Cuidado com as palavras- cap. 1( A última corrida)

Minha mãe sempre diz que ás 12:00, 00:00 e 18 horas não é bom ficar falando coisas ruins, ficar falando em inferno e nem desejando maldades. São nesses horários que os anjos no céu estão dizendo amém para tudo que os humanos estão falando ou desejando na terra.

Achei que essa crença muito compartilhada onde moro daria um bom conto; quem sabe até uma série de contos. Esse é apenas o primeiro de três contos sobre o tema.

*

O dia de Alfredo não estava nada fácil. Ele era taxista e naquele dia o movimento estava muito fraco, tanto no ponto de táxi como na rua. Das 19:00 até o presente momento havia feito apenas duas corridas, para piorar, foram corridas para lugares próximos e quem nem renderam muito.

A esperança de consegui uma última corrida naquela hora da noite já o havia abandonado. O relógio digital do rádio já mostrava 23:57.

Tentando esquecer um pouco a frustração, decide acender um cigarro e esperar mais um pouco. Com o cigarro na boca e a tristeza nos olhos ele diz:

-- Eu queria somente um último cliente, fazer uma última corrida. Eu faria essa uma última corrida para qualquer lugar, até mesmo para o inferno.

O relógio digital mostrava 00:00. Os anjos no céu disseram amém.

*

Quando o cigarro estava quase no fim, assim como as esperanças do taxista, alguém fez sinal para o táxi. Alfredo parou feliz da vida e a moça entrou.

Já dentro do carro, o homem reparou na estranha moça que entrou. Ela era muito bonita, isso não se podia negar, mas havia algo macabro em seu sorriso e em suas roupas. A moça estava vestida com um vestido festivo de seda vermelha e usava uma espécie de véu, também vermelho, cobrindo a boca.

Quando Alfredo perguntou para onde ela queria ir, esta se limitou a dizer, sem tirar o véu:

--Para casa...

--Tudo bem, moça. Mas, onde fica a sua casa? Que caminho eu pego?

-- Não importa o caminho, todos vão lhe levar para a minha casa nessa noite.

--Ok. Posso ir reto na avenida e depois dobrar na primeira a direita?

--Pode sim. Pode se chegar rápido a minha casa por esse caminho.

O taxista pensou: "Moça estranha"

Alfredo começou a sentir o clima pesar no táxi, talvez fosse o silêncio. Ele resolveu puxar assunto:

--Essa noite está quente...

--Já estou acostumada ao calor. Minha casa é muito quente.

--Hum. Sem parecer abusado, mas, o que uma moça como você fazia uma hora dessas na rua?

--Eu sempre saio da minha casa para me divertir com os mortais e antes que amanheça retorno para onde moro. Sempre volto sozinha ou com meus irmãos. Mas, hoje você teve a gentileza de dizer que me levaria para casa.

-- Como? Eu nunca lhe vi, como poderia ter dito que ia lhe levar para casa?-- perguntou o taxista visivelmente com medo

-- Você falou... Você falou que faria uma última corrida nem que fosse para a minha casa.

--Sua-a ca-casa...-- falou o taxista gaguejando. Ele lembrava exatamente do que tinha dito

--Isso mesmo.--A moça tirou o véu e sorriu com sua boca cheia de dentes pontiagudos e enquanto falava, sua língua partida ficava entrando e saindo de sua horrível boca-- Minha casa é o inferno!

O taxista ficou desesperado e gritou diante da visão. Por causa do desespero acabou perdendo o controle e batendo o táxi. Devido a batida logo desmaiou.

Após o acidente, Alfredo nunca mais abriu a boca para falar besteiras, ele riscou a palavra inferno da sua vida. Ele estava feliz, apesar do táxi ter ficado destruído e dos machucados, agradecia a Deus por ter batido o carro antes de ter concluído a última corrida e de ter chegado na casa da estranha moça.

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Interação do poeta Orpheu Leal que resume bem a mensagem do texto:

A PALAVRA ACARICIA

A PALAVRA AMALDIÇOA,

ESCRAVIZA, ALICIA,

EMBEBEDA E ATORDOA.

PALAVRAS TÊM CONSISTÊNCIA,

TÊM FORÇA E ENERGIA,

SÃO MANTRAS DE RESISTÊNCIA

NO CAMPO DA SINERGIA

Ana Carol Machado
Enviado por Ana Carol Machado em 20/03/2015
Reeditado em 21/03/2015
Código do texto: T5176747
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