AMARÍLIS, A RAINHA DAS FLORES
Amarílis sonhava amar um dia. Era moça da roça, viveu no interior entre árvores e bichos. De ouvir falar sabia: quem ama sofre!
- Eu quero morrer desse mal, dizia.
Amarílis, Amarílis... Amarílis pediu aos céus, em desatino pediu aos infernos! Numa noite, como essa que lhe conto essa história, a graça fora-lhe concedida. Não de pronto, mas como se conta. Não por magia porque isso não é conto de fadas, aconteceu de verdade. Nada de príncipe ou cavalo branco, nada que tirasse dela os sentidos. Naquele ermo, entres serras e barrancas, o trabalho a detinha.
Numa noite, eu dizia... Era tarde, até as sombras se recolhiam. Na penumbra, na soleira da janela que se abriu como num grito, esgueirou-se um morcego cambaleando sobre o que não via. A criatura indefesa, quase morta de frio, se debatia mal pousada na cama, aos pés de Amarílis.
A moça, compadecida e sem medo, curou a asa quebrada e aqueceu na velha blusa amarela que havia tecido o pequeno e cego convalescido.
Amou-o, teve pena.
Está ferido e cansado, como eu! – Pensou.
Ela deu-lhe acento na cabeceira da cama patente, foi sua amante e companhia até o crepúsculo do sétimo dia.
Amarílis andava feliz, cantava velhas canções e colhia flores no campo. Tratava os animais domésticos como sempre fazia, à noite, alimentava seu hóspede com mel e ternura. Em sua fantasia amava aquela criatura infeliz, era sua imperatriz: Amarílis, rainha das flores!
O bicho, por sua vez, permaneceu como chegara: com ares de orgulho, ferido e faminto.
Passaram uma semana e seus sete dias completos. Embora curado e pronto para voar o bicho serviu em silêncio ao propósito da moça: curvava a cabeça de forma elegante enquanto ela roçava seus dedos no pelo macio.
No fim do sétimo dia, o mal tempo retornou e o mesmo vento abriu a janela de madeira maciça. Não era tarde, o sol se punha. Ao entrar no quarto com o pote de mel numa das mãos, Amarílis estacou no caminho. Diante da visão que a tomava paralisada via o horizonte extinguir-se pela janela e, das pequenas e frágeis patas do morcego seu amigo, erguia-se um homem – um vampiro.
O mel que trazia escorreu pelas pernas e umedecia os pés de Amarílis, ela tremia. O homem que se mostrava, vestido apenas com a blusa de lã por ela tecida, sorria sem mostrar os dentes e exibia um brilho nos olhos que não pode ser descrito ou comparado ao de nenhuma estrela.
Ele dá um passo firme.
Dá um segundo passo e ela recua.
Ele avança como se penetrasse na atmosfera que a cerca, dobra-se de joelhos e lambe os pés adocicados dela. Amarílis cede.
Quando aquele estranho homem, o mais belo que já se viu, ergueu-se, Amarílis reconheceu-se apaixonada. Dominada, caiu nos braços dele e entregou-se completamente.
A partir daquele dia, nas noites de lua nova, ele retorna. É alimentado e alimenta os sonhos de Amarílis.
Baltazar Gonçalves