de enganar quem não engana a si mesmo. É agora, a hora “H”, o dia “D”, a hora de pagar pra ver. O que é engraçado é que estamos sós e nenhum de nós sabe exatamente onde quer estar. Não espero que me perdoem por ter perdido a calma e ter vendido a alma ao diabo.
- Quem me dera ao menos uma vez acreditar que o mundo é perfeito e que todas as pessoas são felizes.
- Também queria que fosse assim. Talvez a gente se encontre um dia desses, em outro desses encontros casuais. Agora, preciso dizer, prazer em vê-lo e até mais.
- O sol cegou seus olhos meu amigo... Ei, me escute, não vá! Você vai perder a sua vida meu irmão... Não vá! N...
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- Olá! O senhor por aqui? Não sabia que gostava d...
- Acho que estou um pouco atrasado, e tenho intenção de curtir o show, se possível.
- Claro, claro. Me desculpe. O Senhor me daria um autógrafo?
- Certo. Claro que sim.
- Seja bem vindo, deixe ele passar, é o... Caramba, esse cara é o maior. Sou fã dele. Cara, eu sou...
- Ei, viu o cara que passou aqui cinco minutos atrás? Não acred...
Espera aí, você ouviu isso? Que barulho foi esse? Que...Que droga!
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- Baile funk? Os maiores cantores da atualidade? Nós somos um exército... Um exército de um homem só!
“Um disparo... Um estouro... E então...”
- Escutem aqui, ninguém tá salvo, pois o Pop não poupa ninguém! O Pop não poupa ninguém!
- Ratá-tátátá... Tatá-Rátátá...
Fim.
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Esse conto é algo escrito realmente com o propósito simples e direto de homenagear o meu ídolo e para mim, maior poeta da música brasileira, proporcionando um encontro inusitado, dessas duas figuras que para muitos geram a discussão de quem foi o melhor.
A maioria das frases são de músicas de ambos os cantores, portanto o mérito de cada uma delas é deles. Para mim só restou a brincadeira de tentar ordená-las ao ponto de arquitetar (assim como nosso engenheiro homenageado) o conto. Penso nisso como uma parede de tijolos, nada mais.
Iria escrever um conto policial, mas resolvi deixar para próxima, optando por essa batida maluca aqui.
Como a maioria sabe não escrevo contos com o intuito de ganhar esse ou aquele desafio. Para mim isso é um exercício literário interessante. Também, de uns tempos para cá, não respondo comentários dos amigos que aqui vierem por respeito a suas impressões, salvo em casos muito específicos.
As críticas, como de praxe, aqui serão muito bem vindas e aceitas, se não forem aplicadas para com esse conto,certamente serão para os próximos.