Ex 20

I

Um apito soa. Oito homens e duas mulheres acordam, deitados em volta de um velho piano, quase ao mesmo tempo. Suas cabeças doem, não se lembram como foram parar ali. A sala é redonda, com cortinas amarelas penduradas em um suporte metálico acima deles, enroladas com laços vermelhos. Há quadros de santos católicos nas paredes e uma pequena(mas pesada) placa de pedra sobre o piano, com os dizeres "Ex 20". Desconfiados, todos tentam ver algum rosto conhecido.

- Joemir? O jogador de futebol? É você, cara? - Pergunta o Advogado, um homem de paletó e gravata, usando óculos.

- Sou. - Responde o jovem de cabelo estranho. - Só que eu não vou dar autógrafo até saber onde tô.

- Alguém aqui sabe que lugar é esse? - Pergunta o Marombado, um homem extremamente musculoso, usando uma camiseta colada no corpo.

- A gente "fomo" sequestrado, galera! - Diz um jovem de dezoito anos com roupas caras e um colar prateado escrito "Vítor".

- Talvez o sequestrador esteja entre nós. - Diz um careca, com demônios tatuados por todo corpo.

- O que a gente faz, então? - Pergunta a Loira de vestido rosa e pernas torneadas.

- Que tal fugir? - Responde o Tatuado.

Vitor é o primeiro a investigar a sala. É pequena, não tem nenhuma saída. Desamarra uma das cortinas, uma bolinha amarela cai. Nela a frase, quase ilegivel: "Aquele que profanar uma imagem sagrada será morto."

- Pô, eu sou pobre pra caramba! - Diz uma mulher de seios fartos, que a Loira classificaria como "gorda" e Vítor como "gostosa". - Quem ia querer me sequestrar?

- Talvez seja algum psicopata. - Responde o Tatuado, ainda não se incomodando com os olhares desconfiados. Está acostumado ao preconceito com suas tatuagens.

- Eu não tenho dinheiro também não! - Grita o único negro do grupo, como se o sequestrador pudesse ouvi-lo de alguma maneira. - Eu moro na favela! VOCÊ PEGOU A PESSOA ERRADA!

- Para de gritar no meu ouvido, ô estereótipo! - Diz um homem alto e forte, não como o Marombado, mais parecido com um ator de filmes de ação. - Ele não pegou a pessoa errada.

- Como você sabe? - Pergunta outro jovem, o mais alto do grupo. No seu braço está escrito "Vinícius e Daniel, amor eterno".

- Eu só... sei. - Diz o "ator de filme de ação".

- Do que cê me chamou? - O Negro pergunta, mas o homem ignora-o. Enquanto isso o Advogado encontra outra bolinha amarela no pé do piano, com algo escrito. Mesmo de óculos, não consegue ler. Entrega para o Marombado.

- Aqui está dizendo que quem disser uma certa palavra será morto.

- Que palavra? - Pergunta Vitor.

- Não tá escrito.

Joemir tira o laço de outra cortina. De dentro dela cai um papelzinho, escrito "CITES". Ninguém percebe que ele pegou o papel.

- Achou alguma coisa? - Pergunta a Gostosa/Gorda.

- Não.

Os outros vão abrindo as cortinas também. Joemir encontra outro papelzinho com os números "12534", que esconde. Começam a ouvir berros infantis, como se crianças estivessem sendo torturadas, saindo das paredes. Todos se assustam. Finalmente, todas as cortinas são desamarradas, cobrindo completamente a área em volta do piano. A Loira encontra um papel escrito "amareloverderosaazul". O homem com as feições de ator de filme de ação toma o papel da mão dela para examiná-lo melhor.

- Ai! Seu bruto!

- Me... Desculpe. Não foi minha intenção machucar você.

- Tudo bem, dessa vez passa. - Diz a Loira, sorrindo. - Qual o seu nome, bonitão?

- Ah.... Arthur, e o seu?

- Pelo amor de Deus, gente! - Reclama Vinícius(ou seria Daniel?), bem masculino. - Vamos nos concentrar no problema. Tem um maluco tentando matar a gente. Não é hora de ficar flertando, é?

Um celular toca. Está embaixo do piano, Gorda/Gostosa pega. Atende e coloca no viva-voz.

- Olá, Amanda. - Diz uma voz computadorizada, Amanda é o nome da Gorda/Gostosa. Ela e Joemir são os únicos a ouvir, bem baixinho, o som de dedos digitando rapidamente. - Eu quero jogar um jogo com vocês. Todos...

- Quem é você? - Pergunta Vitor.

- O próximo a me interromper morre. - A voz diz, e embora não haja nela qualquer tom para impor uma ameaça, todos conseguem senti-la. - Todos vocês têm segredos. Segredos que, se contassem para os outros, acabariam tendo problemas. Acho que vocês são indignos dos corpos que possuem. Esse jogo é para isso, fazer vocês merecerem o ar que respiram. A situação é a seguinte: há dez regras que vocês terão que descobrir e cumprir para vencer o jogo. As quatro primeiras são: Aquele que destruir uma imagem sagrada será morto. Aquele que disser a palavra "Deus" será morto.

- Oh, droga... - Murmura Vinícius.

- Vocês só podem sair das salas de dois em dois, de mãos dadas. E, a quarta é: Quem descumprir alguma ordem sonora além das dez regras também será morto. Por exemplo, quando eu disse para não me interromper, Vinícius, era uma ordem sonora. O que me lembra que você disse a palavra proibida agora há pouco. Precisamos consertar isso, não? Certo... Esse é um recado para os outros noves. Saibam que, enquanto Vinícius viver, vocês estarão em perigo. Espero que pensem bem no que vão fazer para sair dessa e das próximas salas.

A ligação termina. Todos se olham, assustados, por alguns instantes.

- Precisamos matá-lo. - Diz Arthur. - O cara deixou bem claro. Se a gente não matar ele vai morrer aqui.

- Espera gente, não precisamos chegar a tanto. - Diz o Marombado. - Deve haver alguma maneira de sair daqui. Nós entramos, podemos sair. É só a gente... Procurar melhor.

O Negro é o primeiro a tirar um quadro da parede. Com todo cuidado, uma imagem de Santa Paulina é colocada no chão. Depois Vitor tira um de Roque Gonzales. Em seguida já põe no chão o de Santo Afonso Rodrigues. Como desconfiava, atrás do quadro, há um cofre; e um pequeno teclado alfabético. O Advogado é o único a estranhar o fato de todos estarem entrando no jogo com tanta facilidade.

- Putz grila! Meu, não faço a menor ideia de que senha é essa. Alguém tem alguma sugestão? - Diz Vitor. - É de cinco letras.

- Tenta CITES. - Diz Joemir, entregando para Vítor os papéis que encontrou. Sem fazer perguntas, Vítor vai direto digitar a senha. Não é essa. Dá uma olhada melhor nos papéis, talvez seja outra coisa...

II

Enquanto isso, o Tatuado percebe que uma pequena parte do chão é oca. Pega a placa de pedra em cima do piano, com o "Ex 20" escrito, e joga com toda a força nessa parte oca. Ela quebra, revelando um pequeno compartimento secreto. Dentro dele, um martelo.

- Opa, já sei! - Vítor diz e digita a senha CIEST no cofre, relacionando o CITES com o 12534 dos papeizinhos. O cofre apita e abre. Dentro dele, uma chave de fenda.

- Não adianta ficar só procurando pistas. - Diz Arthur. - Infelizmente, enquanto o Vinícius viver nós não teremos salvação.

- Concordo. - Diz a Loira.

- Esperem, vamos procurar mais um pouco, primeiro! - Diz o Marombado.

- A vida dele não vale mais do que a nossa. - Fala Vítor.

- Quem vai fazer? - Pergunta a Loira.

- Eu faço. - Diz Arthur.

- Não, gente! Não! Vocês não podem entrar no jogo dele! - Diz Vinícius. - É isso que ele quer, que a gente se mate. Poxa, eu vou morrer por dizer "Deus"? Vocês acham justo?

- É de uma vida que estamos falando. - Diz o Advogado. - Se matarmos ele não seremos melhores que o monstro que nos colocou aqui. Sejamos racionais!

- Não dá para ser racional em uma situação dessas. - Diz Vítor.

- Me dá essa chave aqui. - Joemir diz para Vítor, que lhe entrega a chave de fenda. O jogador de futebol certifica-se que é bem pontiaguda.

- Não, cara, não faz isso! - Diz Vinícius, recuando. É dez centímetros mais alto e um pouco mais forte que Joemir, mas ainda assim ele tem uma arma. Uma chave de fenda, mas uma arma. Quando finalmente percebe que palavras são inúteis, o modelo decide lutar. Os outros assistem a brigam como quem vê uma luta de boxe, exceto o Advogado, que está visivelmente abismado, e o Marombado, que procura alguma pista.

Vinícius acerta um soco fraco em Joemir, sua cabeça balança para trás por um instante. Depois outro, e outro, e um quarto mais forte. Um pequeno filete de sangue começa a escorrer da narina direita dele, que tenta golpeá-lo com a chave. O braço do modelo é mais longo, jogando-o para trás com um murro.

Toda vez que Joemir tenta aproximar-se, Vinícius tentar acertar-lhe um murro. Agora mais cuidadoso, o jogador desvia de quase todos. Eles vão rodando em volta do piano, a cada cinco socos no ar de Vinícius acerta uma vez e Joemir tenta golpeá-lo duas. Após quase um minuto o jogador consegue atingir o queixo de Vinícius, fazendo um corte vertical de três centímetros. Arde. O jogador pula para cima dele e tenta furar seu peito, Vinícius desvia sua mão e a chave atinge, de raspão, sua cintura. Dá três passos para trás.

- Vem pra cima, sua bichinha. - Diz Joemir, sem a menor ideia do quanto isso ofendeu o modelo. Vinícius olha-o com ódio. Não o ódio de alguém muito ofendido, não, Joemir já viu isso antes. Mas essa é uma coisa que ele nunca viu. É algo brutal, doentio. Pela primeira vez em anos, o jogador sente medo.

Não é gritando, bufando ou ficando vermelho que o modelo expressa sua raiva. É pulando no pescoço de Joemir e agarrando-o. Os enormes polegares pressionam seu pomo-de-Adão com tanta força que sua impressão é que ele vai quebrar. Joemir ainda enfia a chave de fenda na barriga de Vinícius, mas ele continua apertando. A Loira acerta uma martelada em sua cabeça.

Zonzo, Vinícius larga o pescoço de Joemir e afasta-se dele. Os dois precisam de alguns segundos para recuperar o fôlego. Ninguém mais se mete, continuam olhando. O primeiro a atacar novamente é Vinícius, com um soco cruzado.

O modelo tenta dar outro soco, Joemir desvia e enfia a chave na barriga dele, tentando atingir o diafragma. Erra e dá três passos para trás. Ainda zonzo, o modelo vai para cima dele dando socos no ar e Joemir acerta sua barriga de novo. Um soco no nariz de um lado, dois golpes com a chave do outro. Finalmente Joemir crava a chave de fenda no peito.

O modelo dá dois passos para trás. O jogador vai para cima dele dando uma sequência de socos fortes, os ossos de sua mão rasgando pele e músculos, tanto dele quanto do inimigo. Vinícius cai e Joemir tira a chave do seu peito. Senta sobre ele e enfia-a em seu olho direito. Depois, no outro. Vinícius grita, e seu grito fica mais intenso quando o jogador enfia metade da chave de fenda em seu pescoço com um golpe. Tira a chave e, com as duas mãos, crava toda a ferramenta na sua garganta. E de novo, e de novo, e de novo, e...

- Acabou. - Diz Amanda, assim, sem ponto de exclamação.

- Já chega, cara. Chega! - Diz Vitor. Joemir olha-o com raiva, mas joga a chave de fenda longe e sai de cima de Vinícius.

- Aqui, tem uma placa de metal embaixo do piano. - Diz o Marombado. - A chave de fenda é para desprender os parafusos. Acho que tem alguma coisa atrás dessa placa.

- Com licença. - Arthur diz, pega a chave de fenda suja de sangue e ele mesmo tira os parafusos da placa. Encontra um papel, com uma partitura. - Só para saber, alguém ai sabe tocar piano?

Todos levantam a mão.

- Como eu pensei... - Arthur diz e senta-se ao piano. Começa a tocar a canção. Logo ele reconhece a música "Tubular Bells", do músico Mike Oldfield(aquela do Exorcista). De repente, parte da parede começa a se mover. Uma passagem secreta para fora da sala é aberta. Todos se movem para lá imediatamente.

- Esperem! - Diz o Marombado. - Não se esqueçam do que o cara disse. Só podemos sair daqui em duplas.

- Mas nós somos nove! - Lembra o Negro. Todos se olham por um instante.

- Tive uma ideia! - Diz o Marombado. Vai até o corpo de Vinícius e carrega-o nas costas, segurando suas duas mãos. Todos entendem o que ele está fazendo, o sangue do morto sujando o corpo musculoso do vivo. Os outros se dividem em duplas e, de mãos dadas, atravessam para o próximo ambiente; a maioria dos homens se incomoda um pouco com isso, mas aceitam o fato.

A próxima sala é aparentemente um apartamento comum, com paredes de tijolos não-pintados, piso de madeira e decoração predominantemente marrom. Há uma janela também, mas um muro foi construído para obstruí-la; perto dela, um quadro-negro com "Ex 20" escrito com giz. O celular, que está com Amanda, começa a tocar.

III

- Saudações! Espero que vocês estejam se divertindo. Parabéns Maicom, foi bem esperto ter usado o corpo do Vinícius para se salvar. - A voz computadorizada começa. Maicom é o nome do Marombado, que a essa altura larga o corpo de Vinícius sobre o sofá, temendo ter feito alguma coisa errada. - Tentem forçar a janela, ou a porta. Posso garantir que só um tanque seria capaz de sair desse lugar à força. Acho que é hora de contar a quinta regra: não matarás. Bem, vocês já sabem que se o Joemir continuar respirando por muito tempo, podem acabar perdendo essa dádiva. Lembrem-se: o X mostra o tesouro.

A ligação termina. Novamente todos se olham. Mas se matarem Joemir, o ciclo de assassinatos será infinito. Então, o que fazer?

- Temos que achar uma maneira de sair daqui. - Diz a Loira, respondendo em voz alta a pergunta que todos se fazem. Rapidinho Joemir pega uma pedra verde em cima da tábua de passar roupa. Enquanto isso, o Negro acha uma chave atrás do extintor de incêndio. Maicom dá uma olhada na janela e na porta, só para garantir que elas não podem ser arrombadas. O Negro testa a chave na porta, não é essa. Depois testa em um armário, abrindo-o. Encontra uma caixinha de ferro, com um cadeado bem resistente. Maicom tenta abri-lo a marteladas, mas não dá certo. Na caixa, um papel com o número "0871".

Amanda acha um pedaço de metal debaixo da mesa. O Advogado tira um quadro na parede, o profeta Maomé recitando o Alcorão na Meca. Atrás dele, um X feito com giz. Pensa em destruir o quadro para pegar algo dentro, mas acha melhor não. Avalia melhor a imagem... O quadro foi feito todo em preto e branco, as únicas cores estão nas roupas dos quatro homens que estão ouvindo Maomé. Respectivamente: azul, amarela, verde e roxo.

No outro armário, Maicom encontra uma caixa de vidro, com um bilhete escrito "não destrua". Dentro da caixa, outra chave. Há um buraco para enfiar a mão e pegá-la, mas logo acima do buraco há uma grande lâmina losangular, semelhante a uma guilhotina. A chave está presa por um fio ao dispositivo que segura essa lâmina e quem quer arrebente esse fio terá que tirar vinte centímetros de braço de dentro da caixa antes que a guilhotina, caso acionada, deixe-o maneta.

- Algum voluntário? - Pergunta Maicom.

- Ô bonitão, tenta tirar a caixa dali. - Diz a Loira para Joemir. - Eu tive uma ideia.

Joemir e Maicom puxam a caixa, com todo o cuidado, para fora do armário.

- Calma ai, você não vai quebrar a caixa, vai? - Pergunta Maicom. - Esqueceu a quarta regra? Quem descumprir alguma ordem será morto.

- Na verdade... - Diz o Tatuado. - ...ele disse que quem descumprir uma ordem SONORA será morto. Ele não falou nada em ordem escrita.

- É isso ai! Eu vou quebrar a caixa. - A Loira diz e, com cuidado para não se machucar, destrói a parede da caixa do lado oposto à mini-guilhotina dentro dela. Quando arrebenta o fio que prende a chave, a guilhotina é acionada; tão rápido que qualquer um que tivesse tentado pegar a chave de outra maneira acabaria perdendo a mão.

A Loira tenta abrir a porta com a chave, mas não consegue. Tenta o cadeado que tranca aquela caixinha de ferro, e descobre que a chave é dali. Dentro da caixinha, várias fotos de um casal. Jantando em um restaurante, passeando na rua, entrando em um motel. E os dizeres "Yago e Karina". Todas as fotos têm datas, foram tiradas no mês passado.

- É a minha namorada! - Diz Arthur, olhando furioso para o Advogado. O Yago da foto é ele. - Então você anda saindo com a minha namorada, né, garanhão?

- Não, espera ai, deve ser só uma montagem! - Diz Yago. - Eu... Eu nunca vi essa mulher na minha vida.

- Ah, é? Então por que você tá suando desse jeito?

- Eu estou... Eu tô nervoso, cara. Calma ai, calma, é tudo um engano. É isso que ele quer, que a gente se mate!

- Vamos nos concentrar no que interessa. - Diz Vítor. - Depois vocês "resolvi" o que têm que resolver.

- Concordo. - Diz Arthur. - Depois resolvemos este assunto.

Enquanto isso, Amanda investiga a janela. Maicom a abriu, há um muro obstruindo-a. Ele não reparou que há uma pedra vermelha cravada nele. Há também um "X" escrito com giz. Arthur tira a pedra com a chave de fenda e depois joga a ferramenta no chão. Discretamente, Yago pega. A Loira arrasta uma poltrona e acha uma pedra marrom. Vítor arrasta um sofá e encontra um pequeno cofre no chão, com espaço para uma senha de quatro dígitos e um símbolo escrito com giz que reconhece ser a letra grega "pi", desenhado ao seu lado com giz.

Arthur arrasta a máquina de lavar e encontra, atrás dela, outro cofre um pouco maior. Ele tem um teclado acoplado, que ao invés de letras ou números tem teclas com trinta cores diferentes. Aperta, respectivamente, as cores azul, amarela, verde e roxo. Erra uma duas vezes no processo, ao confundir azul com azul claro e amarelo com lima. Mas, finalmente, encontra uma pistola, com uma bala. Vítor digita 3141 no primeiro cofre e ele abre. Dentro dele, uma pequena estaca de metal, pontiaguda.

Joemir aproveita um momento de distração de Arthur e quebra um abajur na sua cabeça. Toma a pistola da sua mão e aponta para todos. Enquanto isso, Yago se afasta deles, permanecendo inalterado. Nota que há alguma coisa atrás do fogão. Arrasta-o, outro cofre. Há um painel, sem nenhuma tecla, apenas quatro pequenos espaços vazios. Na parede próximo ao cofre, escrito com giz, o número "59831".

- Ninguém chega perto de mim senão eu mato. - Joemir diz.

- Não precisava disso tudo cara. - Diz Arthur, levantando-se. - Ninguém vai matar você aqui.

- Por enquanto não. - Diz o Negro.

- Vamos ao que interessa. Me dá o martelo, querida. - Vítor pega o martelo com a Loira e, com a ajuda da estaca, quebra a parede da janela no ponto onde há o X. Como imaginou, aquele tijolo é oco. Ainda há uma parede atrás do muro, mas o importante é o que está dentro do tijolo: uma pedra azul.

- Pra que serve essas pedras ai? - Pergunta Maicom.

- Tenta aqui. - Diz Yago, apontando para o cofre com os quatro espaços vazios. Vítor pega as quatro pedras e coloca nos espaços, cabem exatamente ali. O cofre apita e abre sozinho. Dentro dele, outro celular. Começa a tocar no exato momento que eles encontram. É o Negro quem o pega.

IV

- E então, o que foi agora? - Ele pergunta, desafiador.

- Olá, Gustavo. - Diz a voz computadorizada. - Por favor, não seja burro e deixe a ligação no viva-voz para que todos ouçam.

- Ah, beleza, foi mal. - Gustavo diz, olhando para as paredes para procurar alguma câmera. Nenhuma visível, ativa o viva-voz.

- Obrigado. Sabia que você é meu predileto? Acho que você vai ser o único a sobreviver. Bem, eu quero te dar um prêmio. Não estou te ajudando, eu daria para qualquer um que fosse o primeiro a pegar o celular. O prêmio é o seguinte: você terá o direito de matar uma pessoa. A qualquer momento durante o jogo, pode ser agora, pode ser mais tarde. Você pode matar alguém sem sofrer nenhuma consequência. Como se sente? Espero que esteja feliz. Leve esse celular contigo. Conversamos mais tarde. Vocês têm dez segundos para sair da sala.

A porta se abre, bruscamente. Todos se dão as mãos, em duplas, e caminham rapidamente para a saída. O único a não formar dupla é Arthur, que agarra o corpo de Vinícius e se encaminha para a porta. Atropelam-se, mas todos conseguem passar. A quarta dupla é Arthur e Vinícius, a última é Vítor e Amanda. No último segundo, quando os últimos atravessam a porta, Amanda dá um coice em Vítor. Ele dá dois passos para trás, voltando para a sala, e cai. A porta se fecha, trancando-o ali.

- O que aconteceu? - Pergunta Maicom. Vítor começa a bater na porta, que apesar de parecer de madeira é extremamente resistente, de maneira que até mesmo o som de seus berros são abafados.

- Não sei, acho que ele tropeçou e caiu para trás. - Mente Amanda.

- Agora somos oito. - Diz a Loira, com um pouco de medo.

Esse ambiente imita o interior de um avião da Velog. Espalham-se pelas salas e corredores, procurando pistas. Arthur deixa Vinícius em um canto qualquer. Joemir acha um cofre semelhante àquele das pedras, com quatro espaços vazios; um círculo, um triângulo, um quadrado e uma estrela. Provavelmente terão que encontrar pedras semelhantes para abrir o cofre. A Loira acha outro, com um teclado numérico. Não faz a menor ideia de qual seja a senha, então decide procurar mais pistas.

- Boneca, você pode vir aqui? - Yago chama a Loira. Ele e o Tatuado estão analisando uma saleta, por fora, que parece um elevador. Dentro dela um homem morto, já em estado de rigor mortis. No seu pescoço, uma corrente com uma chave pendurada. Há uma placa acima dele escrito "1,5 kN".

- Não me chama de boneca. - Diz a Loira.

- Sinto muito, é que eu não sei seu nome.

- Isso também não importa muito. - Ela diz. - Pode me chamar de Lorena.

- Lorena, tá vendo aquela placa? - Diz o Tatuado. - Acho que ela indica 1,5 quilonewtrons, aproximadamente cento e cinquenta quilos. Acho que tem algum tipo de balança no chão, que vai ativar alguma armadilha se mais de cento e cinquenta quilos estiver nela. Precisamos que você pegue aquela chave.

- Por que eu?

- Você é a mais leve entre nós.

- Ah, saquei. Se são 150 quilos, tá tranquilo. - Ela diz e coloca o primeiro pé na saleta. Ela abaixa um centímetro, fazendo um click, dando um susto em Lorena, que grita.

Um pouco antes, Maicom e Joemir se cruzam, passam um pelo outro sem se olhar. No momento que Joemir dá as costas para ele, Maicom acerta uma pancada na sua nuca que o derruba. Joemir aponta a pistola para ele, Maicom toma de sua mão. Gustavo chega no corredor na hora, Maicom entrega a arma para ele.

- Faça. - Maicom diz. - Você pode. Mate-o.

- Não, eu não posso!

- Mate ele.

- Não.

- Mate ele!

- Não!

É nesse momento que Lorena grita.

- O que tá acontecendo? - Pergunta Gustavo, indo em direção ao grito.

- Espera. - Maicom segura seu braço.

- Se você tentar mandar em mim mais uma vez eu abro um buraco entre esses seus olhos esbugalhados. - Ameaça Gustavo. Os dois se encaram por um instante, Maicom solta-o. Gustavo, depois Arthur, depois Maicom, chegam ao corredor onde está a saleta móvel. Cruzam com Yago, que decide continuar procurando pistas.

- Não se preocupe Lorena, eu já imaginei que isso ia acontecer. - Diz o Tatuado. - Mas vai ficar tudo bem. A não ser que você pese mais de oitenta quilos, já que tem o peso do cara também.

- Tem certeza?

- Não. Você vai ter que arriscar.

- E se eu não quiser?

- Te jogo ai dentro e a gente descobre o que acontece.

- Sorte sua que o martelo ficou para trás. - Lorena retruca, coloca o pé de novo dentro da sala. Esta abaixa um pouco, mas fica firme. Coloca o outro e a sala abaixa mais um centímetro. Dá um passo de cada vez, lentamente, até o corpo. Enquanto isso, Yago está analisando aquela cofre que Lorena achou. Digita 12534, nada. Depois digita 0871, e o cofre abre. A única coisa dentro dele é um papel, escrito: 7- Não roubarás.

No momento que Lorena tira a chave do pescoço do cara morto, o elevador desce bruscamente. Arthur tenta puxá-la para fora, tendo seus braços presos entre o teto do elevador e o chão. Todos que estão perto podem ouvir o som dos ossos dos seus antebraços se quebrando, mesmo em meio ao seu grito de dor. Quando Amanda chega, é a primeira a notar o "7- Não roubarás" escrito em cima do teto do elevador. Um cheiro estranho é sentido por todos, tão desagradável que lhes causa imediata dor de cabeça.

- Pelo amor de Deus, me tira daqui! - Grita Arthur. - Isso é ácido hidrazoico!

- Ácido hidrazoico?! - Grita o Tatuado. - Corre todo mundo, vai explodir!

Tiveram três segundos para afastarem-se do elevador antes que explodisse. Arthur ainda demora alguns segundos queimando antes de seu corpo parar de resistir.

- Como você sabia que ia explodir? - Pergunta Gustavo.

- Acho que isso já não importa mais. - O Tatuado diz.

- O que foi isso? - Pergunta Joemir, chegando.

- Uma armadilha. - Responde o Tatuado, levantando-se.

- Eu achei que tinha sido eu. Acabei de abrir uma porta bem ali. - Diz Joemir. - Acho que é a próxima sala.

- Droga! Desgraçado! - Grita o Tatuado. - Nós podíamos ter saído desde o começo! Não precisávamos da chave! Bem que eu estranhei que esse ambiente era tão grande. Ele só queria que nós desobedecêssemos alguma regra. Desgraçado!

Em três duplas, passam para o próximo ambiente. É uma pequena sala vazia, toda branca, com uma grande mesa de madeira no centro e onze cadeiras. Em uma das paredes está escrito "sente-se", e é o que eles fazem. Em uma das cadeiras há um boneco, que parece uma criança de cerca de cinco anos em estado avançado de decomposição. Aquela mesma voz computadorizada sai de dentro dele, enquanto sua boquinha mexe como um boneco de ventríloquo.

V

- Olá, senhores. Esperava que mais de duas pessoas morressem nas armadilhas, mas, quatro? Decepcionaram-me. Vamos para o próximo jogo? Bem, a oitava regra é: não mentir. A porta do outro lado dessa sala está aberta e vocês poderão passar por ela no momento que desejarem. A questão é que esse boneco tem alguns quilos de explosivos capazes de destruir tudo nessa sala. Acham que podem fugir mais rápido do que eu aperto o botão para detonar? - O boneco faz uma pausa. - Não foi uma pergunta retórica.

- Não. - Os seis respondem, quase ao mesmo tempo.

- Bem... Há também, dentro do boneco, um moderno detector de mentiras. Ele não é 100% seguro, obviamente, mas vai servir para o meu propósito. Farei dez perguntas para vocês e terão que respondê-las. Se alguém mentir, o jogo acaba. Não, vocês não morrem, poderão ir para a próxima sala. Mas a pessoa que mentiu terá que pagar uma pequena "prenda". Entendido? Ah, é o momento de dizer que o idealizador dessas armadilhas, a mente genial que escolheu vocês para estarem em nosso jogo, decidiu jogar também. Sim, um dos dez que acordaram na sala do piano é o responsável por vocês estarem aqui. E ele ainda está vivo. Alguém tem algo a dizer antes que comecemos?

- Vai se ferrar. - Diz o Tatuado, furioso.

- Oh, sim. Certo. Você será o primeiro, Iam. Também estou apostando em você. Um homem tão forte, tão rancoroso e torturado, é um ótimo soldado. E tão inteligente! Não preciso dizer que você é um gênio, sabe disso. Não tem a coragem e a determinação que fazem do Gustavo um campeão, mas tem algo a mais. Talvez seja esse algo a mais que te faça fazer tantas tatuagens.

- Faça logo a maldita pergunta!

- Pergunta número 1: Sopa ou comida?

- Como é?

- Limite-se a responder a pergunta.

- Sopa é coisa de pobre. Prefiro comida. - Diz Iam.

- Certo. A pergunta número 2 vai para Yago. Você, seu advogado corrupto, julga-se uma boa pessoa mas é tão nojento quanto os lixos que ajudou a libertar. Hipócrita maldito.

- Por favor, se você me libertar eu juro nunca mais trapacear! Nunca mais vou burlar a lei, eu prometo! - Diz Yago.

- Interessante. O detector diz que você está sendo sincero. Bem, vamos à pergunta 2: se o vinho é líquido, como pode existir vinho seco?

- Vinho seco é aquele que tem pouca glicose.

- O próximo é você, Maicom. - Diz a voz. - No fundo é tão torturado e reservado quanto o Iam. Além de ser ingrato. Merece sofrer até a morte nesse lugar pelo que fez com seus pais. É por causa deles que está aqui hoje.

- Como você sabe dessa história?! - Pergunta Maicom.

- Pergunta 3: Por que a professora das piadas do “Joãozinho” insiste em perguntar as coisas para ele se sabe que ele vai dizer besteira?

- Você tá de sacanagem, né?

- Responda à pergunta.

- Sei lá, deve ser porque ela gosta de uma safadeza. Onde você quer chegar com essa pergunta?

- Próximo, Joemir. O predador selvagem. Você adora a violência, não é mesmo? Ah, é um aventureiro nato! Quantos rivais seus te venceram nos campos e ainda estão vivos, hein?

- O que você está insinuando? - Pergunta Joemir.

- Pergunta 4: Qual é o lugar onde mais gosta de ir?

- Hum... - Joemir começa a pensar em um lugar falso, quando se lembra do detector de mentiras. - Ao meu porão.

- Porão? Quem é que gosta de porão? - Pergunta Maicom.

- O próximo é você, Gustavo. Pergunta 5: Por que o Garu não gosta da Puca?

- Como é? Quem é Puca? - Pergunta Gustavo.

- Limite-se a responder a pergunta.

- Então tá, né... - Diz Gustavo, frangindo a testa. - Sei lá, porque ele é gay.

- Você, Amanda. A sedutora atraente. A viúva negra. Vai atrás de qualquer um que tenha algo que você quer, e quer muito. E acaba fazendo com que a vítima QUEIRA ser... que verbo posso usar? Esviscerada?

- Esviscerada? Como assim esviscerada? - Ela pergunta.

- Pergunta 6: Como foi que você matou sua última vítima?

- Que história é essa de vítima? Eu não mato nem mosquito. Eu salvo formiga na pia da cozinha. O que você quer dizer? - Amanda pergunta, sinceramente aturdida.

- Interessante. O detector está dizendo que você foi sincera. - O boneco diz. - Joemir, pergunta sete. Você fica irritado a ponto de matar uma pessoa? Se sim, qual a pior coisa que poderia provocar essa ira?

- Ser superado. - Diz Joemir. - Eu odeio perder.

- Entendo. A pergunta oito vai para você, Yago. Quais são seus principais defeitos?

- Eu sou facilmente corruptível. - Assume o advogado. - Sou ambicioso. E sou mentiroso também.

- Pergunta nove, para você, Gustavo. Por que você acha que é o que tem mais chance de sobreviver?

- Mas eu não acho que sou o que tem mais chance de sobreviver!

- Vou perguntar de uma maneira diferente: por que você acha que, na minha opinião, você será o vencedor desse jogo?

- Hum... - O jeito como Gustavo frange a testa, Amanda percebe, fá-lo parecer com o Jefferson, de um famoso vídeo da internet chamado "PARA NOSSA ALEGRIA". Ela riria, se não estivesse tão tensa. - Eu sou corajoso. Eu sou forte. E... Bem... Não sei...

- Você sabe sim, Gustavo. - Diz o boneco. - Diga o que você pensou.

- Eu já matei antes. Eu sou frio e calculista quando preciso ser. Eu não sou um assassino, mas estou pronto para matar todo mundo se for necessário.

- Então por que você não matou o Joemir aquela hora? - Pergunta Maicom.

- Porque ele não oferece nenhum perigo para mim. - Diz Gustavo, sombrio.

- Iam, a última pergunta vai para você.

- Ótimo. Eu já tava cansando de você bancando a Marília Gabriela. - Responde o tatuado.

-Iam, se eu te pedisse para escolher alguém para responder uma pergunta extra, na qual se a pessoa errar todos vocês morrem, quem você escolheria?

VI

- Eu escolheria a mim mesmo, claro.

- Ótimo. A pergunta extra é bem simples. Sim ou não, você vai responder a essa pergunta com uma mentira?

- Isso é um paradoxo. Se eu disser sim ou não estará errado.

- Era essa a resposta que eu queria. Não por ter adivinhado o paradoxo, mas por não ter se descontrolado. Se fosse ontem você teria arrancado a cabeça do boneco, o que teria causado uma explosão fatal. Já está começando a aprender a controlar sua raiva, han?

- Vá se ferrar.

- Iam, embaixo da mesa há uma caixa, você viu? Nela, há três colares com explosivos. Por ter respondido à pergunta extra, você poderá escolher três pessoas, exceto o Joemir, e colocar esses colares nelas. Tem detectores de mentiras e medidores de batimentos cardíacos. Vão explodir caso a pessoa descumpra alguma regra.

Iam pega a caixa e dá os colares a Yago, Maicom e Amanda. No instante que Amanda coloca o seu colar, a porta por onde eles entraram na sala fecha bruscamente. Nela, escrito de vermelho, os dizeres: afaste-se. Ao mesmo tempo a porta para o próximo ambiente abre. As três duplas seguem em frente.

Essa sala é bem parecida com a outra, embora bem maior. No outro lado há uma porta bem resistente. No chão, um túnel de vidro na altura do solo, grande o suficiente para qualquer um se arrastar dentro dele sem dificuldades. A entrada é um quadrado onde Maicom passaria com certa dificuldade. Está cheio de água. No lado oposto ao da entrada do túnel, pode-se ver uma pequena chave. O vidro é resistente demais para ser quebrado. Alguém vai ter que entrar e pegar a chave. O túnel não é tão longo, pegar a chave não será tão difícil.

- Esse cara... - Yago começa. - Por alguma razão doentia, ele está tentando nos transformar. Sabe, fazer de nós pessoas melhores. E por alguma razão ainda mais doentia, está dando certo. Comigo, pelo menos. Essas armadilhas estão me fazendo pensar. Eu vou pegar a chave.

- Por quê? - Pergunta Maicom.

- Será um desafio comigo mesmo. Vou colocar minha vida em risco e se eu sobreviver, é porque sou merecedor da vida que tenho. Eu devo estar ficando maluco, mas acho que esse é o objetivo desse jogo doentio. Redenção.

- Então, por favor, vá logo. Eu quero sair daqui o quanto antes. - Diz Amanda.

- Não tem nada de redenção. - Diz Iam. - É só um filho da mãe maluco tentando brincar com a gente. Isso aqui não é um jogo, pois um jogo deveria ser em igualdade de condições, e obviamente nós não temos a menor chance de matá-lo. Isso aqui é um massacre.

- Boa sorte cara. - Diz Gustavo, enquanto Yago tira a calça, gravata, paletó e colete, ficando apenas com uma bermuda. Toca a água, está muito, muito fria.

- Depressa. Pegue a chave o mais rápido possível. - Diz Iam.

- E tente não estragar tudo. - Fala Joemir. Yago prende a respiração e entra no túnel de cabeça, usando as pernas e tomando impulso com os braços nas laterais para nadar o mais rápido possível até a chave.

- Espero que não seja nenhuma armadilha. - Diz Maicom. No momento que Yago pega a chave, percebe que o fim do túnel não é feito de vidro, e sim metal. Quase prevê o que vai acontecer antes que aconteça: a parede de metal se move, liberando um espécie de sal, branco, que se mistura à água e se dissolve. A água congela. Em poucos instantes o túnel inteiro está congelado, e Yago preso dentro dele. Do lado de fora, todos olham assustados.

Ao tocar no "gelo", Amanda percebe que ele não é frio; mas causa-lhe uma estranha irritação na pele. Uma espécie de alçapão na parede branca se abre, revelando atrás dele um painel eletrônico. Nele há dois grandes botões vermelhos, com plaquinhas de metal embaixo dizendo para que cada um deles serve. O primeiro diz "Salvar" e o segundo diz "Abrir".

- Espera! - Joemir diz, parando Maicom que se move rapidamente até o painel.

- Que foi?

- Não são dois botões à toa. Acho que nós temos que escolher só um deles. Salvar o cara ou abrir a porta.

- Vamos salvá-lo! - Diz Amanda. - Ele tem a chave.

- Não é tão simples. - Diz Joemir. - Quanto menos pessoas houverem no jogo, melhor.

- Ele tem razão. - Diz Gustavo. - Nós não estamos jogando contra o assassino. Nós estamos jogando uns contra os outros. O objetivo é nos matarmos sem descumprir aquelas regras. Quanto menos houverem, mais chance de sobrevivermos.

- Hum... Faz sentido. - Diz Iam. - O playboy vai rodar.

- Não, espera. - Diz Maicom. - Não podemos simplesmente matá-lo. Podemos passar pelas armadilhas sem ninguém morrer. Vocês não perceberam? A última sala tinha dez lugares. E ele fez dez perguntas. Era para todos estarmos vivos!

- Somos três contra dois. - Diz Iam. - Está decidido.

- Espera. - Diz Gustavo. - Nós somos cinco. Como vamos sair da sala em duplas?

- Acho que você sabe o que fazer. - Diz Maicom.

- Sim, eu sei.

Maicom só percebe que Gustavo está apontando para ele, ao invés de para Joemir, quando é tarde demais. O marombado morre com um tiro na cabeça antes que possa sentir dor. O único a ficar assustado é Amanda. Gustavo aperta o botão, a porta se abre. Iam e Gustavo, Amanda e Joemir, se dão as mãos para seguir para a próxima sala. Ela também é toda branca, e também há uma mesa no centro, com dez caixas sobre ela. A porta do outro lado está aberta. Assim que eles se aproximam da mesa, o celular que está com Gustavo toca.

- Fala.

- Olá Gustavo. Vejo que o número de sobreviventes está diminuindo. Diante de vocês temos dez instrumentos de tortura. Junto com eles, as instruções de como usá-los. Cada um de vocês terá que usar um deles, até o fim do jogo. Regra 9: A dor é o que nos separa dos mortos.

VII

Joemir é o primeiro a escolher uma "tortura", a gaiola. Na plaquinha, está escrito "Máscara da Infâmia - Coloque a gaiola na cabeça e atravesse o gancho na língua. Não se preocupe, não vai doer muito agora. Mas depois... Bem, se você sobreviver terá que chupar gelo por algum tempo. Não se preocupe com doenças, o gancho é (quase) esterilizado. Também não se preocupe com o sangue, não vai sangrar. Só tenha cuidado para não falar demais."

O jogador coloca a gaiola de metal na cabeça, com grades finas e uma corrente no topo com o gancho pendurado. Rapidamente, para doer menos, enfia o gancho na língua. Dói, não tanto quanto ele esperava, mas dói.

- Um piercing na língua dói menos que uma mordida forte. - Iam diz, ao ver a aflição de Amanda. - Ele escolheu uma bem fácil.

Iam é o próximo, pegando uma espécie de coleira de couro, muito grossa, com um chip eletrônico acoplado. Em volta da coleira uma argola de metal. A coleira passa livremente pela sua cabeça e fica bem folgada no pescoço. Na caixa onde ela estava, há algo parecido com um controle remoto sem botões, preso a ela.

"A Coleira - A física por trás do funcionamento do aparelho não importa muito, mas conforme você se afastar da caixa, a argola vai apertar seu pescoço."

- Prefiro me asfixiar um pouco do que rasgar minha língua. - Diz Iam.

- É porque você é bem sensível à dor, né? - Brinca Gustavo.

- Vai pro inferno.

- Certo, deixa eu ver... - Gustavo pega as luvas negras, que também têm na caixa um aparelho semelhante ao do colar. Coloca as luvas nas mãos, há uma pequena manivela nas costas; apesar de ser bem maleável, ele nota que há uma camada de alguma coisa dura por baixo do couro. Percebe que o dispositivo que controla a manivela é ativado quando ele afasta as luvas da caixa, girando, apertando um pouco suas mãos. Quando ele aproxima novamente a pressão diminui.

"Luvas - Conforme você se afastar da caixa, elas pressionarão suas mãos."

- Só isso? - Diz Gustavo. - Não tem nenhum textinho bonito nem nada? Hei, Joemir, fala alguma coisa!

O jogador de futebol ergue o dedo médio para ele.

- Você ficou bem falante depois que matou aquele cara. - Acusa Amanda.

- Pega logo o seu brinquedinho pra gente partir. - Diz Gustavo, sério. Amanda já escolheu, entre os dez, a tortura que considera a mais "fácil." Um colar de ferro cuja frente consiste em uma espécie de espeto duplo, com duas pontas em forma de "Y" em cada lado. Logo percebe que, como a distância entre o seu pescoço e o seu esterno é bem menor que a dos outros, esse colar vai acabar matando-a.

- Alguém quer trocar comigo? - Pergunta. - Vocês escolheram as "melhores".

- Eu troco. Preciso das minhas mãos mais do que do meu pescoço. - Gustavo diz e eles trocam. Com bastante dor e cuidado, Gustavo coloca a forquilha no pescoço. Precisa ficar com a cabeça virada para o alto e se quiser olhar para frente, ou falar, terá as duas pontas superiores cravadas no queixo. As debaixo entram poucos milímetros em seu esterno, causando-lhe um pouco de dor, e vão penetrando mais conforme ele balança.

- Agora que todo mundo já tem com o que brincar, vamos embora. - Diz Iam. Andam para a próxima sala. O gancho na língua de Joemir arranha a gengiva algumas vezes. Gustavo anda com bastante cuidado, devagar, para a forquilha não feri-lo. Amanda ainda está tranquila, com as luvas bem folgadas em suas mãos. As torturas não parecem tão ruins assim, por enquanto.

A próxima sala é um longo corredor vazio. Conforme vão avançando, a coleira começa a ficar justa no pescoço de Iam, as luvas vão apertando lentamente as mãos de Amanda, a língua de Joemir vai inchando e Gustavo vai aprendendo a andar mais rápido com a cabeça erguida.

- Fala alguma besteira agora. - Iam provoca Gustavo.

- Aquilo é o que eu estou achando que é? - Amanda pergunta. Sim, o que está dobrando a esquina é um leão. Um leão extremamente gordo. Seu corpo foi dilacerado, como se tivessem dado centenas de chicotadas nele. Está correndo, furioso, na direção dos quatro. Pingando sangue. Correm. Joemir segura a gaiola com as mãos para ela não escapar da cabeça, Gustavo segura a forquilha para ela não penetrar demais; os furos no peito e no queixo que eventualmente surgem, sangrando, mal são sentidos.

Joemir dá um soco em Amanda, que cai. Eles chegam ao início do corredor só para descobrir que a porta foi trancada por dentro. O leão para diante do corpo de Amanda e, faminto, crava os dentes enormes em seu pescoço, furando a traquéia e a jugular. Os três sobreviventes dão meia volta e vão na direção do leão, que começa a mastigar a mulher com ela ainda viva, berrando. Passam por eles e avançam. Iam e Joemir chegam à saída do corredor. Param por um instante na porta. Gustavo chega em seguida. Um dos três vai ter que ficar para trás.

Joemir agarra Iam pela mão e tenta puxá-lo para o próximo ambiente. O tatuado joga-o contra a parede e dá um chute em sua barriga. Agarra o gancho em sua língua, rasgando-a. Enquanto este fica atordoado pela dor, Gustavo e Iam se dão as mãos e passam para a próxima sala. Joemir levanta e vai atrás deles. O próximo ambiente é outro longo corredor, com martelos maiores que a cabeça de um homem, pendurados na ponta de um pêndulo que oscila de um lado para o outro a um metro e setenta do chão.

VIII

Furioso, Joemir tenta atacar Iam, que agarra a gaiola em sua cabeça e chuta um joelho. Tira a gaiola da cabeça do jogador e bate nele, com toda a força. Meio zonzo, Joemir mal sente o murro que vem a seguir. Gustavo já está atravessando o corredor, tomando cuidado para não ser atingido pelos pêndulos.

O negro chega ao fim, logo atrás vem Iam. A dois metros da saída, há buracos no chão, do tamanho de uma bola de ping pong. Gustavo desconfia que seja uma armadilha, toma impulso e pura os buracos. Iam faz o mesmo. De mãos dadas, os dois homens passam para a próxima sala.

Enquanto isso Joemir vem correndo. Cego de raiva, mal vê os martelos na sua frente, desviando deles quase exclusivamente por sorte. É o último, o mais rápido, que atinge com força sua cabeça, produzindo um som semelhante a quando você abre uma noz com uma pancada.

Prek.

Sangrando muito, anda mais uns metros, cambaleando, passando pelos buracos no chão. Lanças se erguem no momento preciso, uma perfura sua mão direita, outra rasga o lado esquerdo do seu corpo e a terceira empala-o, chegando até o peito. Sangrando e com muita dor, Joemir sobrevive sete minutos.

A próxima sala tem dez metros de altura, dez de largura e dez de comprimento. Há uma piscina no meio. Ela tem dez metros de profundidade, sete de largura e sete de altura; portanto, há um espaço de três metros entre suas bordas e as paredes. Há uma escada para descer à piscina e uma porta do outro lado, trancada. A chave está pendurada no teto, com um fio de três metros, no centro da piscina.

Dentro da piscina estão Yago(ainda com o colar explosivo) e Vítor. Os dois tiveram suas bocas costuradas recentemente. O sangue em suas mãos indica que foram eles próprios que fizeram isso. Estão presos ao piso da piscina por uma corrente grossa, de dois metros de comprimento, conscientes. Na entrada da sala, há uma marreta. Na saída, uma placa escrito: "O jogo começa quando a marreta for usada no lugar certo".

O queixo e o peito de Gustavo estão sangrando e sua nuca já está doendo por ficar tanto tempo com a cabeça erguida. O colar já está apertando o pescoço de Iam, que pega a marreta.

- Acho que já sei o que é para fazer. - Ele diz. Desce até a piscina com a marreta. Quebra a corrente que prende Yago ao solo. No exato momento que o advogado é libertado, abraça o tatuado, fazendo um som com a boca ao tentar alertá-lo sobre alguma coisa. Fica apontando para Vítor, que está com os olhos arregalados.

Uma sirene toca, bem distante. Pequenas portinholas abrem no teto, acima de piscina, seis. Dos buracos que elas tampavam, começa a jorrar água, com muita força. São canhões d'água. Iam já sabe como pegar a chave: a piscina vai encher e se ele nadar até a superfície vai alcançá-la. Precisava só escolher entre salvar Yago ou Vítor para começar.

Gustavo já sabe o que vai acontecer mas, com o colar no pescoço, não tem como impedir. Iam vai sair com Yago e deixá-lo para trás. Não vai conseguir tomar a marreta dele e se sair sozinho pode acabar tendo uma morte horrível como Joemir. Sendo frio, sua única esperança é esperar. Talvez alguém o resgate como fez com Vítor e Yago. Talvez ele não precise morrer.

A piscina enche, ao fim de cinco minutos.

- Adeus, otário. - Iam diz, dando tchauzinho para Gustavo. Ele não pode falar por causa da forquilha em seu pescoço, mas ergue o dedo médio. Vítor já está se debatendo, quase morrendo, enquanto Iam e Yago saem de mãos dadas. É nesse momento que Gustavo olha para trás e vê o leão, com a boca suja de sangue. Amanda não foi suficiente para acabar com sua fome.

Assim que Yago e Iam entram na sala, a porta atrás deles se fecha. Estão em um salão oval, com uma mesa grande no centro. Nela há uma televisão, com uma faca e uma furadeira à bateria logo ao lado. A essa altura, a luva de Iam está quase quebrando suas mãos, ele já não pode mover os dedos. Embaixo da mesa há algo parecido com uma grande caixa de som, negra. De frente para a mesa, uma cadeira com dispositivos mecânicos semelhantes a algemas nos braços e nas pernas, para prender alguém a ela. De repente, na televisão, surge aquele boneco de antes.

- Olá senhores. Chegamos à última fase do jogo, não? Eu esperava que mais de vocês sobrevivessem. - O som vem das paredes.

- Diga logo o que a gente tem que fazer para ir embora. - Diz Iam.

- Certo. Estão sentindo dor? Imagino que sim. Iam, aproxime suas mãos da caixa preta e sua luva vai parar de apertar. Daqui a alguns segundos você vai poder tirá-la. E Yago, você deve usar a faca para cortar as linhas que estão costurando sua boca.

Os dois obedecem. A boca de Yago ainda sangra muito.

- Achei que ia... - Ele para de falar ao se dar conta do quão doloroso é tentar falar com vários furos nos lábios.

- Certo, senhores. Yago, você pode tirar o colar explosivo também. Iam, como você não tinha a pressão do colar em seu pescoço, vai ter que sentar na cadeira.

- E se eu me negar? - O Tatuado pergunta.

- Aposto que o leão ainda está com fome.

- Certo, certo... - Iam diz e se senta na cadeira.

- Yago, agora ajude-o a prender as mãos e os pés. - Manda o boneco.

- Opa, calma ai!

- Faz logo o que ele está mandando, cara! - Diz Yago. Eles obedecem. Uma vez preso, é impossível que Iam se solte sem uma chave ou coisa que o valha.

FIM

- Certo, agora revelarei dois segredos. - Diz o boneco. - O primeiro é que nenhum de vocês precisava ter morrido. O segundo é que todos vocês mereciam morrer.

- Como assim?!

- Vocês dez eram psicopatas assassinos. Inclusive o Vítor, o idealizador da armadilha.

- Quando eu acordei eu e o Vítor estávamos com a boca costurada já, e presos àquela armadilha. - Yago explica para Iam. - Ele sujou minhas mãos com meu sangue para parecer que eu havia feito aquilo. Aliás, por que você não salvou os dois? Você podia ter salvado os dois, nós quatros estaríamos... - Yago para ao processar aquilo que o anfitrião deles disse. Iam também é um serial killer.

- Menos você, Yago, como você bem sabe. - Continua o boneco. -

- Vocês vão ter muito tempo para ligar os pontos depois, se sobreviverem. - Interrompe o anfitrião deles.

- Mas espere, eu não sou nenhum assassino. - Diz Yago.

- Mas você é um maldito corrupto que ajudou a por em liberdade vários assassinatos. Você é cumplice deles.

- Eu... Oh, céus, você tem razão. Estou pronto para o que você tem para mim. Se você quer me castigar, me castigue! Eu mereço!

- Certo. - Diz o boneco. - O perdão não me pertence. Seus crimes não podem ser mais reparados, nem se você se entregar para as autoridades. O que precisa fazer agora é apagar seu passado e tentar viver uma nova vida. A porta está aberta, você está livre para sair quando quiser, mas precisa tomar uma decisão.

- Qual?

- Matar ou não o Iam. Se você escolher matá-lo, basta ligar a furadeira e atravessar o cérebro dele. Você não será punido por isso. Se sua resposta for não, Iam vai passar um dia "pensando" nessa cadeira e depois será libertado. Vida ou morte, Yago. Faça sua escolha.

- Diferente de você... Diferente de todos vocês, eu não me acho no direito de tirar uma vida. - Diz Yago. - Eu não vou matar o Iam.

- Está cometendo um erro. - Iam diz e ri.

- Eu não vou te matar, mas vou impedir que você continue com suas monstruosidades. - Yago diz e pega a furadeira. Aperta o botão e a broca começa a girar rapidamente. Aproxima-a da cabeça de Iam.

- O que você vai fazer?! - O tatuado grita. - O que você vai fazer? Para com isso, chega pra lá com essa coisa!

Iam se debate, grita, tenta se soltar. Girando e girando, a broca se aproxima do seu olho direito. Rasga a pálpebra e atravessa-o. Yago trinca os dentes. Sangue e um fluído gelatinoso começa a escorrer, enquanto o tatuado grita. A pressão de Yago sobe, o coração bate forte, as pupilas dilatam, um sorriso discreto aparece em seu rosto. Está gostando da sensação de poder.

Fura o outro olho.

- O jogo está acabado. - Diz e joga a furadeira no chão. Dá as costas para Iam e seus berros. Tem certeza que vai mudar e tem certeza que Iam, cego, vai mudar também. Mas é óbvio que nada será como em seus planos. Iam vai acabar morrendo por causa da hemorragia nos olhos. E as tentações vão fazer Yago sair do caminho de paz e caridade que está projetando enquanto marcha até a porta, com uma sensação de alivio tão prazerosa que quase agradece a Deus pelo que aconteceu.