A Flor e a Flauta.
Escrita em diminutas e floreadas letras de um calígrafo sem igual, imortalizada na rude e antiga casca de um salgueiro imortal, jaz à margem de um rio caudaloso e abnegado, numa cidade de sonhos que eu nunca deveria ter deixado.
A lenda de um tocador de flauta que vivia na lua. Claro, e assim como ele, a sua flauta não era qualquer e nem nua. Que ao tocá-la trazia de volta as mais queridas memórias, materializando-as seja de vida, de morte ou qualquer outra história.
Quando a lua estivesse suficientemente perto da terra, ele aparecia sem necessitar de espera, e dessa forma escondia, pilhava e roubava, o que melhor havia no coração, na mente e na memória de quem guardava.
Naquelas singelas linhas um conto falava de um príncipe amargurado, cujo destino implacável num remoto e triste passado, deixou-lhe mesmo em terra um naufrago, quando perdeste a sua delicada princesa nas águas de um lago.
Numa torre trancou-se para não mais sair, mesmo que passasse os tempos das eras e o mundo cair, até perder-se no centro mais escuro da alma em desarranjo, ou até que dos céus com ela descesse um Arcanjo.
Ele não mais se alimentava, nem via a luz do sol e nem a das estrelas. O rei, bondoso pai não podia, ver mais seu filho triste por não mais tê-la. Que a sua vida dedicou na ingrata busca, pois o seu filho muito queria, de encontrar o mágico flautista que na lua vivia.
Pois que a doce música que sua flauta exalava, trazia de volta todas as lembranças que no fundo estava. Já que o coração de todo e qualquer um que for, esconde sempre a razão de uma dor, ainda que essa razão seja o próprio amor.
E assim quando estava cheia no céu, subiu o rei a montanha dos pássaros em meio a um grande escarcéu. Pois até mesmo as aves sabiam, bem no fundo, que a lembrança de sua princesa poderia trazer de volta o príncipe a um novo mundo.
E lá o encontrou, numa casa invisível, dentro de uma janela muito alta, o estranho homem travestido de luz e a sua flauta. O rei, ao homem misterioso contara tudo, e ele atentamente ouvia. E mesmo sendo ladrão de lembranças, sabia, que pelo amor todas as coisas faria.
Por ser bom, o rei desceu o homem de sua janela, sob a luz das estrelas caminharam eles por ela. E jamais seriam os mesmos os tristes portões do castelo, quando o homem da flauta e a sua música trouxessem de volta tudo o que um dia foi belo.
Ao tocar a sua flauta, o homem da lua fez reaparecer, para todos aqueles que o podiam ver, a lembrança dos dias mais alegres que aquele castelo pôde um dia ter. A sua singela flauta era uma orquestra inteira, e a imagem da princesa desceu as escadas faceira, como ainda fazia nas lembranças de todos ali, e a sua voz ecoou pelos corredores, como se jamais tivesse partido dali.
Sob aquela linda e suave música, que a todos arrebatara sem exceção, a imagem do príncipe e da princesa dançavam sob a cúpula do saguão. Foi a lembrança de um baile, há muito acontecido, e que mesmo escondido no fundo, o príncipe jamais havia esquecido.
Ao ouvir a música e os risos, e reconhecer dentre eles o de sua amada, o príncipe verdadeiro abriu as portas que há muito estavam fechadas. De lá saiu com os olhos brilhantes e cheio de vida, e as sombras mais escuras do castelo foram para sempre removidas.
Hirto e imerso naquele mar de lembranças, em meio a tudo o que via e ouvia, notas como águas límpidas passavam por ele, que o príncipe chorou de alegria.
– Como pude estar tão triste, se vivi momentos tão maravilhosos? – perguntou a si mesmo em soluços chorosos.
Cheio de gratidão, o príncipe ofereceu ao homem da lua as maiores glórias que um ser humano poderia sonhar. De todos os reinos do mundo, passando por montanhas, por vales e até pelo mar.
Mas o homem da lua era tudo, menos homem, e ele não desejava glórias e nem riquezas, e o que ele realmente queria era que o príncipe largasse tudo e partisse com ele, para realizarem juntos semelhantes proezas. Pois no mundo haviam muitos corações tristes, que a sua flauta podia apaziguar, e o príncipe seria agora a sua companhia, para que a solidão junto a ele e sua flauta, não tivesse lugar.
O príncipe então concordou, pois era um bom homem, e estava realmente grato... O príncipe passara no teste... Pois o homem da lua podia ser tudo, menos solitário, e isso era um fato!
E então, o estranho visitante, vendo que havia de fato amor e generosidade no coração daquele jovem um dia ausente, tocou uma música que jamais seria esquecida por nenhum dos mortais ali presentes, e que tão pouco seria repetida, nem pelo mais hábil dos artistas!
Uma singela janela, como folhas secas das alturas desceu, e de dentro das suas paredes invisíveis a jovem princesa apareceu - não mais uma simples e ilusória lembrança - mas sim radiante e cheia de pujança.
Um abraço muito esperado os dois uniu, e daquele dia em diante, sob um céu aberto colorido de azul anil, prosperou o reino mais feliz que alguém um dia já viu.