A Rosa.
A guerra devastara tudo, e não sobrara nada que valesse a pena. Era o condado de Cottingley, Irlanda, logo após a 1ª guerra mundial. Estávamos todos atônitos com o que descobrimos que a humanidade era capaz de fazer. Mas, também estávamos, de certa forma, felizes, porque depois de um conflito como aquele, certamente não iríamos ver outro...
O retorno para casa houvera sido triste. Não caíram bombas aqui, mas a maioria dos jovens foram levados pela guerra. Não se viam mais crianças trepadas nas árvores, nem jovens correndo pelas ruas ou namorando nas praças. A inocência havia deixado a minha pequena vila, ficara lá, nos campos... nas fábricas... As jovens donzelas partiram, foram trabalhar nas fábricas de bombas e de tanques, como um meio de "lutarem" na guerra. Por lá morreram de tuberculose, de gripe, algumas estupradas ou casadas com homens bem mais velhos, para quem sabe, terem um pouco de esperança em dias melhores.
Houve um rapaz, um dos poucos que voltara inteiro. Pelo menos, por fora. Depois de enterrar pessoalmente dezenas de amigos, descobrira que a sua noiva havia morrido num acidente com uma ogiva, numa das fábricas. E então, os dias em Cottingley se tornaram como eternos domingos à tarde, ociosos, tristes, como quando se senta num banco perto de um bosque, e fica olhando o sol se pôr, esperando a eterna segunda, que nunca vem.
O bosque de musgo era infame em toda a cidade. Lugar a ser evitado. Ainda podiam ser encontradas cordas e esqueletos dos que se enforcavam por lá. Histórias sobre fantasmas, homens estranhos e luzes andantes que arrepiavam até os ossos homens experientes, e os mantinham a uma distância segura de lá...
Mas, aquele rapaz se sentira atraído pelo seu magnetismo. Era um lugar abandonado pelos homens, e isso o deixou ainda mais lindo. A luz feérica que entrava, dobradas entre as folhas das árvores, espalhava um tom verde-claro sobrenatural, como uma chuva de luz que desce sem pressa e se fixa nas coisas, como gotas de orvalho cintilantes. As aves e os insetos sussurravam uns com os outros, sempre escondidos dos olhos dos homens, como se zombassem deles. Era um ambiente que te abraçava e te sufocava, te convidado à tristeza e à reflexão, e se você não estivesse suficientemente satisfeito consigo mesmo, acabaria pendurado por uma corda, ou pulando no precipício que dava fim ao bosque. E assim, por isso, ele se tornou amaldiçoado.
Talvez, ele quisesse mesmo esse destino... eu não sei. Quem sabe? Só sei que ele caminhou por um bom tempo, embrenhando-se na vegetação, respirando aquele ar frio que te refresca por dentro e te esquenta a superfície dos olhos e te deixa com vontade de nunca ter existido...
Até que ele se deparou com uma clareira, onde uma única rosa reinava esplendidamente. Com o seu porte e a sua beleza, eu poderia dizer que ela era a rainha de todo o bosque! Todo o verde fugidio ao seu lado, contrastava com o vermelho sanguíneo de suas pétalas, magnificamente abertas e frondosas. E a luz que descia das copas das árvores a iluminavam com um foco de luz feito aparentemente só pra ela. Era a coisa mais linda que ele já tinha visto.
Primeiramente, ele sentiu a inclinação de deixá-la ali. Não poderia colher tão bela flor, arrancar de seus ramos uma obra tão sublime da natureza. Tocar nela seria uma afronta contra as musas da beleza e do encanto. Mas ela era tão linda! Tão absoluta... que não poderia sair dali sem levá-la consigo, ainda que soubesse que ela não duraria um dia dentro de um jarro d'água. Mas ele quase não teve escolhas.
Procurou com todo o cuidado decepar a rosa sem danificá-la, mas o cuidado que teve para com a flor, não o teve para consigo mesmo... e feriu-se em um dos seus espinhos...
E, enquanto uma solitária gota de sangue surgia em seu dedo, sentiu-se tonto, caindo em vertigens, e ajoelhando-se em frente à flor.
Num primeiro momento faltou-lhe o ar, pensou-se envenenado. Sua pele fria tremia, a sua boca secava. E então, as suas pernas tremendo, racharam, num som oco de madeira seca. Os seus braços enterraram-se no chão, como cipós, e os seus cabelos pendiam para a terra como ramos de uma oliveira. E gradualmente, foi tornando-se branco como um fantasma... e a sua pele e carne tornaram-se finas como um papel... Até tomar a forma de uma flor, para sempre encravada no chão.
A sua consciência era a mesma. Ainda era ele preso na forma de flor... Sentia tudo... Mas não podia gritar e nem avisar ninguém. Ele não saberia dizer se estaria para sempre naquela situação, ou se o próximo e severo inverno, seria definitivamente o seu algoz.
Sabe, ele torcia para que fosse...
Então, um dia, andando por ali, encontrei escrito num velho e esquecido templo dentro de um bosque, a seguinte inscrição:
Fina flor que os espinhos guarda;
Solitária... frágil, sempre isolada;
Que a chuva destrói... o vento, a geada;
Serás de finas e doces pétalas a sua mortalha.
Mas antes de partir, tem dentro do peito,
Do mais nobre e justo direito!
O sonho de viver um grande amor...
Pois nem mesmo uma flor, quer um mundo de solidão, e dor...
Então, uma fada enfeitiçou-lhe as cerdas com um pó;
Para que assim, não mais vivesse a rosa só;
Pois, um dia, alguém se encantará incrivelmente...
Quando em seu espinho ferir-se, irremediavelmente!
E assim, aquele que tiver o seu dedo a sangrar;
Sabe como o futuro para ele virá.
Entende, que o desespero e a tentativa serão em vão...
Pois em breve, como raiz, terá os seus pés cravados no chão!
E assim, sempre ao lado de tão encantadora rosa;
Por quem, tão, e devastadoramente se apaixonara,
Que ao vê-la colhida numa tola poda.
Como um simples e solitário cravo, agora chora...
O seu destino agora é esperar...
Por que um cravo não tem espinhos!
Logo, ficará para sempre sozinho,
Até que o vento frio e daninho, para sempre venha lhe decepar...