TERROR NO BOSQUE

Joe não podia imaginar que aquele dia seria diferente dos demais. Pobre Joe, aquele dia mudaria sua vida.

A pipa parecia mesmo vivia naquele céu de fim de tarde, repimpando para cima e para o lado. Joe perdeu as contas de quantas inimigas fez voar. Sim foram muitas, e ele estava satisfeito. O carretel estava recolhendo a diversão, era hora de ir tomar café com leite, comer pão de goiabada. Amanhã teria mais para cortar. Depois da escola, Joe já planejava. Passar cerol. Empinar, cortar uns otários e se divertir. Mas, quando já estava para recolher totalmente seu brinquedo de seda, notou que um inimigo surgia no seu campo de visão.

- Muito bem, vou cortar mais uma – disse Joe.

- Mas aquela é do Bob - observou Leon.

- Hoje eu estou em dia de sorte maninho, que venha o Bob.

Leon parecia eufórico. Sim, pensou Joe, era mais um desafio. O café fica para mais tarde, já está quase na hora da janta mesmo, seu estômago sempre roncava como trator depois das cinco da tarde. Deu linha para a pipa. O rival também. Era uma pipa feia, toda vermelha, nada mais, rabiola feia também, mas e daí, Bob não tinha gosto pela arte. Joe, sim. A sua era vermelha e preta. Do Mengão.

Deu mais linha que o outro, enquanto Leon contava ao seu lado as pipas que tinham ganhado naquele dia, está seria a 21ª, sim. No céu, as pipas brincavam de um lado para o outro, sob vales e bosques, do outro lado do morro. Lá não havia casebres, nada. Apenas mato. Leon tinha medo daquele lugar. Joe achava seu irmão criança de mais. Sentir medo de que? A Cinência já havia explicado quase tudo, Joe aprendera na escola. Os professores não mentiam, dizia seu velho pai, apenas políticos. Não que ele não tivesse medo, tinha medo de ser roubado. Só.

Leon escutou o irmão xingar, olhou para o céu, lá se vai a pipa favorita do irmão mais velho. Joe xingou novamente, e saiu correndo como louco morro abaixo, Leon foi atrás dele. Havia dois neguinhos do outro lado do brejo esperando o cruzo, e riram da cara de Joe quando ele se ferrou. Correu, pulou o córrego, atravessou o brejo. Os neguinhos estavam longe, subindo o morro, tentando agarrar a linha, mas o vento levou mais e mais para cima, para além dos vales e bosques.

Joe foi atrás, Leon o seguia. Passaram os neguinhos e cortaram a mata, desbravando, já haviam estado ali antes, para pegar jaca com o pai. Os neguinhos seguiram eles. Quando estavam no alto de uma colina, debaixo da copa das arvores, escutaram uma voz de guri:

- Corre seus biltres! Corre seus moleques!

E o chicote estalando. Joe parou, o coração saindo pela boca. O chão parecia trêmulo, ou eram suas pernas bambas? Que diabos era aquilo. Estava escuro, não podia ver nada, a noite cobriu o céu. Outro chicote estalou, agora mais perto deles. “Corram!” disse os neguinhos. Joe queria a pipa, avançou dois passos, escutou um estalo bem perto e depois a dor ardente em suas costas. Gritou. Xingou. Palavrões choverão sobre ele. Joe tremeu.

Fora atingindo, mas quando, por quem? Havia cheiro de fumo. Olhou para os lados, não vira ninguém. Os pés bambos. Espinha gelando. Suor. Como suava Joe. Estava sozinho agora, o coração acelerado e alguém correndo, descendo a ladeira em sua direção. Não via ninguém, apenas sentia em seu coração. "Isso é deliro. Apenas isso". Seus companheiros de mata foram embora, e sua pipa, ah, ele esqueceu da pipa.

Joe estava agora correndo, ladeira abaixo, o chicote do caboclo comendo atrás dele. “Vem cá seu puto, vou te dá a coça que sua mãe nunca deu”. Joe correu como nunca correra antes. Os lábios ressecando. Não era o suficiente. O caboclo estava perto, podeia sentir a respiração e o chicote estalado logo atrás de cada passo. "Ele vai me pegar". Normalmente quando corria atrás de pipa, era sempre o mais veloz. Pensou nisso. O chicote comendo atrás dele, o fumo no ar, e um vulto atrás dele, sim, tinha alguém, mas ele só via espectro. Ganhou o brejo, atravessou o córrego e chegou em casa, tremendo como um bezerro ao nascer.

- Que foi moleque, parece que viu um fantasma – disparou o pai.

- Antes fosse. Eu vi o Saci!

Sansa
Enviado por Sansa em 25/03/2015
Reeditado em 27/03/2015
Código do texto: T5183062
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