O Culto - Meu Amigo Oculto DTRL 2014

Depois de uma longa viagem, eu e meu amigo Edgar estávamos, enfim, próximos de nosso destino. Procurávamos o hotel no qual iríamos nos hospedar, iríamos, certamente, ficar vários dias até resolvermos o caso. O Rio de Janeiro realmente é lindo, mas não teríamos tempo para nos deleitarmos com as belezas naturais: estávamos onde precisávamos estar com um único intuito: investigar o sobrenatural.

Edgar era sensitivo. Podia se comunicar com os mortos, vê-los, senti-los. Eu, como detetive particular, custei a acreditar nisso, mas as várias experiências que dividimos no passado me fizeram crer na existência do desconhecido. Como havíamos recebido relatos de que fatos estranhos aconteciam aqui na cidade, mais especificamente dentro do referido hotel, viemos investigar. Após algumas horas de caminhada, Edgar resolveu visitar o cemitério enquanto eu encontrava o lugar onde nos hospedaríamos.

Felizmente, o hotel dava acesso aos pontos mais importantes de nossa investigação: a delegacia, o cemitério e o local onde supostamente estava assombrado. O hotel era muito bonito, bem iluminado. Fui muito bem recebido, aparentemente minha fama estava além do que eu podia imaginar.

Anoiteceu e Edgar ainda não tinha voltado. Estava eu, no quarto 1209, sozinho, relendo todas as indicações que nos trouxeram a tal lugar. A pessoa anônima que mandou a carta relatava ouvir gritos em determinada hora da madrugada em algum dos quartos próximos ao meu. Outro relato dizia que sussurros podiam ser ouvidos quando o silêncio predominava. Algumas fotos mostravam paredes arranhadas e manchas de sangue espalhadas pelo chão. Eu ainda não sabia em qual quarto isso havia acontecido, mas sabia que era no último andar, exatamente onde eu me encontrava.

Ouvi alguns ruídos no banheiro, meu coração acelerou. Fiquei estagnado no meu lugar e os barulhos cessaram. Ao me acalmar, fui, lentamente, olhar o que poderia ter causado aqueles ruídos. Abri a porta com cuidado, tentando espreitar pela fresta o que poderia haver lá dentro. Estava quase completamente escuro; apenas as luzes da cidade através da pequena janela iluminavam um pouco aquele local tenebroso. Enquanto eu empurrava a porta vagarosamente, meu coração novamente acelerou e comecei a indagar-me se eu realmente deveria fazer aquilo.

Quando a porta já estava suficientemente aberta para que eu pudesse entrar, um barulho atrás de mim, juntamente a gritos, me derrubou ao chão. Ao mesmo tempo, alguns morcegos saíram voando pela porta e pela janela. Olhei para trás e vi Edgar, esbaforido. Com um pouco de sangue escorrendo pela testa, ele fitou-me e tentou falar algo, mas não conseguiu. Estávamos os dois completamente assustados.

Após nos acalmarmos, relatei o fato dos morcegos e ambos rimos. Quando perguntei o que havia acontecido com ele, Edgar foi relutante e disse que preferia não comentar a respeito. Eu insisti, pois estava curioso a respeito do que poderia ter acontecido no cemitério. Após outras várias tentativas de omitir, Edgar finalmente resolveu contar-me do que havia presenciado. Segundo ele, após entrar no cemitério para investigar o local, encontrou um grupo de pessoas reunidos em volta de um túmulo específico, entoando cantos estranhos. Edgar, tão curioso quanto eu, mas não tão cuidadoso, acabou sendo descoberto e teve de fugir para não ser linchado. Apesar da história dele ser mais grave do que a minha, ainda assim rimos, pois, de certa forma, era algo pelo qual nunca havíamos passado. Ele, com tanta experiência em lidar com assuntos sobrenaturais, fugindo de pessoas que cantavam diante de um túmulo.

Apesar dos risos, tentamos ligar os acontecimentos com as histórias que haviam nos trazido a este hotel. Morcegos em meio à cidade grande... Rituais em cemitérios... Sussurros à meia-noite, gritos esporádicos ao longo da madrugada. Tudo isso era parte de um mistério que parecia se complicar ainda mais. Já passava da uma hora da manhã, quando alguém bateu à porta do quarto onde estávamos.

Era uma senhora, que estava hospedada no quarto ao lado. Ela veio gentilmente até nós para pedir que desligássemos o rádio, pois ela não conseguia dormir. Eu a atendi e, sorridente, falei que abaixaria o volume para não a incomodar. Entretanto, em momento algum havíamos ligado o rádio. Apenas fui condescendente para não parecer mal educado. De qualquer forma, era outro fator estranho a se incluir na lista de bizarrices que estávamos enfrentando. Devido à exaustão, resolvemos descansar.

Amanheceu chovendo. Logo que a chuva parou, acompanhei Edgar até o cemitério, mais especificamente no tumulo onde ele havia encontrado o grupo de pessoas na noite anterior. A lápide havia sido retirada e havia apenas um buraco no chão. No fundo tinha uma pequena caixa de madeira com duas letras gravadas. Edgar se prontificou a pegá-la. Ele pulou no buraco, pegou a caixinha, abriu e encontrou, dentro, uma folha de papel. Ao lê-la, ele olhou para mim com olhos arregalados. Eu perguntei o que ele tinha lido, mas não obtive resposta. Edgar olhou novamente para a folha de papel, estendeu a mão para que eu o ajudasse, mas nesse momento recebi uma pancada na cabeça e caí, desacordado.

Assim que recobrei a consciência, vi que o buraco havia sido tampado. Desesperadamente, peguei uma pá que estava ao meu lado e comecei a cavar o mais rápido possível, pois não podia deixar meu amigo morrer sufocado. Cavei, cavei, cavei incansavelmente.

Quando meus braços não tinham mais força, percebi que eu já tinha cavado mais do que deveria e não encontrara o corpo de Edgar. Não havia pensado que ele poderia estar vivo, mas, ao perceber que não havia corpo ali, comecei a considerar essa hipótese. Com auxílio da pá, consegui sair do buraco e, ao chegar à superfície, vi a caixinha de madeira caída perto de outro túmulo. Ao abri-la, nada encontrei. Mas resolvi levá-la comigo para o hotel.

Após tomar um bom banho, sentei-me na cama e fiquei pensativo, tentando colocar as peças no lugar. Mas nada se encaixava, nada fazia sentido. Ouvi batidas na porta e perguntei quem era. Era o serviço de quarto. Fui atender, mas não encontrei ninguém, apenas o carrinho com uma bandeja tampada, um cálice cheio e outra caixinha de madeira. Puxei o carrinho para dentro do quarto e, por estar com fome, resolvi verificar o que seria aquela refeição que eu havia ganhado.

Ao erguer a bandeja, inexplicável foi o meu espanto: alguém havia me mandado uma orelha humana! Recuei até tropeçar na cama e, quase sem ar, meus ouvidos começaram a ouvir gargalhadas que não pareciam vir de lugar algum – a não ser minha própria mente. Talvez seja isso, talvez seja tudo loucura, talvez tivessem me chamado para este local para testar a minha sanidade, inventado histórias, colocado morcegos no quarto onde eu certamente me hospedaria. Só podia ser armação! Para recuperar meu fôlego, respirei fundo e tampei aquela bandeja, tentando não olhar para aquilo. Peguei a taça de vinho e tomei tudo de uma vez só. Mas não era vinho! Era sangue, o gosto de ferro tomou conta da minha boca, meus joelhos se enfraqueceram, caí ao chão tossindo, sem ar, meus olhos lacrimejavam e meus ouvidos escutavam novamente aquelas risadas que pareciam ficar mais animadas conforme eu sofria, eu me debatia, tentava por para fora o sangue mas quanto mais eu me esforçava, mais difícil aquela tarefa parecia, eu já estava ficando sem ar quando, finalmente, consegui vomitar e me sentir um pouco mais aliviado.

Ainda caído no chão, limpei meus olhos e involuntariamente olhei debaixo da cama: lá estava Edgar. Puxei-o e tentei acordá-lo, mas percebi que ele não mais respirava. Ergui-me e peguei a caixinha de madeira, que era bastante similar àquela encontrada no túmulo mais cedo. Nesta, no entanto, não haviam letras. Eu a abri e vi que tinha uma folha dentro. Um símbolo no canto superior dava a entender que a seita que Edgar viu no cemitério era a responsável por toda essa loucura que estava acontecendo. No inferior da folha, uma breve inscrição, que dizia:

“Nosso mestre renascido está

Tenta manter a mente sã

Se procurares, encontrarás

Tu és a larva da maçã

Já pensaste como será

Se tu morresses amanhã?”

Edimar Silva
Enviado por Edimar Silva em 20/12/2014
Código do texto: T5075850
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