Jogo com a Boca

Se você está vendo esse vídeo é porque eu estou morto.

Que clichê, né? Aliás, dizer um clichê e depois chamá-lo de clichê também já virou um clichê. Enfim, vamos ao que interessa. Meu nome é Vítor. Eu estou morto. Tirei de circulação nove indivíduos perigosos que, se eu morri, morreram também. Mas não estou aqui para contar o que aconteceu com eles. Essa gravação é para contar o que aconteceu comigo.

Certo dia acordei sentado em um vaso sanitário, no fundo de uma piscina pequena, vazia. Nu. Minhas nádegas estavam coladas ao sanitário. Um cano começou a jogar água na piscina. Fiz força. Minha pele começou a rasgar. Eu gritava e xingava, mas ninguém me respondia. Era um jogo, onde a única regra estava escrita no teto: use a boca.

Quando finalmente consegui me soltar, minha barriga começou a doer. Havia uma linha metálica ligando alguma coisa no interior do meu corpo ao interior do vaso. Puxei. Nunca senti um incômodo tão grande em toda a minha vida. A linha puxou um pequeno gancho, que tirou para fora uma corda azul, cheia de veias. Doeu, muito. Foi como evacuar um pulso. A água da piscina já cobrindo meus calcanhares.

Tente imaginar a cena. Eu olho para a corda enquanto parte dela rasga. E jorra sangue. E jorra pedaços de feijão semi-digerido. Continuo puxando, e puxando. A corda vai saindo pelo meu corpo. Estico os braços em direção à borda da piscina. Aí finalmente me convenço do que eu não queria acreditar: a corda é meu intestino grosso.

Restos de comida vão caindo no chão, misturando-se à água e ao sangue. A água na minha cintura. Não dava para usar as mãos para arrebentar a coisa, por ser escorregadia demais. Decidi tentar soltar o gancho, levei um choque tão intenso que cai sentado sobre meu cólon. Ai eu entendi: eu tinha que usar a boca!

Respirei fundo e roí.

Foi mais de um metro de tripa sacrificado. Com o tempo acabei aprendendo a comer só coisas que pudessem ser digeridas em poucas horas, menos leite. Depois que senti o gosto do meu intestino nunca mais consegui tomar leite. Mas eu sobrevivi, e assim aprendi a valorizar minha vida e decidi ensinar outros a valorizá-la também. Se você está vendo esse vídeo, aquelas nove pessoas não conseguiram aprender a lição. E eu devo ter morrido no processo. Mas pode ter certeza de uma coisa: eu morri lutando.