O Farol.

-Ergam as velas, seus miseráveis! - gritava o capitão, sem esperanças nenhuma de que aquilo realmente pudesse dar certo.

-Caiu mais um ao mar, meu senhor! Lamentava a plenos pulmões um humilde marinheiro, tão enrolado nas cordas quanto o mastro do navio.

E a tempestade furiosa e impiedosa caía! Derramando uma fúria que nem o mais experiente dos marinheiros ali presente poderia imaginar que seria possível.

As ondas erguiam-se de tal maneira e de forma tão medonha, que lançava um pavor indizível aos olhos e faces daqueles pobres homens. Era como se um titã grego, de quarenta metros de altura, levantasse do próprio inferno a rugir e a desmantelar tudo e todos que visse pela frente. E quando os raios da noite cortavam a tempestade e transluziam através das ondas transparentes, transformando-as em vidro, e destacando o diminuto barco de madeira perdido e achocalhado entre ás aguas, é que os marinheiros, então, homens valentes, ajoelhavam-se no chão e rezavam.

Estavam acostumados às rudezas da vida, ao sal do mar, e ao sol da terra. Enfrentaram outras tempestades antes, sim. Mas aquela, aquela não existia relatada nem na mais terrível das aventuras que costumavam contar e cantar.

-Guia-nos ó Senhor, para longe da tormenta! Gritava os homens em desespero, sonhando ainda em encontrar terra firme e uma boa cama quente para poderem dormir.

Uma luz surge esmaecida na distância. A chuva, forte demais tentava abafá-la. Fazia-a tremeluzir como estrela, apagá-la, mas ela persistia.

-Um farol! - gritou um dos homens -Vejam, um farol!

Num esforço sobre humano tentaram controlar o navio, direcionando-o para a luz salvadora. Mas a tempestade os castigava, surrava-os! Lançava o navio às cristas das ondas e o deixava descer rolando, incapaz de reagir. Mergulhava-o nas águas gélidas e escuras do oceano, salgando os seus corpos e as suas almas! Talvez o mar tenha querido lavar os seus deslizes, expurgar os seus pecados, pois eram homens ensopados em pranto e em fúria.

E enquanto lutavam contra o destino, a luz parecia aumentar mais e mais, até romper a névoa da chuva e surgir como um vaga-lume ou dragão de fogo, como diriam os ingleses. Viram, com dificuldades, aquele gigante de pedra ir surgindo lentamente ao aproximar-se da castigada embarcação, e ele rompia a escuridão num rompante de luz, num facho de fogo a lutar contra a água e a escuridão.

Era um farol esbelto, altivo, cravado no cume de uma falésia, como a espada de excalibur estava cravada na pedra em Avalon.

Subiram a montanha escorregadia à luz dos raios que despejavam do céu. Estavam quase sem palavras, tamanha a alegria de se livrarem da morte certa, do desespero do oceano e da agonia de se afogarem e serem devorados por peixes...

Ao adentrarem dentro do farol, procurando se abrigarem da chuva, uma surpresa...

-Vó?! O que fazes aqui? - disse um dos marinheiros aturdido. Era uma senhora de pé, junto a porta.

Os outros estranharam, tremeram-lhes as pernas e faltaram-lhes fôlego.

Um outro marinheiro, aos gritos, disse a um senhor sentado na mesa:

-Não! Pai?! Como pode!...

O capitão aproximou-se:

-O que está acontecendo aqui?

-Minha avó senhor, está ali!

-Estou vendo, homem. Componha-se!

-Mas ela morreu, senhor! Há quinze anos...

E então começaram a entrar pessoas estranhas, pessoas que já haviam morrido num passado distante, enchiam a sala turva do farol...

-Acalmem-se, não se assustem... Estão em casa agora.

... Na agonia e no desespero, suas almas continuaram lutando, mesmo depois do mar já ter levado os seus corpos...

Na última noite, antes da tempestade, eles haviam cantado essa música:

Sobre a colina, que o brilho inflama...

Vence a névoa, feito um estandarte;

Que o vaga-lume traduz, com brio e arte

Uma luz me guia em forma de chama.

É para ele que os olhos se voltam

Daqueles que sem rumo navegam no mar...

Na esperança de encontrar quem tanto os esperam

Aqueles que já ama... ou que vai aprender a amar.

Obra do homem, rompe os ares, vigorosa!

Pergunto-me, quem és tu que de pé vigia

Os meus mares, nem sempre de rosas?

Antes, eu estava perdido, cercado de mares e do céu...

Antes de lhe ter tido, minha estrela-guia

A minha vida não passava de um grande escarcéu.

London
Enviado por London em 27/02/2015
Reeditado em 27/02/2015
Código do texto: T5151978
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.