Inquebrável(REPUBLICAÇÃO)
Era um homem tranquilo meu vizinho, era um homem misterioso mas tranquilo, não era muito de papo, poucos ou nenhum amigos. Sempre com aquela aparência enferma, barba por fazer, unhas nunca limpas, cabelos desgrenhados, mas uma pessoa tranquila. Um homem solitário, havia perdido a mulher há mais ou menos 01 ano atrás, está desapareceu levando consigo os 03 filhos e a roupa do corpo.
Ele não se casou, não a procurou apenas aceitou, aliás era uma pessoa que demonstrava aceitar tudo que a vida lhe oferecia. Eu era uma criança na época, porém acho que entendia a dor daquele homem, as vezes quando não tinha nada pra fazer me dirigia até sua casa e lá era empanturrado com lanches e histórias de terror, as minhas preferidas claro de "lobisomens" as qual ele possuía um repertório vasto, até hoje não sei minha admiração vinha do seu imenso conteúdo de histórias de "lobisomens" ou da própria pessoa.
Lembro que as vezes ficava olhando, observando sua casa, pra tentar descobrir o que aquele homem fazia dentro daquela imensa casa sozinho, sem ter com quem conversar. O via andando, fazendo uma coisa ali outra aqui nunca parado, porém tinha certas noites a casa parecia abandonada, não se via sua agitada movimentação, acho até que era quando a tristeza batia e as lembranças da sua esposa vinham visita-lo, por que quase sempre eram em noites bonitas onde a lua brilhava bem alto, prateada, derramando a plenitude de sua luz em nossas almas. Sua atitude já mudava mesmo durante o dia, sua impaciência e irritabilidade já eram visíveis, tanto que me dava até receio de realizar minhas visitas nesses dias e quando a noite caia ele saia, ficava durante um tempo observando a lua, depois entrava e não era mais visto até o dia seguinte.
Nessas noites a quietude da casa era contrastada com a algazarra que transformava a vizinhança, os cachorros entravam em frenesi, apareciam acho que todos os cachorros do bairro para fazerem estardalhaço na minha rua. Lembro-me que em uma noite dessas depois dos cachorros sossegarem, acordei de súbito e fiquei observando o barulho da madrugada e pude jurar que bem longe, não sei vindo de onde, mas pude escutar algo parecido como grades batendo, era como se algo se jogasse sobre grades querendo sair, procurei criar uma relação com esse som estranhos e as noites de lua e tive a resposta que elas se correlacionavam e desde então quando acordava durante essas noites, colocava o joelho no chão e orava para que seja lá o que estivesse preso, não conseguisse derrubar aquelas grades.
Então houve um dia que mais alguém escutou, e contou pra mais alguém e esses "alguém" descobriram de onde vinha o barulho, lembro que nossos pais ordenaram que ficássemos em casa e todos eles saíram e foram em direção da casa do meu vizinho. Era uma noite como nenhuma outra e tudo estava calmo dentro da casa, pensei que eles até o fossem convidar para o que iriam fazer, mas depois do primeiro ponta pé na porta da frente, percebi que tinha algo errado. Não aguentei a curiosidade fui ver o que tinha acontecido para que invadissem a casa do meu amigo daquele jeito e ao me aproximar da casa ouvi a agitação, era como se tivesse um cão acuado, que urrava, uivava, rosnava, porém eu não sabia que meu vizinho criava algum cão, apesar de parecer pelo barulho e pela pancada que o bicho dava na jaula que o aprisionava(creio eu) era algo bem maior, lembro que resto da casa estava escura a única luz vinha de uma espécie de porão, coisa que nunca havia observando quando ali estive pra ouvir minhas historias, era como uma passagem secreta, também pudera a casa era enorme, a maior do bairro. Foi muito rápido ate´hoje não lembro muito bem o que aconteceu, a única coisa que lembro é o barulho de algo transpondo a grade, arrebentando com ela, a grade que tantas noites clamei que fosse feita do metal mais duro do mundo, lembro também da grande confusão e gritaria, de alguém pedindo pra não deixa-lo sair do porão, pra que alguém atirasse, do vulto surgindo do nada, grande, imenso por melhor dizer, se aproximar, farejar, lembro que não senti medo, lembro também dos olhos, olhos conhecidos, algo de humano ainda estava ali presente, algo ainda não tava completo, metade de sua fisionomia ainda estava ali presente olhando pra mim, querendo me dizer algo com aquela enorme bocarra, recheada de presas, o máximo que conseguia era rosnar, porém a tristeza e a angustia podia ser passada pra mim, foram alguns segundos desde sua aproximação, eu que tantas vezes comentei enquanto meu vizinho me enchia com seus contos que sempre quis correr pela noite, sobre a luz da lua, com força e vigor sobre-humanos ele sabia que era o que realmente queria. Uma pancada me desacordou e enquanto desmaiava, pude ouvir ainda os tiros e urro de dor, que me encheram de dor também e na minha mente eu queria saber o "porque", por que matamos tudo que não entendemos, porque?
Hoje vivo sozinho, perdi minha mulher meus filhos, eles não entendem certas coisas, ela achou que eu a estava traindo, só por que algumas noites não durmo em casa, sei que a amo e ela sempre será a única! meus pais? faleceram, sem nunca me explicar o que aconteceu naquela noite, não lembro mais do meu vizinho.
O resto da minha infância ficou distorcida, esquecidas após tantas cirurgias para enxerto de pele, hoje o dia foi agitado, uma inquietação, 19:00hs, a lua tá linda hoje a cicatriz do meu peito ainda é viíivel e tá começando a arder, porém já tô perto da casa que comprei(ninguém sabe disso) a casa que sempre em algumas noites visito, acabo de me trancar e novamente coloco os joelhos no chão e rezo pra que as grades me aguentem...
PS conto republicado(faz parte de um outro perfil que possuía)