A professora querida
Stephany Mallord sempre foi um exemplo de carinho e de dedicação. Ninguém, dela jamais poderia emitir uma opinião desabonadora ou ofensiva, assim como, omitir uma única nota de elogio sequer. E ela não era assim apenas em sala de aula, mas também como pessoa e como amiga. Desde criança já ensaiava as suas primeiras aulas, junto às suas bonequinhas de pano, que ela mesma costurava a mão, com esmero.
Jovem, bonita, radiante, de cabelos ruivos médios, e aquelas lindas sardas no rosto alvo… Ainda lembro-me do perfume que ela deixava ao passar, e do vestido de professora que balançava à menor brisa. Olhos grandes e brilhantes, e um sereno sorriso nos lábios.
Morreu de repente em sala de aula! Foi um rompimento vascular repentino na cabeça. Os seus olhos e ouvidos sangraram na hora, e o seu vestido branco ficou com réstias vermelhas, como fitas de carnaval! Como morava numa vila entre as montanhas, de acesso ruim, quase intransponível, o seu corpo ficou três dias em sala de aula, escorado na porta - onde ela se apoiara em seu último alento - como uma simples escora de madeira.
Passaram-se dois anos...
A sala da doce professora não era mais a mesma… Os alunos estavam impossíveis, a nova professora, ríspida e grossa, não os cativava, e nem conseguia impor a disciplina.
Stephany Mallord apareceu, então, na porta! Naquela maldita tarde de sexta-feira, com o seu longo vestido esvoaçante, cheirando a mofo e obstruindo a saída!
Ninguém deu um pio... parecia que algo apertava a garganta de todos… só se viam bocas abertas e suores descendo pelas testinhas inocentes, como se a chuva do dia anterior não tivesse encontrado teto que a contivesse.
Eu me lembro de seu rosto cru, como gelo e cera, não havia mais sardas, e ela insistia em olhar a todos, um por um,com os seus olhos parados e mortos! A iris, antes azul como o firmamento, tornara-se cinza como a lápide fria de um cemitério, e os cabelos, outrora esvoaçantes, empapados de um líquido que os pregavam feito cola.
Ela entrou como se não fosse com ela… vomitou algo extremamente vermelho e mal cheiroso na Senhora Lorna, a nova professora, que derreteu sua carne, deixando-a na forma de um amontoado de ossos e tecidos.
-Agora, vamos continuar a lição… – disse ela. Até hoje a minha espinha congela, só de lembrar...
Ela tirou de sob o vestido agulha e linha. Tinha também alguns botões de roupa…
Cada um de seus alunos tinha uma personalidade, que ela, mesmo morta, fez questão de não esquecer:
Nos mais espevitados, costurou-os nas cadeiras, um a um. Primeiro as pernas… depois os braços… e em alguns, também a cabeça. Era uma linha robusta e negra, quase tão grossa quanto um dedo. Aos mais desatentos, abriu-lhes o crânio e costurou os seus cérebros no forro do teto. E, finalmente, aos mais ceguinhos, que faziam questão de se assentarem mais na frente para verem melhor, costurou-lhes nos olhos botões, como fazia à suas bonecas.
Quando chegou em mim – tentei correr, mas quem disse que saia do lugar? – Ela fez-me um leve carinho nos cabelos e libertou-me! Corri feito uma gazela até a porta, e ainda olhei para trás uma última vez. Ela sorriu-me e acenou.
Sabe, eu a entendi... Sempre lhe escrevi histórias, e ela adorava tanto, acho que de certa forma, ela queria que eu contasse isso a todos. Claro, eu pago um preço por ainda estar vivo. Nada nesta vida é de graça... E toda noite, sai ela de meu guarda-roupa, do amontoado de roupa que eu jamais dobro, senta-se à beira de minha cama, e me acorda tocando em meus cabelos. Tenho de me levantar e lhe contar uma histórias, enquanto sou observado por aqueles olhos enormes e estranhos, que me olham sem me ver.
É... estou ficando sem histórias, sem alguém por ai tiver alguma, me mandem!
PS: Com verdadeira Urgência!
Está anoitecendo...