A Mão Direita do Diabo - part 2

E assim, ainda, como visto na última ladainha...

...Agora, tudo ao redor cheirava alecrim, erva do campo, e hortelã. Na luz morna e clara que descia, uma silhueta apresentou-se a Orfeo....

E junto a ela, numa luz cálida e cativante, como em ondas singelas, descia um coro de vozes num ode à alegria, que levou Orfeo às lágrimas. Lá, banhada de luz, a imagem de um anjo se formou em glóbulos de estrelas cintilantes. Orfeo, num misto de surpresa e vergonha, caiu ao chão de joelhos e cabisbaixo...

-Por que me acodes!... Eu não mereço...

-E você lá por acaso, sabe o que merece ou deixa de merecer? Filho.

-Eu vendi a minha alma ao diabo, e mesmo assim vem até mim?

O espírito sorriu:

-Não sejas tolinho... Não cai uma simples e solitária folha de árvore por todo esse imenso mundo, sem que Deus tenha feito disso um propósito... Ora, meu filho, apazigue o seu coração, quem sabe o seu ato dê a Ele uma alma tão valorosa quanto a tua. Dê tempo ao tempo, pois é de tempo que o ser humano precisa.

Orfeo levantou-se renovado, ainda que não soubesse o porquê.

Então tudo parou, um silêncio sobrenatural fez-se, e logo depois, Orfeo começou a ouvir os sons da natureza. Eram os sons do vento nas folhas, das águas que corriam e pingavam nos lagos, da madeira que estala, do trovão nas nuvens, e dos raios que cortam o céu. Mas eles, admiravelmente, continham um ritmo musical célebre e doce, e misturados como estavam, emitiam uma canção acompanhada de um mantra inesquecível.

E enquanto ouvia-se a música, o espírito falou:

-Nunca se esqueça deste som, Orfeo, e quando se aproximares da floresta depois deste caminho, as árvores irão ajudá-lo na sua empreitada...

A luz que lhe trouxe o anjo, recolheu-se de novo em sua glória como se fosse uma cortina de repente enrolada, e o lugar escuro de dantes retornou para Orfeo. Mas a música continuou seguindo, em tons cada vez mais baixo, até que depois de um certo tempo, desapareceu por completo.

Uma coisa era certa. As almas atormentadas que vieram assombrá-lo desapareceram, e os ratos e baratas sumiram como se jamais houvesse existido. Diante dele, só a grande escada em forma de espiral, que subia vertiginosamente em direção à superfície. Orfeo a escalou, degrau por degrau, semelhante a um felino: de quatro, miando de medo e na ponta dos dedos... Até alcançar o alçapão que o liberava das catacumbas e o jogava direto para dentro do castelo.

Lá dentro, um ritual macabro era realizado. Dezenas de nobres locais, em sua maioria mulheres, banhavam-se com o sangue de crianças dependuradas de cabeça para baixo, presas por um gancho, enquanto o sangue vertia de suas entranhas. O sangue enchia tonéis de madeira e banheiras de mármores, enquanto aquela gente se regozijava se encharcando e se deleitando com tudo aquilo! Muitas crianças ainda estavam vivas presas em jaulas, e numa delas havia um recém nascido...

-Veja, lá está! - apareceu do nada, Carmine puxando Orfeo pelas pernas da calça. - É a minha criança, salve-a!

-Sabe por que você não me matou de sustos agora Carmine? Porque eu já fui perseguido por ratos, baratas e almas de outro mundo sedentas de sangue... Por que se não fosse isso... VOCÊ TINHA ME MATADO AGORA! Agora faça-me o favor... antes de aparecer, me avise... não venha sorrateiramente!

-Como quiser senhor sem alma... Agora vá lá e salve o meu filho das mãos daqueles desalmados!

Orfeo suspirou fundo...

London
Enviado por London em 06/03/2015
Código do texto: T5160085
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