A bolha de Sabão

As coisas mais importantes da vida são aquelas das quais raramente nos lembramos. Faz parte da natureza delas, não nos atormentar. Tudo o que nos ocupa demais, tira o nosso sossego, mina as nossas energias sem que com isso possamos chegar a algum lugar, é como uma maldição. Nada mais terrível do que erguer os braços e não alcançar, ou alcançar e erguer de novo, buscando... nunca se saciando, como se algo ou alguém conosco brincassem.

As coisas boas não são assim. Elas passam à margem das nossas vidas, e só acenam se olharmos para elas. Como tudo o que é simples, elas não levantam poeira, passam sem serem percebidas, e são pouco cobiçadas. Como a porta onde poucos passarão, as coisas simples não são largas, convidativas, como os olhos de uma medusa que nos incitam a olhar para eles.

Hoje, uma bolha de sabão entrou sorrateira por minha janela. Veio lá de fora, meio que trazida pelo vento, eu acho. Entrou cuidadosamente, como quem não quer nada, parecendo ter vontade própria, possivelmente no receio de vir a estourar. Veio ter na minha frente, depois de uns dois minutos passeando pelo meu quarto, curiosa.

Dentro dela, eu vi a minha morte. Como vai ser. O dia, a hora, e o local exato. Exatamente como num sonho há muito esquecido. Depois do susto me recompus, e fui pensar sobre o recado.

Ora, a morte é uma coisa tão natural. Os poetas sempre a aguardaram esperançosos, os justos, os abnegados. Estamos acostumados a querer viver demais, até não aguentarmos mais o peso de nós mesmos por sobre as pernas. Talvez, porque a nossa sociedade de consumo precise sempre de mais consumidores ávidos, trabalhadores perenes, e conceitos materialistas para se perpetuarem no tempo. Desnatural são as doenças, os abusos e o abandono, quando a sociedade ocidental percebe que a idade expurgou o homem da sua função de cidadão contribuinte que gere riqueza com o mínimo de prejuízo. O corpo humano não foi feito para adoecer, e nem mesmo para envelhecer, os cientistas reconhecem isso. Mas o foi para morrer, alguém duvida disso? Dizemos amar a Deus, a Cristo, e a todos os santos... mas quando eles batem à nossa porta, convidando-nos a ir com eles, corremos como nunca, e trancamos a porta por dentro.

Hoje, sou feliz. Posso andar sossegadamente de avião. Eu sei que não vou morrer disso. Posso andar tranquilamente por uma das rodovias malditas aqui do meu estado, que os políticos nos presentearam com as suas empreiteiras ávidas, pois também sei que não morrerei de acidente de automóvel!

Posso reagir a um assalto, mas isso não farei, vai contra a minha boa paz, e ao meu desapego, além do fato de eu não ser burro.

Posso ir viajar para o Afeganistão, Iraque, Síria, Rio de Janeiro... e talvez até dar uma caminhada no centro de Belo Horizonte... Bem, quanto a Belo Horizonte, não sei... não estou certo...

Pois eu sei que nada disso me matará.

Não ficarei num hospital dependendo da boa vontade de médicos jovens e insensíveis que nunca trabalharam e se formaram mais pelo dinheiro do que pela vocação, e que não estão dispostos - e com razão - a suportarem o fardo da saúde falha que o governo insiste em lançar em suas costas. Não me restará um segundo para pensar no derradeiro momento de partir. Será rápido, breve e digno. Não será antirreligioso e nem ferirá princípios morais. Eu não terei vontade e nem ação nisso. Será uma dádiva!

Sei que precederei aos que amo. Nenhum deles irá antes de mim.

Sei que vou pra casa, depois de um estranho passeio.

Sei que vou antes de fazer qualquer besteira, magoar alguém ou deixar uma marca negativa no mundo. Não levantarei poeira.

Eu sou feliz assim. Mas não porque morrerei. Ou morrerei naturalmente.

Mas sou feliz por que seguirei o curso natural que foi traçado pra mim. Não passarei pela mão do homem, (médicos mecânicos) nem pelo abuso do homem (contas abusivas em nome da "saúde"). Nem pelo engodo do homem (pílulas de placebo)

A nossa mágoa é grande. Aquilo que chamamos de morte, nada mais é do que um nome. Já a chamamos de outras coisas antes: Para aqueles que desejam nascer, ela é a vida, pois esvazia o mundo, para que aqueles que chegam, tenham aqui o seu lugar... Para muito seres do mundo, é a redenção, que vem retirar de cima daqueles ombros, o peso das guerras, das torturas, das torpezas humanas, e dar-lhes a leveza da eternidade. Para outros,ela é o progresso, pois a cada geração nova que surge, ideias novas surgem também, embebidas nas ideias dos que os precederam. E assim, ela é as crianças que nascem e o sorriso que elas trazem, pois para cada ser que morre, outro nasce, essa é a lei. E finalmente, para muitos outros, já teve o nome de justiça, em sua mais pura forma, pois todos têm o direito de nascer, e a cada um cabe a sua vez sobre este mundo. Dizem, que nenhum homem morrerá em vão sobre este mundo, e assim tem sido... desde o inicio dos tempos.

Durante 13 bilhões de anos, eu estive morto, e em apenas 30 desses anos eu estive vivo.

Sabe, no final de tudo, vou é pra casa mesmo...

Quando a bolha estourou ela só deixou de ser bolha, não deixou de ser sabão.

London
Enviado por London em 11/02/2015
Reeditado em 25/02/2015
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