DISQUE PIZZA
__ Almeida, o jantar está na mesa!
Eunice preparou a mesa para o lanche dominical. Gostava de reunir as pessoas da casa para as refeições em volta da mesa, tarefa árdua numa rotina em que cada um tem seus horários e prioridades.
__ Quero comer aqui no quarto, vendo Fantástico.
__ Deixa o Fantástico de lado e vem me fazer companhia aqui na mesa.
Pedia Eunice esperançosa.
__Mas logo agora que vai passar a reportagem da mulher que tocou fogo no marido...
__Deixa o churrasquinho de marido prá lá, porque a pizza vai esfriar.
Muito a contra gosto o homem se levantou com dificuldade. A barriga querendo escapar por debaixo da camisa de malha de tão gorda e pendurada. Irritado,suava pelo esforço de ter andado o pequeno trajeto do quarto para a sala de jantar.
__Quero apenas dois pedaços.
__Sei, anda meio enfastiado não é filho?
__Estou querendo emagrecer um pouco.__Explicou Almeida, alisando a barriga descomunal sobre a camiseta de malha surrada.
Lá pelas tantas, Almeida começou a olhar de forma desconfiada para a mulher e indagou com perplexidade:
__Filha, sua cabeça está cheia de cabelos brancos! Você tem cabelos brancos? Como nunca percebi?
__Porque você é um lunático ! Como assim, você acha mesmo que uma mulher da minha idade não tem cabelos brancos? Você é tonto,ou o que?
__Calma, é que eu fiquei chocado...
__Como assim,chocado?
__Apenas,surpreso. Achei que pintava o cabelo para clarear, mas não sabia que tinha fios brancos! É mulher, você está ficando velha mesmo.
__E você por sinal é muito novo? E esses fios brancos aí atrás das orelhas?
__Ahhhhh, não dá nem para comparar! Tenho muito menos que você.
Eunice foi ficando irritada. A chegada da menopausa estava mexendo com o seu corpo e suas emoções. Um misto de ódio e mágoa foram tomando conta do seu coração. Almeida continuava com seus comentários sarcásticos sem se dar conta do impacto de suas observações.
__ Oh véia, leva depois um sorvetinho prá mim que quero acabar de assistir a reportagem.
__Pode deixar__Eunice fervilhava de ódio. Levo no capricho!
A mulher foi para a cozinha e lavou a louça toda tentando esfriar a cabeça. Ficou remoendo sem parar aquelas palavras. Já há algum tempo andava com a auto estima baixa. O marido nunca olhava para ela e quando reparava em algo era para colocar defeito. Abriu o congelador,
retirou o pote de sorvete, colocou três bolas, calda de chocolate e resolveu que acrescentaria um "ingrediente secreto". Tinha dificuldade para dormir e mantinha sempre um frasco de calmante à mão, para as noites de insônia. Colocou uma, duas, três... vinte gotas e levou para o marido, no quarto. Almeida esvaziou a caneca de sorvete e após uns minutos, roncava pesadamente. Eunice rapidamente pegou uma caixa de tinta para cabelos que havia comprado mas ainda não tinha tido nenhuma folguinha para usar. Seguiu as orientações do rótulo e depois de algum tempo, conseguiu a tonalidade desejada, dando-se por satisfeita.
O dia amanheceu e os primeiros raios do sol despertaram o pançudo, que como de costume, espreguiçou-se e alisou a grande protuberância abdominal.
Eunice dormia tranquilamente ao seu lado, com a cabeça envolta por um lenço colorido. Almeida caminhou lentamente arrastando as Havaianas pelo chão até o banheiro. Acendeu a luz,esvaziou a bexiga e dirigiu-se de cabeça baixa ao lavatório. Abriu automaticamente o armário e retirou de lá uma escova de dentes de cerdas gastas. Colocou a pasta de dente generosamente, desperdiçando uma boa quantidade na pia do banheiro. Passou a tarefa de escovar os dentes, como de costume e distraidamente fechou a porta do armário. Foi então que finalmente deparou-se com a sua imagem no espelho e soltou um grito de espanto e desespero:
__Que porra é essa?
O reflexo revelava a imagem de um velho obeso, com o cabelo todo branco que coçava a cabeça sem nada entender.
__Filha, me acode que tem um velho me olhando no espelho! Me belisca porque acho que estou tendo um pesadelo.
Abriu e fechou os olhos várias vezes e lá estava o velho barrigudo encarando o seu olhar.
__ Só pode ser a catarata chegando!
Correu para o espelho do armário do quarto querendo uma confirmação e lá estava o velhote com a cabeça branca e a pança mole pendendo sobre os bagos.
__Eunice, onde você está, mulher?- perguntou vendo que a mulher havia se levantado.
A porta do quarto se abriu e entrou uma mulher vistosa, de cabelos vermelhos e que soltava faíscas pelo olhar.
__O que foi pançudão, não está me reconhecendo? E bateu com um enorme chicote no chão.
Almeida deu, instintivamente, um salto para trás. Apoiou-se na cômoda para não cair e lentamente foi recuando. Sua mão tocou acidentalmente num frasco que caiu sobre a cômoda,deixando vazar o seu conteúdo que logo empestiou o quarto com cheiro de água oxigenada. Achou estranho que a mulher tivesse dormido com um lenço na cabeça,mas daí a desconfiar que...Passou a mão pelos cabelos e sentiu o mesmo odor forte e desagradável. Eunice parecia transtornada. Nada sobrara da mulher calma de outrora. Olhava o marido com raiva e não parecia satisfeita com o resultado da sua vingança. Aquilo era pouco, muito pouco... Aproveitando -se da falta de ação de Almeida, rapidamente ela pegou um vaso de cerâmica golpeando o marido na testa. O homem caiu desacordado sobre a cama.
A família Baldaracci se reunia todo o Domingo à mesa para o lanche dominical. Mama Sophia sovava a massa com as próprias mãos deixando o fermento biológico fazer seu trabalho. A pizza dos Baldaracci era a mais conhecida do bairro do Bexiga. Todos esperavam ansiosamente pelas variedades que mama Sophia inventava. A televisão ficava na sala e barulhenta, fazia um resumo dos últimos acontecimentos do mês. Na pauta do programa, o estranho caso da morte de um industriário na sua própria casa. O crime acontecido há seis meses atrás continuava sem solução. O homem fora encontrado amarrado na própria cama, asfixiado por vários pedaços de pizza entalados na sua garganta. A mulher e principal suspeita estava foragida, sem deixar pistas.
__Eh, cáspita! Desliga essa televisão e vem comer que a pizza vai esfriar!