FECHE BEM AS PORTAS

FECHE BEM AS PORTAS

POR M DAMER SIMAS

PARTE 1

A MORTE BATE À PORTA

SÃO PAULO – 2 DE MARÇO DE 2020

André olhava fixamente para o pequeno espelho enquanto jogava água com as duas mãos em seu rosto. Sua expressão era de decepção. Ele suspirou profundamente antes de jogar novamente água. Baixou a cabeça e manteve-se estático. Sua posição só alterou-se repentinamente quando um estrondo vindo da cozinha desviou sua atenção. Levantou a cabeça bruscamente e olhou para trás, como se procurasse algo. Seu corpo arrepiou por inteiro. Ele nunca foi um cara de muita coragem, mas neste momento viu-se em um beco sem saída. Ele tinha que verificar. Sua residência ficava em uma área de muitos assaltos, onde a violência mandava mais do que as leis. Não havia alternativa. Ele suspirou e começou a piscar compulsivamente. Quase como um T.O.C. Saiu pela porta e andou lentamente até a cozinha. – Que porra foi essa – disse a si mesmo em baixo tom. Chovia nessa hora e quando ergueu a mão para puxar a cortina que servia de porta ao cômodo, um relâmpago altíssimo fez com que se jogasse no chão. – FILHO DA PUTA! – Ele berrou. Deu um forte soco no piso sujo e ergueu-se. Primeiro ficou de quatro, depois de joelhos e por fim em pé. Lentamente agarrou a cortina, enquanto uma lenta gota de suor escorria por seu maxilar e a abriu. – AAAAHHHH! SAI CARALHO! ME SOLTA! ME SOLTA! – Ele brigava e gritava com um gato de rua que havia entrado pela pequena janela. O animal faminto havia derrubado uma panela de arroz esquecida sobre o fogão marrom já surrado. Ele estranhou; ninguém havia acordado com seus berros. Andou até o quarto rapidamente e olhou para sua esposa. Catarina dormia como uma pedra em sua cama.

– É incrível. Como consegue dormir com uma chuva dessas. E eu trabalhando a noite inteira. Porcaria. Catarina! CATARINA! CARALHOO! ACORDA PORRA! VAI SE ATRASAR PARA O TRABALHO!

- Que merda André! Me deixe dormir. Foda-se o trabalho. Eu estou cansada.

- Foda-se nada! Levanta logo. Eu trabalhei a noite toda, porra! Acha que eu tenho como sustentar essa casa sozinho?

- Isso não está certo André. Ninguém tem tempo para nada nessa casa. Quando foi a última vez que dormimos juntos?

- O que eu vou fazer? Prefere ficar sem comer? Tenho que trabalhar a noite também. Você reclama de só trabalhar na parte da manhã. Fala sério Catarina. Assim não tem como. Ou você se esforça mais, ou nosso casamento vai ter um ponto final.

Ela engoliu a seco a intimação de André. Levantou-se da cama e partiu para o banheiro. – Fique tranquilo André. Eu vou me esforçar mais. – Disse Catarina em um tom sarcástico. André apenas deitou. Ele nem viu sua esposa sair de casa.

O relógio já marcava dezesseis horas quando sua embaçada vista foi avistando as paredes mal pintadas e sujas de seu quarto. Havia dormido demais. Sentou na cama; apoiou seus cotovelos nos joelhos e abraçou seu rosto com as duas mãos. Por um segundo apertou sua face afim de que o sangue circulasse com mais vigor e levantou. - Vou correr. – Disse André. Calçou os tênis surrados e seu short velho. Pôs uma regata preta e partiu à rua. Era um exercício diário. Não tinha dinheiro para pagar academia e nem outras coisas que envolvessem pagar.

Ele olhava as paisagens. Vislumbrava as árvores e sentia o ar puro encher e logo após esvaziar os seus pulmões. Foi quando cruzava por um bosque que sentiu uma sensação estranha. Algo como se estivesse sido seguido. Correu por mais quinhentos metros olhando para a esquerda e direita, para frente e para trás. Algo estava errado. Mais cem metros ficaram para trás e ele viu um vulto por entre as árvores. Algo preto e alto. Ele parou. – Mas que merda foi essa? Alou! Alguém está ai? – Gritava André. Ele estava sozinho no meio do bosque. Seguiu correndo com os olhos apertados e com um ar preocupado. Sua preocupação fez-se verdadeira então. Um Homem todo vestido de preto, com mais de dois metros de altura surgiu do nada em sua frente e o agarrou pelo pescoço. Sendo arrastado, foi levado até o interior do bosque por seu algoz que nada falava. André já estava se engasgando quando o homem o lançou contra uma árvore. Ele desmaiou por um curto período de tempo. Quando abriu os olhos, percebeu que estava com braços e pernas amarradas. A boca amordaçada o impedia de gritar, de pedir socorro. Ele não entendia nada do que estava acontecendo, apenas sabia que a situação não era nada favorável. Ao seu lado, o carrasco afiava um longo machado em uma pedra de amolar. Em nenhum momento olhou nos seus olhos. André debateu-se enquanto pode e a cada lado que conseguia virar sua cabeça, visualizava um crânio ou a parte decepada de um corpo qualquer. Ele então começou a chorar. Seus murmúrios podiam ser facilmente interpretados como um pedido de clemência, mas em nenhum momento o homem fez menção alguma de conceder-lhe a liberdade. O carrasco então se ergueu e voltou a sua face para ele. O rosto estava coberto por um lenço preto e impedia qualquer identificação. Se pelo menos pudesse ver quem queria lhe tirar a vida. O homem então falou: - És culpado. Culpado de tudo de ruim que acontece nessa porcaria de mundo. Você tem que morrer. Entende isso André? André estalou os olhos e pensou: - Como ele sabe o meu nome? Quem é esse cara? O que eu fiz?

André então chorou compulsivamente. Suas lágrimas vertiam em um rio sem nascente, onde todas as suas justificativas foram submersas e jamais seriam encontradas. Ele estava morto. O homem ergueu o machado e atacou sua perna esquerda. Três machadas violentas separaram o membro do corpo. A grama do bosque foi lavada em sangue. Após disso foi à esquerda. André gemia e chorava. Chorava e gemia. Um misto de sons que não havia como ser interpretado. Somente de dor. A cada machadada o gramado deixava mais e mais de ser verde e tornava-se um rio vermelho. O mais estranho era que André assistia a tudo; ele não desmaiara mais. – Você vai ver tudo, até a sua cabeça ser cortada, seu monstro. Só depois fechará seus olhos. – Disse o assassino.

Foram mais, em torno de, dez golpes, até que sua cabeça estivesse jazendo em uma sacola preta de plástico. O mortal homem de preto levantou. Ele estava de joelhos como se rezasse sobre o cadáver de André. Os membros ficaram espalhados pelo chão e a cabeça repousou sobre seu gigantesco ombro e o acompanhou na caminhada.

3 Horas depois.

A porta da casa foi aberta lentamente. Catarina ligou o interruptor da lâmpada e chamou por seu marido. Obviamente, não houve resposta alguma. Voltara a chover nessa hora e ela então falou:

- Entra, entra moço. Estamos sozinhos. Espero que tenha o meu dinheiro.

- Como que não belezura. Acha que vou deixar algum no penduro com você, é?

- Lógico que não. Vamos. Meu marido já foi para o trabalho e já que ele queria que eu me esforçasse mais. Vou ganhar mais um pouco de dinheiro hoje. Essa é a minha promoção no serviço.

Os dois riram muito e caminharam abraçados até o quarto. O velho homem andava com a mão pressionando a bunda de Catarina e ela... Ela continuava trabalhando. Em meio a tapas, gemidos e trovões, uma batida na porta os assustou. Ela deu um salto da cama deixando Gomes olhando atônito para seu relógio.

- Eu paguei por uma hora mocinha! Nem pensar em me deixar aqui nesse estado.

- Cala a sua boca! E se for meu marido? Vai... Levanta logo dessa cama e entra dentro desse armário. Se for ele, você vai ter que ficar escondido até que ele vá para o banheiro.

- E minha hora? Eu paguei...

- Foda-se! Entra logo ai!

Ela correu até a porta. Bateram mais duas vezes até que ela abraçasse com a mão a maçaneta. Ao abrir, um forte grito estrondou na velha casa. A cabeça de André olhava para ela. Posta em uma tigela cheia de sangue com os olhos abertos, os quais davam a impressão de que ele ainda estava vivo. Uma cena triste e aterrorizante. A, agora, viúva, correu com os olhos lacrimejando em direção ao quarto onde estava Gomes. A cabeça ficou esquecida na porta. Ao entrar no quarto, ela deparou-se com outra cena ainda mais macabra. O velho morria lentamente banhado em seu próprio sangue. Ele agarrava a garganta e o pastoso líquido vermelho descia por entre seus dedos em direção a seu peito. Catarina ajoelhou no chão e pôs as mãos no rosto. Chorou com mais força ainda. – Mas que merda é essa? Meu deus do céu. O que está acontecendo aqui? O QUEEE! – Ela gritava. A porta do quarto foi batida bruscamente e então Catarina encolheu os ombros. Lentamente virou a cabeça para trás. Lá estava ele. O homem de preto com o machado na mão. De arma em riste ele apenas repetiu a frase – VOCÊ É CULPADA E VAI MORRER POR ISSO! Um violente golpe da lâmina no pescoço de Catarina tratou logo de separar a cabeça do resto. Ele ainda desferiu mais algumas machadadas e terminou de esquartejar o corpo. Após, partiu para completar o serviço no velho. Pegou as cabeças e as colocou dentro do velho saco. Caminhou a passos lentos até a porta da casa. Parou em frente a uma fotografia do casal pregada na parede e entortou sua cabeça de um lado para outro, como se fosse uma coruja observando suas presas. Passou a mão ensanguentada por sobre o vidro do porta-retratos e continuou andando. Ao passar pela porta, recolheu a cabeça de André para dentro da sacola e partiu. À noite... Bem, à noite havia acabado de começar.

03 DE MARÇO DE 2020

O apresentar do telejornal da manhã anunciava na televisão:

- Massacre em São Paulo. Todos os moradores da favela de São Paulo foram encontrados mortos em suas casas hoje pela manhã. As autoridades não encontraram nenhuma pista sobre o que pode ter acontecido na noite passada e ainda não se pronunciaram sobre o caso. O chefe do departamento de polícia militar da cidade, Coronel Albuquerque, não falou com a imprensa. As cabeças dos moradores foram postas perfiladas em frente à delegacia de polícia do local. Inclusive, todos os polícias que estavam de serviço na noite passada também foram mortos. O único sobrevivente é um menino chamado Kauan. Mais informações em instantes.

M Damer Simas
Enviado por M Damer Simas em 21/02/2015
Código do texto: T5145382
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