O Jardim Deserto
 
 
 
 
 
A viagem foi temerosa, mas estava disposto a cumprir à risca o que o grande profeta ordenou. Dos parentes mais próximos e da linda Celeste, amor da minha vida, me despedi. Confesso que estava com medo, quem não estaria? Atravessar toda a via leitosa em uma missão desconhecida, assusta! Ainda assim, entrei na espaçonave com um sorriso de campeão. O meu plano, ou melhor, o nosso plano era encontrar vestígios de uma antiga civilização. Em especial, um jardim, o qual era o único lugar daquele planeta em que poderia restar alguma amostra viva daquela espécie. Segundo a visão do nosso grande mestre, o jardim era o lugar mais lindo que se podia imaginar. As flores coloridas formavam grandes aquarelas e o verde era tão vivo que dava vontade de se deitar sobre ele. O cheiro do local era doce e o ar puro como o amor. Pude perceber, pelo monitor que dá acesso a visão externa, as lágrimas dos meus, contive as minhas e aguardei o início da partida.
 
   Com as turbinas ligadas, parti. No céu negro, fui adentrando e o espaço, que outrora era tão distante, agora estava próximo como os meus sonhos estão da realidade. Cada segundo que se passava, olhava admirado, era a minha primeira viagem interplanetária, e agradeci por ter sido escolhido. O tempo foi passando e com ele o meu entusiasmo. Na minha companhia, o tédio estava, além, claro, da saudade que era uma ferida aberta. Entre os códigos de comando e o monitor que mostrava o ambiente do lado de fora, meus olhos ficavam. Até que estabilidade da espaçonave foi se perdendo assim como minha coragem. Quando olhei o monitor de comando, fiquei desesperado, pois indicava que o fim estava próximo, um buraco negro, com sua grande força gravitacional, sugava-me sem parar. E agora? O que diz mesmo os manuais? O que era feito nos treinamentos? Se lembra, lembra, lembra...vai...já sei...uma explosão, preciso provocar uma grande explosão que crie uma força de repulsão. Os meus dedos deslizavam rapidamente pelo sensor de comando enquanto torcia para que desse tempo. Fim das instruções agora era só torcida. A explosão veio e a espaçonave ficou um tempo parada,nesse momento fiquei desesperado, mas, logo em seguida, se soltou da gravidade. E com a força provocada veio a instabilidade que consegui controlar. Ufa! Respirei aliviado. Malditos buracos negros!
 
   Com a estabilidade readquirida, tudo voltou ao normal. Entretanto, uma grande explosão surgiu ao longe e depois uma luz fraca que foi ganhando forças. Assim que se tornou perceptível, caiu-me a ficha, fora um privilegiado, não bastasse ter conseguido escapar de um buraco negro. Presenciei o nascimento de uma estrela nêutron. Esta seria mais uma entre tantas que habitam esta galáxia.
 
   Depois de uma longa jornada atravessando a via láctea, na qual tive o prazer de presenciar o nascimento de super nova, eis que cheguei onde outrora se chamara de planeta d’água. Aqui, só restaram poeira e destruição, sendo totalmente diferente do jardim que o grande profeta anunciou. Seguindo as orientações deste, embora cansado, continuei a minha busca em meio às terras secas e ao ar poluído, até que encontrei o motivo de minha viagem, que segundo as profecias seria deslumbrante, mas aquilo que vi era outro cenário. Não havia flores, folhas e cores, apenas a terra seca e o pó. Andei pelas trilhas e li cada placa. Na que estava escrito orquídeas, não tinha nada. No canteiro que era para ter rosas, também não havia nada além de terra ressecada. As trilhas eram empoeiradas e no meio do caminho, entre panos velhos, encontrei fósseis, guardei uma pequena amostra. Acabei rodeando todo o terreno e não encontrei mais nada. Então coloquei os óculos de linha vital - que recria as imagens das linhas vitais que foram rompidas, reconstituindo vidas - ativei a tela de comando e programei para os meados do segundo século dos anos dois mil deste planeta, para saber o que se passara antes da destruição...
 
   Uma multidão se caminhava lentamente, em seus olhos não se podia ver esperança, cor... Seus passos eram cansados como se levassem muito mais do que o peso de suas vidas. Mulheres envolvidas em véus encardidos com seus pequenos, alguns nos colos, outros somente com as mãozinhas dadas às suas progenitoras vinham atrás e, na frente, os poucos homens que os acompanhavam empunhavam suas armas nas mãos, nos seus rostos, a coragem de quem está disposto a sacrificar a última gota de sangue por aqueles que tanto amam. O sol estava forte, como costuma ser nesta região do planeta. Alguns caiam padecendo de fome ou de sede, o certo é que não traziam mantimentos consigo e a morte se tornava tão certa quanto o medo que sentiam. Alguns dos homens evitam olhar nos olhos de suas esposas e filhos, porque não tinham ideia do que fazer para livrá-los do final trágico. Os mortos ficaram pelo caminho encobertos pelas areias quentes do deserto. Era uma questão de tempo e todos sabiam disso, até as crianças, mas elas mantinham uma esperança quente dentro do coração e este sentimento fazia com que os adultos persistissem na luta.
 
   Pararam para descansar e as mulheres que ainda tinham leite nos seios davam para a sua prole, que sugavam com força, pois até esse começava a secar, e quando retornaram ao caminho, depois dessa breve pausa, avistaram ao longe uma lagoa. As crianças sorriram encantadas e apontavam para imagem, já os adultos estavam céticos, pensavam que não passava mais de uma miragem em meio a tantas outras que tiveram no caminho. No entanto, os pequenos persistiam e puxavam suas mães pelo braço tentando as conduzir até local. Um, mais entusiasmado, saiu correndo e entrou na lagoa, mergulhou, emergiu e acenou para os demais. O menino brincava em meio à água cristalina e os adultos admiravam surpresos, por outro lado, a meninada largou-lhes as mãos e foi correndo na direção do seu amigo. Após algum tempo de silêncio, homens e mulheres sorriram e também partiram na mesma direção. Todos se banharam e por um pequeno momento esqueceram-se da guerra e aflições que lhes consumiam nos últimos tempos.
 
   A lagoa fazia parte de um oásis abandonado de um antigo sultão, não muito longe ficara o antigo palácio do eminente senhor. Agora, abandonado, servia de moradia para eles, que ao todo eram doze famílias que sobreviveram da grande guerra. As máquinas não se tornaram apenas inteligentes, desenvolveram sentimentos humanos e a necessidade de dominarem a tudo e todos se sobressaiu. Tramaram uma grande conspiração e, usando as armas dos seus criadores, devastaram a humanidade. Os que restaram, poucos, grupo que se tornou nômade e vivia pelos desertos do oriente, eram caçados. As cidades foram destruídas para não consumirem mais energia, sendo assim, teriam o necessário para alimentar os seus circuitos. Mas eles, os cibernéticos, sabiam, que enquanto os homens não fossem aniquilados, correriam risco de perderam tudo o que conquistaram. Então, montaram um grande exército, que cruzavam todos os tipos de dados em busca de uma análise que revelasse onde estariam seus inimigos.
 
   Por outro lado, com a descoberta deste mini paraíso pelos sobreviventes, surgiu a esperança e o pensamento de não cometerem os mesmos erros que foram cometidos por aqueles que conduziam o planeta.
 
   O menino que teve coragem de correr em direção às águas foi quem descobriu o jardim secreto, que ficava além de uma cadeia de dunas. Ficou maravilhado com tamanha beleza, em meio aos picos amarelo areia, havia o verde, o rosa, o violeta e tantas outras cores quanto se possam imaginar. Cada planta tinha uma essência especial, umas mais adocicadas, outras ácidas e em meio a essa diversidade de aromas singulares é que habitava a beleza que o fascinou. Egoísta, o pequeno foi. Não revelou aos seus próximos a nova descoberta, não fez por mal, mas sim por amor. Amava aquelas flores feito um beija-flor.
 
   Os dias foram se passando e as famílias conviviam harmoniosamente. Aquele ambiente era um ponto cego no deserto, não só por ter um palácio em meio às dunas, mas, principalmente, por chover no local. As chuvas não eram abundantes, é verdade, mas, em relação à aridez em volta, era espantoso. Se existisse algo com forças sobre-humanas, ele estaria compadecido com a terrível situação em que passavam. Iam sobrevivendo com o que conseguiam plantar e colher.
 
   Anos, os dias se tornavam apenas grãos de areia na ampulheta do tempo. O menino cresceu e já estava quase na hora de virar homem. Uma bela jovem lhe fora prometida, como manda a tradição, que apesar de tudo, ainda era seguida. Todavia o tempo não mudou o sentimento e a pureza que carregava consigo. Do jardim, continuava cuidando com o mesmo zelo, e, se dependesse dele, as flores que ali encantavam se tornariam um segredo milenar.
 
   O mal é uma serpente; fria e traiçoeira e, quando menos se espera, dá-lhe um bote certeiro. Esta víbora era de metal e possuía várias cabeças que em nenhuma havia uma gota de bom sentimento. Estavam prontas para pôr um fim naquela perseguição incessante. Com a primeira bomba, o andar superior do palácio desmoronou. Na segunda, a explosão foi interna e o jovem pôde ver sua mãe sendo rompida em pequenos pedaços. Os homens pensaram em pegar as armas, mas não tinha como fazer frente ao poderio bélico adversário, a única saída era a fuga e todos tentaram isso. Em meio aos gritos e à correria, procurou sua noiva, que chorava copiosamente, pegou-lhe nas mãos e tentou escapar daquele massacre. Conseguiram, foram somente eles que sobreviveram e quando se afastaram viram tudo pegar fogo. Decidiu levá-la ao jardim, era o local mais seguro. As imagens do ataque inimigo dançavam uma ciranda em sua cabeça, em especial o momento da morte daquela que lhe deu a vida. Contudo, precisava ser forte, sua prometida estava chorosa e o ideal seria passar-lhe tranqüilidade. As lágrimas dela desciam delicadamente na areia formando gotas grossas de barro. Nos olhos da jovem, o medo do que lhes aguardavam e a angústia protagonizavam um drama cinematográfico. Procurou-lhe acalmar, falou de coisas boas e lembrou-lhe que já passaram por situações parecidas antes de ingressarem nesta região. Acariciou o seu rosto delicado e em seus semblante viu um brilho astronômico. Beijou-a lentamente, inconscientemente pensava que seria o último beijo, e em seus braços virou homem.
 
   Conheceu o amor em sua plenitude, com todas as suas formas, cores e aromas. Na pele canela, sentiu o calor que afugentava o frio da noite, que estava estrelada em meio ao amor que se desabrochava.
 
   Levantou-se entusiasmado e a puxou pela mão. Iria lhe mostrar um segredo. Em meio aos canteiros de flores, havia um pequeno vaso com uma rosa, não era uma flor qualquer, possuía uma coloração intensa, um vermelho vivo que aquecia os olhos. Retirou o recipiente com cuidado do meio das outras plantas. Revelou-lhe que cuidara com muito zelo desde o momento em que tinha florescido. Num gesto de amor, deu a flor a noiva que sorriu encantada. Iria cortá-la e colocá-la como enfeite no cabelo quando ele advertiu.
 
   - Por que ceifar-lhe a vida para desfrutar de um breve momento enquanto pôde tê-la sempre linda e deslumbrante num vaso? – ela concordou e colocou a rosa de volta no mesmo local onde fora retirada.
 
   Destruição tem cheiro e muitas formas. Com sua estadia, os instintos de sobrevivência se alertam e disparam. Ele pressentiu o mal e este veio na sua imagem mais terrível: a morte. Num laser azul, o vermelho sangue tingiu a relva e sua amada foi cortada ao meio como uma pizza indigesta. Por de trás dos olhos do jovem, não havia medo, o ódio se instalou ali e um grito ecoou de sua garganta. Partiu sem destino, pois sabia do seu fim. As máquinas dispararam suas munições o reduzindo a retalhos...
 
   As imagens foram ficando retorcidas e depois fracas até que tudo se apagou. Retirou a pilha de Urânio três quintos do óculos e colocou no carregador que trazia na cintura. O filme que assistiu estava registrado, provavelmente serviria como pesquisa em algum centro de ensino. Ou também como base sobre teorias e ale de fonte de novas visões do grande profeta. O tempo estava passando e a hora do seu regresso se aproximou. Ainda assim havia tempo para mais um passeio pelo que fora o lugar mais lindo que já tinha visto. Entre areias e mais areias, andou e suas pegadas cravaram a marca de sua presença. Por fim, quando não restou nada mais a procurar, viu uma pequena cor em meio a terra seca. Com cuidado se aproximou e olhou uma pequena folha verde sobre um graveto seco. Ficou extasiado, era a primeira vez que viu uma planta. Como as flores são bonitas, não parava de repetir a si mesmo. Missão cumprida, receberia os méritos que seu feito merecia, mas algo lhe incomodou: não seria justo tirar o que restou de formoso deste pobre planeta. Decidiu ignorar sua descoberta. E, quem sabe, num futuro não muito distante, aquela plantinha consiga florescer e faça surgir algo belo em um planeta tão seco e deserto.
 

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Contadores de Histórias
Enviado por Contadores de Histórias em 18/02/2015
Reeditado em 13/03/2015
Código do texto: T5141767
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