Morte seca
"O sol estava exatamente no meio do céu. A temperatura das ruas era insuportável naquele domingo. Todos os moradores da pequena cidade estavam abrigados em suas casas, com ares-condicionados funcionando a todo vapor. Mesmo os bares estavam vazios. Ninguém se atrevia a sair, não com um calor daqueles. Ninguém, menos eu.
A escória da cidade. O mendigo sujo da Beira-Rio. O ser que ninguém desejava ver, e por isso mesmo, invisível aos olhos de todos.
Tornei-me mendigo por uma dívida contraída após a perda de um emprego. Tomaram minha casa e tudo o que eu tinha. Restaram-me apenas uma camisa esfarrapada, um jeans imundo e uma cabeça para pensar.
Nem sempre fico tão imundo. Às vezes, um padre permite que eu use o banheiro da igreja para me lavar. E quando chove, faço questão de aproveitar a oportunidade. Mas não chove há muito tempo. E a igreja está sem água há uma semana. Eu mesmo não consigo me lembrar do último copo d'água que bebi. Terá sido ontem ou anteontem? Não importa. O que importa é que estou com muita, muita sede. E não se nega água a ninguém.
Bati na primeira porta. Um homem suarento e rude abriu-a pesadamente.
- O que você quer aqui?
- Pode me dar um copo de água, senhor?
- Que grande piada! Dar água ao mendigo quando há um mês tenho de economizar até para os meus filhos!
Dito isso, o homem bateu a porta. Negou-me um copo d'água. E talvez tenha negado também a si mesmo para dá-lo aos seus filhos. Antigamente, eu podia comprar uma garrafa grande com as moedas que recebia pela manhã. Agora, tais garrafas estão tão caras que precisaria juntar dinheiro durante uma semana para poder comprá-las. Lembrar disso deixa minha sede mais forte e começo a sentir não apenas a garganta e os lábios secarem, mas também os olhos e a pele. É estranho notar que não suei, apesar do calor que está fazendo. Está faltando água até dentro do meu corpo.
Resolvi bater em outro lugar. Andando devagar, um passo de cada vez, caminhei até a outra rua. Bati na casa mais bonita. Talvez os ricos tivessem água para compartilhar.
- Pode me dar um copo d'água, senhora?
Não tinham. Vi, de relance, o rosto de uma mulher antes de escutar a porta bater. Talvez estivesse faltando água para toda a cidade. Mas eu não podia deixar de tentar consegui-la. A sede tornava-se cada vez mais forte, minha cabeça doía como se fosse explodir e meus movimentos, contra a minha vontade, tornavam-se cada vez mais lentos. O sol castigava minha pele. Quando fiquei tonto, percebi que não conseguiria mais ir muito longe. E soube que aquela tentativa seria a última. Enquanto caminhava, vi o rio de longe, ou melhor, o que sobrou dele: um monte de lama. Não era de se admirar que ninguém tivesse água naquela cidade. Parei ao avistar a última moradia daquele bairro, quando a moleza venceu minhas pernas.
Era uma casa simples, pintada de azul. Um pequeno jardim na frente, que um dia foi bem cuidado, ostentava os sinais da seca. Essa casa provavelmente estava sem água. Mas eu não podia ir mais longe. Bati na porta e uma mulher alta e gorda atendeu.
- A senhora pode me dar um copo d'água?
As pálpebras da anfitriã estremeceram e eu vi a primeira dose de água do dia: lágrimas. Baixando os olhos, ela deu sua resposta:
- Meu filho, ceder-lhe-ia um copo d'água se o tivesse, mas não tenho água em casa há três dias. Não caiu uma gota no cano. E hoje... hoje de manhã... quando fui comprar água para beber... o dinheiro não dava!
Não tenho água nem para mim mesma...
A mulher fechou a porta vagarosamente e pude escutar que continuava a chorar. Não consegui me levantar; estava letárgico demais para isso. Minhas pernas não queriam se mover. Minhas mãos tremiam levemente. A sede tornou-se mais cruel. Eu sabia que, desse ponto em diante, minha garganta não produziria mais som algum. Estava completamente seca.
Olhei para cima e arrependi-me imediatamente. O sol estava logo em cima de mim! Meus olhos arderam tanto que também fui privado da visão. Fiquei ali, apenas sentindo a sede, as dores, a letargia e o calor. O sol seria a estrela mais brilhante daquele dia. E nunca mais iria embora. Não para mim.
O asfalto estava muito, muito quente. Poderia fritar não apenas um ovo, mas um ser humano, como estava fazendo comigo. E ainda assim, nem uma gota de suor caiu. Estava condenado. Jamais conseguiria sair dali, a menos que conseguisse água. Senti cada centímetro de pele a queimar; o sol parecia ter se deitado pesadamente sobre o meu peito. Talvez tenha mesmo feito isso. Talvez tenha conseguido derrubar-me assim. E isso foi a última coisa que pensei antes de perder os sentidos para sempre."
--------------------------------------------------------------------
No dia seguinte, na residência do prefeito, um diálogo cordial entre este e sua esposa:
- Você ficou sabendo? Um mendigo foi encontrado morto, completamente desidratado, na porta da casa da minha irmã!
- Deve ser um vagabundo ou um ladrão, para ter água negada por todos. Em uma cidade como essa, em que não falta água mesmo com a seca... Só podia ser um vagabundo!
FIM
ATENÇÃO: As situações vividas neste conto e seus personagens são fatos fictícios. Qualquer semelhança com a realidade é apenas mera coincidência.