A Maldição Da Cigana
Era por volta do ano 1200. Uma tribo de ciganos atravessava uma região remota da Romênia em uma longa caravana. Cansados da jornada, decidiram acampar às margens de um rio de águas límpidas que existia no lugar. Eram, entre homens, mulheres e crianças, cerca de 200 pessoas.
O Barô ( chefe ) dos ciganos era um homem já idoso chamado Teklos, muito sábio e benevolente. Era viúvo e tinha uma linda filha de 18 anos de nome Sâmara, que era a rainha da tribo. Além de sua beleza, Sâmara possuía em alto grau o dom da vidência. Desde pequena, lia as cartas do Tarô com uma precisão espantosa. Era morena e esguia, e usava moedas de ouro nas longas tranças negras.
O que eles não sabiam, mas logo viriam a descobrir da pior maneira possível, era que estavam nas terras do Duque Negro, de péssima fama, um homem jovem e belo mas muito cruel. Seu nome era Baldock, mas recebeu a alcunha de Duque Negro pelo fato de usar sempre uma armadura e um manto negros e montar num garanhão também negro. Todos na região temiam e ninguém ousavas atravessar seus domínios, o que poderia resultar em uma morte lenta e dolorosa.
Quando o Duque Negro foi informado de que uma tribo de ciganos havia acampado em suas terras, imediatamente reuniu um grupo de seus homens mais bandidos e assassinos e montou em Lúcifer, seu magnífico corcel negro. Marcharam ao encontro dos ciganos, que ficaram apreensivos ao verem aquele grupo de homens armados se aproximando. Sâmara, muito sensitiva, estremeceu ao ver surgir no horizonte o vulto sinistro daquele cavaleiro todo coberto de preto, montando aquele sinistro cavalo. Teve uma visão trágica do que a esperava.
O Duque Negro disse aos ciganos que eles seriam mortos por terem ousado invadir suas terras. Teklos, pai de Sâmara, ainda tentou argumentar, dizendo que se retirariam imediatamente, mas foi inútil. Os homens do Duque desembainharam as espadas para massacrar os ciganos indefesos. Foi quando o Duque ergueu o visor de seu capacete e seus olhos, frios e cinzentos como aço, pousaram em Sâmara.
Aqueles olhos percorreram lascivamente o corpo frágil da moça, coberto por uma blusa branca franzida e uma saia vermelha de tecido esvoaçante, presa à cintura por um cinto dourado... suas tranças negras ondulando ao vento, fazendo tilintar graciosamente as moedas... detiveram-se em seu busto virginal...nos olhos esverdeados...na boca fresca e vermelha como um fruto silvestre...um desejo bestial o dominou. Então ele disse ao Barô que os deixaria ir embora em paz, se ele lhe entregasse sua filha...
Teklos, indignado com a proposta indecente do nobre, negou tamanha sordidez, mas Sâmara ofereceu-se espontaneamente ao sacrifício. Disse ao pai que se imolaria para salvar seu povo, como rainha cigana que era. O ancião, com os olhos cheios de lágrimas, reconheceu a nobreza ímpar do gesto de sua filha e, com o coração a sangrar, abençoou sua decisão. Sâmara, sem derramar uma lágrima, apoiou-se na mão que o Duque Negro lhe estendia e montou na garupa de seu cavalo, e o sinistro grupo partiu a galope...
Os ciganos apagaram as fogueiras e partiram, mas Teklos teve um desgosto tão grande pelo destino de sua filha que morreu naquela mesma noite.
Ao chegarem ao imponente castelo de pedra, com ponte levadiça e amuradas, o Duque Negro entregou Sâmara aos cuidados das criadas e ordenou que a banhassem e perfumassem, pois naquela noite ela seria sua. Sâmara procurou seu baralho, tirou uma carta, e era a carta da Morte...
Mais tarde, vestida e adornada como uma rainha, foi entregue aos caprichos do Duque Negro. Ele tirou sua virgindade, abusou dela de muitas maneiras, e a deixou ferida e sangrando. Ao amanhecer, uma serva de nome Blanca, que fora ama de leite do Duque Negro, compadeceu-se de Sâmara e a levou para sua casa, onde a tratou com ervas e remédios caseiros. Aquela foi a primeira e última vez que o pérfido Baldock esteve com Sâmara, fora apenas um capricho passageiro e uma forma de humilhar o povo cigano, mas logo em seguida a moça descobriu que estava grávida...
Separada de seu amado pai e de seu povo, e carregando no ventre o fruto de sua humilhação, Sâmara quis jogar-se no rio; mas Blanca a cuidou como se fosse sua filha e isso a impediu de suicidar-se. Por fim ela deu à luz uma menina, mas morreu de hemorragia, febre e desgosto. sua alma de rainha cigana era altiva demais para suportar tamanha degradação. Mas, antes de fechar os olhos para sempre amaldiçoou o Duque Negro, profetizando que a filha de ambos, que acabara de nascer, um dia o mataria.
Blanca chorou muito e deu uma sepultura digna à infeliz cigana. Criou a recém-nascida órfã como filha e deu-lhe o mesmo nome de sua mãe. Alimentou-a com o leite de uma cabra de estimação. A menina cresceu forte e alegre, brincando com as outras crianças; jamais o desalmado pai soube de sua existência, aliás ele já perdera a conta de quantos filhos bastardos possuía. Algum tempo depois se casou com uma princesa russa e foi morar em outro castelo, raramente aparecendo naquele lugar.
Sâmara, enquanto isso, crescia em graça e beleza. Sua semelhança com a mãe era impressionante. Um dia, encontrou por acaso as moedas de ouro que sua mãe cigana usava nos cabelos, e que a velha Blanca guardara. Movida por um impulso misterioso, a moça, já com 18 anos, prendeu as moedas em seus negros cabelos... depois foi admirar-se nas águas do rio, achou-se linda, as moedas pareciam estrelas... e começou a dançar graciosamente ali na beira das águas, uma velha canção romani que ninguém lhe ensinara, mas que estava em seu sangue...
Nesse momento mo Duque Negro, que há muitos anos não pisava naquelas terras, vinha chegando a galope, com alguns homens armados... ao ver a graciosa aparição, dançando sozinha uma canção misteriosa, ao ouvir o tilintar das moedas, ficou branco como cera; seus cabelos se eriçaram. Lembrou então da infeliz cigana de quem abusara, e exclamou:
- É ela! É aquela maldita cigana do inferno! Voltou para se vingar de mim.
E teve um derrame, caindo já morto de sua montaria...
FIM