O Jardim dos Inocentes DTRL 19
O Jardim dos Inocentes- Conventos religiosos.
Jorge Linhaça
Durante anos o convento ganhara a fama de fornecedor de frutas e hortaliças e excelente qualidade, todos os legumes eram maiores e mais vistosos que os demais daquela região.
O excedente era vendido para ajudar na manutenção do lugar e parte era distribuída aos pobres.
Foram décadas seguidas de prosperidade nesse sentido e quem visitava o local podia ver também belos roseirais e outras flores lindas em um jardim lindamente cultivado.
O solo ali, contavam, devia ser abençoado por Deus, já que nas propriedades próximas não se conseguia atingir a mesma qualidade em qualquer tipo de plantação.
Com a crise da vocação que diminuía sensivelmente o número de noviças em todos os conventos, de todas as ordens, o convento foi sendo mantido até que poucas e idosas freiras restassem.
Por fim acabou sendo desativado e abandonado ao tempo.
Quem passava pelas ruínas do convento depois de escurecer, já que a cidade ia crescendo paulatinamente dizia ouvir choros e vagidos de crianças.Mas não eram choros comuns, tinham algo de fantasmagórico e só aconteciam à noite.
As pessoas começaram a fazer o sinal da cruz mais intensamente à medida que a fama do convento se espalhava, muitos evitavam mesmo passar por ali, preferindo dar uma volta maior para chegar em suas residências.
O mistério permaneceu e ganhou fama por muitos anos. Alguns diziam que os choros de criança nada mais eram que o miado de gatos no cio, que se assemelham muito ao choro dos infantes.
Parecia uma explicação lógica, já que os gatos tem hábitos noturnos e isso coincidia com o horário onde os pretensos choros eram ouvidos.
Após alguns anos um hospital alugou o prédio do antigo convento para instalar ali uma unidade de atendimento. O prédio precisava de reformas e principalmente de adaptações para que atendesse a essa finalidade.
A princípio nada de especial ocorrera, embora os vigias noturnos tivessem várias vezes relatados os já famosos choros de crianças, no entanto, por mais que percorressem o local nem crianças e nem gatos eram ali encontrados.
Foi somente quando as obras avançaram sobre a antiga e horta e o antigo jardim e que a terra começou a ser retirada , que o macabro segredo foi sendo desvendado.
Mal a escavadeira começou a revolver a terra e os operários apavorados começaram a perceber pequenos restos humanos tanto em uma como em outra localização.
A polícia foi chamada, os pequenos restos periciados e descobriu-se que eram de fetos e de recém nascidos com décadas de idade.
A sua carne em decomposição havia alimentado e adubado a terra de forma que a lembrança das hortaliças e legumes consumidos pelos mais antigos tornou-se um tormento para suas almas.
Quem poderia esperar por tamanha desfaçatez justamente num local considerado santo?
Tudo indica que os inocentes ali enterrados eram, ao menos em sua maioria, frutos do desejo carnal das freiras ao qual haviam sucumbido e tornado-se rotineiro.
O Hospital desistiu de ali instalar sua unidade pois não queria ter seu bom nome associado àquela trágica descoberta, tornando-se conivente com o que ali havia ocorrido.
A igreja tentou inutilmente abafar o caso e dar-lhe inúmeras explicações, mas estava para sempre maculado aquele solo que de santificado, como criam alguns, passou a ser considerado como demoníaco.
As ruínas do convento ainda estão por lá, já não se ouvem mais os lamentos dos inocentes que, após terem seus restos descobertos parecem ter encontrado a paz que lhes fora negada com o fim prematuro de suas vidas.
Jorge Linhaça