PRISIONEIROS DA CASA 52

A minha ideia de morar sozinha não era acabar no único lugar onde eu não queria estar. Quando pensei em me livrar de todo aquele aparato que é a minha família, confesso que não estava pensando em lavar a minha própria roupa e cozinhar a minha própria comida, mas, aqui estou eu tendo que me virar.

Eu sou uma pessoa muito supersticiosa, daquelas que não passam embaixo da escada e que morrem de medo de encontrar um gato preto. Quando me mudei, eu não sabia de todo o mistério que envolvia esta rua, ou melhor, esta casa.

A casa 52.

Aluguei esta casa porque não encontrei uma mais próxima do centro. É uma casa de dois andares, mas, eu ainda não tive tempo de arrumar a parte de cima, então, estou dormindo no sofá velho, trago pela minha mãe.

Há duas noites que estou aqui.

Há duas noites que eu não durmo.

Barulhos que vem lá de cima não me deixam sequer cochilar, acho que são ratos que se escondem nas pilhas de velhos móveis cobertos de pó. Bichinhos nojentos.

Odeio subir as escadas por que a madeira faz um barulho que me incomoda muito. Além disso, eu assumo, estou me pelando de medo de ficar aqui sozinha neste lugar, mas, principalmente de ir lá em cima.

Uma vizinha me perguntou hoje como eu tinha coragem de morar sozinha num lugar como este. Não entendi e então perguntei o porquê da pergunta. Ela me contou toda a história. E eu preferia ter ficado sem saber.

Uma jovem morreu aqui há alguns anos. Morreu não, foi assassinada. Como se esse detalhe fizesse diferença.

Ela vivia aqui com o marido nas últimas décadas do século XX, mas, segundo contam as pessoas, depois de uma traição da parte dela, ele chegou até a casa, raivoso e manchou a casa inteira com o sangue da esposa. Também dizem que ele viveu aqui até falecer. Já estou cogitando a hipótese de voltar para casa.

É noite e eu já sei que não vou dormir de novo.

Das caixas espalhadas pela sala, ainda toda bagunçada, pego o último livro que estava lendo. Era um livro de terror, parei na parte em que o assassino estava perseguindo a mocinha. Comecei a ler, mas, fui distraída por um barulho vindo de cima. A madeira ruiu, parecia que alguém estava andando de um lado para o outro.

De repente ouvi um trovão e a claridade de relâmpagos aparece na janela. Tinha que chover logo hoje? Eu sempre fui medrosa e os trovões sempre me assustaram. E depois daquela historia sobre a casa 52, nem sei como me sinto.

Continuei no sofá enquanto tentava conciliar o medo, as trovoadas e a leitura do meu livro, mas, estava impossível. As luzes se apagaram e eu senti meu corpo gelar, peguei rapidamente o celular e usei o brilho da tela para iluminar ao meu redor.

Quando aluguei a casa, me disseram que o interruptor no andar de cima costuma cair em tempos de tempestades. Agora, ou eu ia lá em cima ou eu ficava no escuro. Com a madeira rangendo sob os meus pés, eu continuei a subir as escadas. O interruptor, provavelmente ficava no final do corredor, no pequeno quartinho o qual tinha visto outro dia. Por não ter entrado lá antes, eu estou com medo.

-Você precisa voltar... Foi tão estranho! Imaginei ter ouvido estas palavras na minha cabeça. Mas, aí me lembrei do livro que eu estava lendo e achei que fosse só uma lembrança infeliz.

Ele vai atrás de você, volte! Agora eu estava ficando mais assustada. Mas, não ousei responder. -A casa 52 é maldita, vá embora... Ele vai fazer a mesma coisa...

Ergui o celular, mas, não vi ninguém. Óbvio, não havia ninguém ali comigo, eu estava sozinha. Mas... Então, quem estava falando? Andei de costas, com as mãos atrás de mim, até o topo da escada, tentei não fazer movimentos bruscos. Meu peito doía muito, a minha garganta estava seca e dos meus olhos já pediam lágrimas.

Mas, eu me assustei mesmo foi quando vi uma luz no final do corredor. Era uma lâmpada antiga, acho que era. Mas, que tipo de pessoa se assusta por uma lâmpada?

Não.

Não foi pela lâmpada.

Mas, sim pela pessoa que a carregava. Era um homem de barbas brancas, suas roupas estavam impregnadas de sangue e um cheiro horrível atingiu minhas narinas quando eu respirei fundo. Ele estava de cara ruim... Estava com raiva de algo, ou melhor, de alguém. A voz na minha cabeça continuava sussurrando para que eu fugisse, antes de me virar, vi na mão do homem um machado, ele também estava ensanguentado. Isso não ia bem.

Não hesitei.

Virei-me para correr e ainda usando a claridade do celular para descer pela escadaria, senti uma dor terrível nas minhas costas...

Meu corpo rolou pela escada e parecia surreal a maneira como eu escutava o estalar dos meus ossos, era quase como se eu estivesse vendo tudo de fora. De cara para o chão, levantei o braço e toquei minhas costas, reconheci o objeto incrustado nelas...

O machado!

Levei minha mão ao nariz e senti o cheiro repugnante e irritadiço.

Sangue! Meu sangue!

O pânico se instalou no que sobrou do meu corpo estatelado ali no chão quando a luz se manifestou novamente no alto da escada. Ainda com a cara amassada no chão empoeirado, eu rezei para que ele parasse ou para que eu tivesse dormido lendo o livro e sonhado com ele.

Mas, era tudo real. Isso estava acontecendo! Tinha acabado pra mim...

Estava longe de acabar. Dei-me conta disso quando a figura espectral gargalhou e escarneceu de mim no alto da escada. Ele ia me fazer sofrer e depois... Assim como a outra voz e este ser repugnante, que agora descia os degraus lentamente, eu seria condenada a viver aqui pra sempre. Mais uma prisioneira da casa 52...

Daniela Lopes
Enviado por Daniela Lopes em 24/03/2015
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