Crianças Incineradas
I
Oito pessoas acordam em um apartamento quase vazio. Há pequenas câmeras e caixas de som nas paredes, que tocam algo que parece uma canção de ninar em alemão. O lugar tem uma pequena cozinha, com um micro-ondas e alguns utensílios domésticos, além de um bolo de chocolate com velinhas rosas e um exaustor na parede. Há uma geladeira, trancada por pesadas correntes e um cadeado, com um cavalo cor-de-rosa em cima e uma vela acesa, única fonte de luz do lugar, porque as lâmpadas estão apagadas Há brinquedos e quadros por toda a parte. A porta tem uma caveira desenhada.
Os oito são: Letícia, 17 anos, a adolescente ruiva que teve dois filhos e está grávida do terceiro, todos de pais diferentes. Cassiane, 26 anos, tem um filho de cinco que desapareceu esse mês. Fúlvia, 50, ainda é uma bela mulher cheia de juventude e força de vontade. Carlos, 18, um universitário inteligente. Márcia, 16, é uma jovem controlada e esperta que foi estrupada há três anos e ainda carrega as marcas do abuso. Felipe, 54, Tenente-Coronel do exército; é um aventureiro, corajoso e explorador. Raiane, 23, uma garota solitária e fria, mas extremamente inteligente; essa inteligência pode ser benéfica ou maléfica para os outros, dependendo da situação. E Marcos, 17, o playboizinho.
- O que está acontecendo? Quem são vocês? - Pergunta Marcos.
- Nós fomos sequestrados. - Diz Márcia.
- Onde estão vocês! Eu não tenho dinheiro! Vocês sequestraram o cara errado! - Grita Carlos.
- A gente vai morrer, a gente vai morrer! - Fala Marcos.
- Acordem para brincar, crianças! - Uma voz robótica sai das caixas de som.
- Jesus santíssimo, me proteja! - Grita Fúlvia.
- Imagino que vocês estejam se perguntando onde estão. ONDE não é o que importa agora, mas o PORQUÊ.
- Por que você nos colocou aqui? - Pergunta Cassiane, extremamente nervosa.
- Descubram o que todos vocês têm em comum e descobrirão o que os levou a esse lugar. Se forem cuidadosos o suficiente, talvez consigam se livrar de uma morte dolorosa. E, quem sabe, livrar também pessoas amadas.
- Você fez alguma coisa com a minha mãe?! - Grita Marcos.
- Há uma chave no exaustor. - Diz a voz. - Mas aquele que tentar pegá-la perderá a mão.
- Deus Todo-Poderoso, não deixe esse cão vindo do inferno fazer mal aos meus filhos! - Grita Fúlvia.
- Precisamos fazer alguma coisa. Tem que haver uma saída. - Fala o Tenente Felipe, enquanto Márcia e Carlos acendem as luzes.
- Hei, gatinho. - Letícia fala com Marcos. - Dá pra você tentar arrombar a porta?
- Acho que não vai ser tão fácil. - Diz Márcia. - Esse cara é um psicopata. Essa caveira na porta... pode ser uma armadilha.
Raiane se aproxima do exaustor, que está desligado. A lâminas parecem bem afiadas e podem mesmo cortar a mão de alguém. Há uma chave dentro dele e será preciso subir na mesa para pegá-la. Márcia encontra uma única faca, que é bem grande, mas não o suficiente. Não há nenhum botão para ligar o exaustor por ali e, mesmo usando a faca para pegar a chave, se ele for ligado quando alguém estiver tentando, essa pessoa vai perder a mão.
- Alguém precisa pegar a chave no exaustor. - Diz Cassiane, nervosa. - Deve ser um blefe.
- Eu não vou arriscar minha bunda em armadilha nenhuma. - Fala Marcos.
- Deve ter alguma pista no bolo. - Comenta Raiane. Carlos enfia as mãos nele à procura de alguma coisa. É uma chave. Tenta usá-la nos armários, mas não funciona. Tenta no cadeado da geladeira, abre. Um barulho alto, como o tic tac de um relógio, começa a soar das caixas de som. Há um corpo esquartejado dentro da geladeira. O corpo inteiro de uma criança, exceto a cabeça. Uma chapa de raio-X do lado de dentro da porta mostra uma chave no peito de alguém.
- Márcia, me dê essa faca. Eu vou abrir o garoto. - Diz Felipe.
- Deve haver uma bomba ou coisa parecida na geladeira. É uma armadilha. - Fala Raiane.
- Podem pegar a chave, Jesus vai nos proteger. - Diz Fúlvia.
- Eu que não chego perto disso ai. - Diz Raiane.
- É o meu filho! É o meu filho! - Cassiane começa a gritar para as paredes. - Seu louco! Você prometeu que deixaria ele viver! Você prometeu!
- Como é? Tu é cúmplice do cara que botou a gente aqui? - Marcos pergunta.
II
- Você matou meu filho, seu desgraçado! Eu vou te achar e vou acabar com você! - Cassiane grita e joga seus noventa quilos contra a porta com uma caveira desenhada nela com toda a força, para derrubá-la. Assim que ela toca a porta, sente a eletricidade percorrer seu corpo. A corrente elétrica joga-a no chão com força e ela bate a cabeça.
- Ela está morta? - Pergunta Márcia. Felipe se aproxima corpo, enquanto Fúlvia se afasta o máximo possível.
- Sim, ela está morta. - Ele conclui. Um zumbido ensurdecedor sai das caixas de som, parecido com o apito de uma chaleira. A geladeira explode, jogando todos no chão. Fúlvia estava perto demais e é incinerada. Cinco deles tentam apagar o fogo, enquanto Carlos vai atrás de alguma coisa que viu.
- Aqui está a chave. - Ele diz, quebrando o silêncio que durou alguns segundos após a morte de Cassiane e Fúlvia. - Ela voou em mim quando a geladeira explodiu. É bem resistente para ter aguentado uma explosão desse jeito.
- Cara, essa ai deve ser a chave da porta. Abre lá. - Marcos fala.
- Não, não é. Pequena demais. - Carlos responde e começa a testá-la nos armários. Finalmente encontra o armário certo, pendurado na parede. Destranca as duas portas dele, mas não abre. - Alguém se candidata?
- Por que você não abre? - Pergunta Letícia.
- Eu não. Já fiz muito. Vocês agora trabalhem um pouco. Não vou arriscar mais meu pescoço.
- Eu não abro isso de jeito nenhum. - Diz Raiane.
- Eu também não! - Fala Letícia.
- Alguém abra isso pelo amor de Deus! - Diz Felipe.
- Tá maluco, quem vai se arriscar ai? - Pergunta Marcos.
- Vamos gente! - Diz Carlos. - Eu já me arrisquei. Agora é a vez de vocês.
- Tudo bem, se ninguém vai arriscar o braço no exaustor, eu arrisco. - Diz Felipe. - Mas só se alguém abrir as portas do armário.
- Esse cara é maluco, ele está brincando com a gente para depois nos matar. - Lamenta Marcos.
- Eu que não meto a mão nisso ai. - Diz Letícia.
- Parem de chorar e vamos logo agir. - Márcia diz e se aproxima do armário, prestes a abrir. - Grandão, vamos fazer juntos.
- Sim, senhora. - Felipe responde, sobe em cima da mesa e se prepara para enfiar a mão no exaustor desligado. Não tem nenhum tipo de proteção, é bem possível colocar a mão e pegar a chave. Sua hélice tem lâminas bem afiadas que podem cortar perfeitamente a mão de alguém se for ligado. - Pronta?
- Pronta. - Ela responde e os dois fazem juntos. Felipe enfia a mão no exaustor e apenas toca, de leve, na hélice. Seu pulso sangra um pouco com o ferimento leve, mas ele pega a chave. Assim que Márcia abre as portas do armário, vê uma máquina semelhante a um aspirador, que sopra em seu corpo, em alta velocidade, um gás amarelo e extremamente quente.
O gás começa a corroer seu corpo, como um ácido, literalmente derretendo-a da cintura para cima. Enquanto os buracos vão aparecendo na pele, nos ossos, ela berra de dor. Marcos e Letícia também gritam, horrorizados. Trinta segundos de dor intensa depois, só resta as pernas dela. Letícia tem uma crise de choro.
- Eu não quero morrer! - Ela grita. - Eu não quero morrer!
- Não podemos perder tempo. Precisamos agir. - Diz Felipe. Marcos pega a faca que estava com Márcia e guarda consigo, ainda muito abalado. Carlos pega uma chave de fenda e uma pequena serra no armário que Márcia morreu para abrir. Felipe testa a chave do exaustor nos outros armários, um deles abre. Há um fio elétrico com uma tomada na ponta e um MP4. Há apenas um arquivo de áudio nele. A voz do arquivo é a mesma que soou nas caixas de som.
- Olá, crianças. Acho que vocês não aprenderam nada até agora. Ou aprenderam? A experiência é um professor severo, mas eficiente. Olhe para as pessoas que dividem esse apartamento contigo. Provavelmente a maioria delas vai morrer hoje. E as que sobreviverem nunca mais serão as mesmas. Contemplem vossa mortalidade. A única maneira de sair daqui é fazer o micro-ondas sobre a mesa funcionar. Mais de um de vocês é capaz disso, mas tenham cuidado para que eles sobrevivam tempo suficiente. Ah, só mais uma coisa: vocês não podem saber o que há no lado de dentro do micro-ondas. É uma comida que não vão gostar. Ou talvez gostem, quem sabe?
Quando a gravação termina, a música "Eu Quero Tchu Tchá Tchá" começa a tocar nas caixas de som. Todos se olham, preocupados. O que mais esse psicopata tem para lhes oferecer?
III
- Sou eu. - Diz Raiane. - Eu sou Técnica em Eletrônica e provavelmente posso consertar essa coisa.
- Ótimo. Então conserte essa porcaria de uma vez. - Diz Carlos.
Raiane nota que o micro-ondas não tem tomada. O fio que Felipe encontrou provavelmente é dali. Ela torce para que seja um conserto simples, pega a chave de fenda e a pequena serra e abre o microondas por trás, sem abrir a porta da frente dele e revelar o que há. Em menos de dois minutos o aparelho está consertado e pronto para ser ligado na tomada.
- Era uma coisinha boba. Quem vai ligar?
- Essa coisa vai explodir! - Diz Letícia.
- Antes de darmos o próximo passo, precisamos entender do que ele estava falando. O que nós temos em comum. - Fala Raiane. - Deveríamos procurar pistar no apartamento.
- Correto. - Diz o Tenente Felipe. - Só não cheguem perto daquela porta e daquele micro-ondas.
Eles começam a revirar o apartamento, tirando brinquedos do lugar, jogando quadros no chão; exceto Raiane, que permanece parada, pensando. Não encontram nada suspeito.
- O cara que nos colocou aqui... - Raiane começa. - Ele nos chamou de crianças, tanto na gravação quanto quando acordamos. Fúlvia disse que tinha filhos. Cassiane tinha um filho, que estava na geladeira. Crianças... Vocês todos têm filhos pequenos?
Todos respondem afirmativamente, exceto Marcos.
- Eu não tenho filhos. Bem, pelo menos que eu saiba não.
- Há a possibilidade? - Ela pergunta.
- É... Sim. É possível.
- Dentro do micro-ondas há uma bebê! - Deduz Carlos. - É por isso que ele mandou que a gente o ligasse sem abri-lo. Ele quer que a gente frite uma criança lá dentro.
- Oh, meu Deus! - Felipe corre até o micro-ondas e olha. O vidro é negro, dá para enxergar muito pouco, mas parece ser uma criança. Ele abre e abre sua porta.
- Não! - Carlos grita, tarde demais. É uma boneca.
- Minha filha! - Raiane grita, se aproximando do aparelho também.
- Vai explodir! - Carlos grita e o micro-ondas explode, todos se jogam no chão. Carlos, Letícia e Marcos sofrem ferimentos leves, enquanto Raiane e Felipe não resistem. Toda a cozinha do apartamento foi destruída e a parede também. Os três sobreviventes só sobreviveram porque estava mais afastados, mas ficam zonzos pelo barulho e o impacto por alguns segundos. Há uma outra sala atrás da parede destruída. Parece que o psicopata planejou cada detalhe.
Na sala há uma mesa, com um pequeno computador. Nele há uma tela negra, com palavras brancas. O computador está ligado por fios a uma máquina estranha, parecida com uma bomba, que por sua vez está ligada a sete mesas, com uma caixa de vidro sobre elas. Cada caixa tem um nome. As seis primeiras têm o nome dos "jogadores", exceto Marcos e Márcia. A sétima tem o nome deles dois. Dentro da caixa há crianças, entre seis meses e dois anos, as sete dormindo. São seus filhos.
- Neymar! - Letícia exclama, se aproximando da caixa onde está seu filho caçula.
- Espera, não faça isso. - Diz Carlos. - Não se aproxime, pode ser pior.
- Mas é o meu filho!
- Meu filho também está ali, acalme-se. Precisamos agir friamente.
- Por que aquela caixa tem o nome de duas pessoas? - Letícia pergunta.
- Você conhecia a Márcia? - Carlos pergunta para Marcos.
- Eu não me lembro dela. - Marcos mente. Ele nota que há uma caixa de som em cima da porta. - Também não entendi. O que está escrito no computador?
Carlos se aproxima e lê em voz alta.
- Se você estiver lendo isso, está a um passo de salvar uma vida. Provavelmente já descobriu o que todos vocês tinham em comum: todos eram pais negligentes. Vocês têm a chance de mudar isso hoje, se quiserem. Conquistaram a própria sobrevivência. Mas a vida dessas crianças está em suas mãos. Ao clicar em JOGAR, no fim dessa página, você entrará em um jogo de sinuca no computador, tendo que cumprir diversos desafios. Eles vão ficando mais difíceis a cada etapa. Perdendo ou ganhando uma fase, você passa para a próxima. Mas se você perde, uma das crianças, aleatoriamente, vai morrer incinerada. Se você ganhar, uma das crianças, aleatoriamente, vai ser salva. Uma luz sob a mesa dela vai se acender. Você poderá clicar em "desistir" no momento que quiser e as crianças que tiver salvado serão libertadas. E as que não tiver salvado morrerão incineradas; então, o jogo acaba. A porta está aberta. Pronto para JOGAR?
FIM
- Então, vamos ter mesmo que jogar para salvar nossos filhos? - Pergunta Letícia, cheia de medo.
- É o que está parecendo. - Carlos diz e clica em "Jogar", no computador sobre a mesa. Uma tela com os comandos do jogo surge. O jogador terá que controlar a direção e a força das tacadas para cumprir cada desafio.
- Eu vou deixar para vocês. - Diz Marcos. - Com o medo que eu estou vou acabar matando alguém.
- Então, vou começar. - Carlos diz e clica em "Ok". A primeira fase começa. O desafio é bater em uma bola branca e fazer com que ela bata na lateral da mesa e encaçape a bola amarela, somente a bola amarela. Carlos se concentra. Escolhe a melhor direção para bater, aperta o botão. Uma barra de força começa a se encher e esvaziar.
- Não bate com muita força não cara, senão a bola entra junto com a outra. - Diz Marcos.
- Eu sei. - Carlos diz, nervoso, e aperta o botão com a barra quase completamente cheia. A bola branca atinge a amarela e a encaçapa, mas entra no buraco também. Um apito bem alto soa, vindo de uma grande caixa de som próxima à porta. A caixa com o filho de Carlos explode, matando a criança incinerada. - Juan! Não! Juan!
Na tela do computador aparece uma janela escrito "JOGAR SEGUNDA FASE". Carlos cai de joelhos, os olhos arregalados, em estado de choque. Letícia se aproxima do computador e clica em JOGAR. O segundo desafio é bater na bola branca de maneira que ela caia dentro de um triângulo de madeira que está no centro da mesa.
- Tenta bater a bola com força, em cima dela. - Diz Marcos. - Ai a bola vai pular e cair dentro do triângulo.
Letícia assente com a cabeça e tenta o que Marcos disse. Bate na bola quando a barra está quase completamente cheia. A bola bate na lateral do triângulo e rola até um buraco. Outra vez o apito, agora é o filho de Felipe que é incinerado.
- Assim você vai matar todo mundo! - Diz Marcos.
- Cala a boca, idiota! Se você não vai ajudar, não atrapalha! - Ela responde.
- D-deixa eu tentar outra vez. - Diz Carlos, secando as lágrimas.
- Mas o seu filho, já está... - Letícia.
- Não importa. Eu vou salvar o máximo de crianças que puder. - Ele diz e clica para começar a terceira fase. Há várias bolas na mesa e o objetivo é encaçapar duas delas com uma só tacada, em buracos diferentes. Ele se concentra, bate na bola com a barra de força logo acima da metade. A branca atinge a amarela, que empurra a preta e as duas se encaminham para buracos diferentes. Mas apenas a preta cai. O filho de Fúlvia é incinerado.
- O cheiro... Meu Deus, esse cheiro é insuportável. - Diz Letícia.
- Acho que vou vomitar. - Fala Carlos.
- Desse jeito não vai sobrar criança nenhuma. - Marcos diz. Furioso, Carlos vai para cima dele, mas Marcos saca a faca que pegou. - Nem vem, machão. Termina logo esse jogo pra gente poder sair daqui.
- É a minha vez. - Diz Letícia. O objetivo da quarta fase é o mesmo que o da terceira, com a diferença que a bola branca só pode tocar nas duas que vão ser derrubadas. Letícia aperta o botão para bater na bola quando a barra de força está bem baixa. Ela se move lentamente, encaçapa a vermelha, se move até a azul e a encaçapa, mas continua se movendo em direção a uma laranja. - Não! Não encosta nela, não encosta nela, não...
Não encosta mesmo. A música "Someone Like You" da cantora Adele começa a tocar, vinda de caixas de som debaixo das mesas onde as crianças estão. Uma luz azul brilha embaixo da mesa do filho de Márcia e Marcos. A criança foi salva.
- Graças a Deus! Uma, pelo menos. - Diz Carlos.
- Até que enfim! - Letícia comemora. A opção "Terminar jogo" aparece no canto da tela.
- Agora é minha vez. - Carlos diz e clica em "JOGAR QUINTA FASE". O objetivo é encaçapar a preta em um dos dois buracos do outro lado da mesa, sem tocar nas diversas bolas que estão no meio. Ele aperta quando a barra está em 85%, mirando nas laterais. A preta bate nas laterais, passando por entre as bolas no centro, e chega no buraco. A música da Adele para e a música "Galhos Secos", da banda "Catedral", começa a tocar. A luz acesa surge embaixo da mesa do filho de Cassiane.
- Para NOOOOOOOOOOSSA ALEGRIAAAA. - Canta Marcos, não conseguindo segurar o riso.
- Cala boca, idiota. - Letícia diz, irritada, e clica para começar o jogo. O objetivo é bater na bola branca uma vez e encaçapar seis das onze bolas sobre a mesa, sem tocar nas restantes. Elas estão ordenadas em duas fileiras de cinco no centro e a última está próxima a um buraco no outro lado da mesa. Letícia se concentra, se prepara para bater quando a barra estiver logo acima da metade.
- Para NOOOOOOOOOOOSSA ALEGRIAAAAA! - Canta Marcos, desconcentrando Letícia. Ela acaba batendo com a barra mais baixa do que pretendia. A bola atinge uma das fileiras, as cinco bolas se encaminham para os buracos, uma delas vai na direção da décima primeira bola. Apenas quatro entram.
- DESGRAÇADO! - Ela grita. A música para de tocar e novamente vem o apito. O filho de Cassiane é incinerado. - Não! Não é justo, ele já tinha sido salvo!
- Não adianta. - Diz Carlos. - As crianças só serão realmente salvas quando desistimos. Enquanto continuarmos a jogar, todas estarão em perigo.
- Desgraçado! Eu vou te matar! - Grita Letícia.
- Não chega perto de mim. - Diz Marcos, com a faca na mão. - Agora é a vez do Carlos.
- Filho de uma... - Letícia começa.
- Não fala da minha mãe não. - Marcos interrompe-a. Em silêncio, mas furioso, Carlos começa o sétimo desafio. Ele só precisa encaçapar a bola branca. Ela está dentro do triângulo de madeira, há um taco na lateral da mesa obstruindo o buraco mais próximo.
- Se você der um piu eu juro que te mato. - Ele ameaça Marcos. Se concentra, seu plano é bater na bola com força mediana para que ela passe por cima do triângulo, bata no taco e role até um buraco.
- Piu. - Marcos diz.
- Cara, para de ser imbecil! - Letícia grita. Carlos permanece concentrado. Finalmente aperta o botão para bater na bola. Mas a pancada é forte demais, a bola pula por cima do triângulo, bate no taco, bate no triângulo novamente, bate na lateral e depois para. Outra vez o apito, o filho de Marcos e Márcia é incinerado.
- Eita! - Marcos diz, não parecendo muito comovido.
- A culpa é sua! Seu idiota! Eu vou... - Letícia diz e tem uma crise de choro. - Eu não consigo mais... Não posso mais vez essas crianças sendo mortas.
- Deixe comigo. - Carlos diz começa o oitavo desafio. Restam apenas o filho de Letícia e o de Raiane. Carlos só precisa encaçapar a bola branca. Não há nenhuma outra na mesa, exceto ela, que já está bem próxima do buraco. O problema é que, assim que ele bater na bola, um cronômetro vai começar a rodar. Ele terá que fazer a bola entrar no buraco quando o tempo estiver entre 12:999 segundos e 13:999 segundos. Escolhe a melhor posição, a barra começa a encher e esvaziar. Bate na bola com uma força mediana.
- Se concentra cara. - Diz Marcos.
- Já mandei você calar a maldita boca! - Carlos grita. A bola bate nas laterais da mesa e exatamente no décimo terceiro segundo entra em um buraco. A música "Incondicional", do Luan Santana, toca. O filho de Raiane é salvo.
- Oh, graças a Deus! - Diz Letícia.
- Só falta o seu filho, Letícia. - Carlos responde.
- Eu vou salvá-lo. - Ela diz, decidida.
- Ande logo para podermos sair daqui. - Diz Marcos.
- Neymar, a mamãe vai te tirar dai! - Letícia diz e começa o nono desafio. Há várias bolas na mesa e ela precisa encaçapar exatamente três bolas usando a branca. Ela só pode tocar nessas três e elas não podem tocar em nenhuma outra. Letícia se prepara. Agora é tudo ou nada. Escolhe a melhor posição e bate bem fraco. Lentamente a branca atinge uma bola, depois outra e depois outra. As três rolam devagar até os buracos.
Neymar é salvo. Eles hesitam por alguns instantes, mas logo pegam as crianças e saem o mais rápido possível, temendo que haja mais alguma armadilha. Mas será que essa experiência os transformou? Não, duvido. Uma repreensão perfura mais profundamente o coração de um sábio do que um tiro o coração de tolos. De qualquer forma, o que vai acontecer com eles não é mais da nossa conta.
JOGO ENCERRADO