Amígdalas da onça
Comigo elas nasceram, e mais que cresceram. Rara era a ocasião que eu passasse, sem que aquele par me molestasse. Cuidados com o frio, com a chupação de picolé, em não botar o pé descalço no vermelhão, era tanta amolação. E sofreguidão. E se fosse mo explicar Freud, inda se estendiam para a adenóide. Com umas amígdalas daquelas, lhe digo: precisava ainda ter inimigo?
Fui pra faca, e até sem a anestesia geral, de sorte que do alto de meus seis anos, tive a sensação de estar vendo tudo deste mundo - inclusive a chance, que parecia muito próxima, de passar para o outro.
O zelo da equipe médica entretanto, abortou essa viagem. E ainda pilheriou comigo que, boquiaberto, nem tinha resposta. O sangue vertido deu-me a impressão de que iria encher o balde. Só faltava chutá-lo - mas o pezinho não alcançava.
E fui mandado para o quarto, finda a intervenção. Direto para a cama, onde me foi ministrada a bebida mais divina por que eu ansiava: água. Até hoje retenho a lembrança daquele momento, ela tão fresquinha, saída de uma bilha de barro, e com tanta força regeneradora.
A partir dali, estabeleci um contato visual com meu colega de infortúnio, do qual me lembro ao certo não mais que o nome, Paulo Roberto. E mal travamos aquele diálogo olho por olho, eis que seus pais pintam na porta do quarto. Vinham-lhe trazendo um carrinho, capaz da assanhar qualquer menininho - ou seu vizinho. E reluzente, o danadinho.
Queria um igual, por todas a maneiras. Mal me saudaram meus pais, então sorridentes, externei minha vontade, com a veemência e estridência de um diabinho da Tasmânia. E não transigia. Encabulado, entre o alegre e o vexado, meu pai saiu com o fito de atender meu desejo.
Voltou breve - com uma revista, que não só não folheei, como de lágrimas ensopei. Mas a garganta, não inflamei.