COMPRADOR DE ALMAS
Ele disse que se chamava Adrammelech e pertencia á Ordem de Samael. E que vinha de Mercúrio. Eu sou um mestre de obras, iletrado e burro. Quase não consigo falar esse nome e a única coisa que sei, dessas que ele falou, é que Mercúrio é um planeta pequenininho que fica perto do sol. Quanto ao nome Samael, não tenho certeza se era Samael ou Samuel. Se for Samuel tudo bem, é um nome como outro qualquer. Só lá na minha igreja tinha pelo menos quatro Samuéís. É um nome bíblico sabe?
Aliás, foi lá na igreja que ele me abordou. Eu ia todos os domingos na igreja. Era um cristão devoto, que acreditava em tudo que a Bíblia diz. E odiava gente que não acredita. Gente que fica dizendo por aí que Jesus não é filho de Deus, que ele foi um homem comum que morreu como todo mundo e que não ressuscitou porra nenhuma.
Odeio gente que não acredita nele. Sempre achei que é por isso que existe tanta coisa errada no mundo. Pais que abandonam os filhos, filhos que desrespeitam os pais, ladrões por todos os cantos, gente se entupindo de droga e cagando nas ruas, sujando tudo e emporcalhando o mundo, fazendo coisas nojentas em público, como se estivéssemos em plena Sodoma e Gomorra.
Odeio principalmente gente que mora nas ruas. Se moram nas ruas é porque não prestam. Se prestassem não teriam deixado suas famílias, não teriam se tornado usuários de drogas, alcoólatras, mendigos e vagabundos. Odeio também essa gente que fica nas esquinas, se fazendo de artistas de circo, lavando para brisas de carro com sua água imunda e suas flanelas nojentas.
Eu já fui um sujeito simples e semianalfabeto. Depois que encontrei o Adrammelech deixei de ser. Nunca tinha ouvido antes esse nome: Adrammelech. Nome estranho, mas achei sugestivo, forte, diferente. Se dia tiver um filho vou dar esse nome a ele. Também não sei o que é a Ordem de Samael. Ele me explicou, mas eu não consegui entender nada. Para mim era uma espécie de maçonaria. Mas eu também não sei o que é maçonaria. Só sei que seus membros se vestem de preto e fazem reuniões secretas dentro de uma igreja que eles chamam de Loja. Dizem que os maçons têm parte com o capeta. Sei lá. Eu tenho horror a essas coisas.
Mas o Adrammelech é um cara legal. Desde o primeiro dia em que o vi, parece que a gente se deu bem. Ele veio, sentou-se ao meu lado na igreja e disse que andava á minha procura já há algum tempo. Perguntei por que e ele me respondeu que tinha uma missão para mim, e que se eu a cumprisse bem, a minha vida iria mudar para muito melhor.
Claro que eu me interessei logo pela conversa dele. Principalmente com aquele negócio da minha vida mudar para melhor. Sempre fui um cara muito sofrido. Não sei quem foi meu pai e minha mãe não é o tipo de mulher que alguém gosta de chamar de mãe. Ela dava para todo mundo. Quando eu era criança ela me mandava sair de casa de madrugada, ir para a rua e ganhar algum dinheiro. Não importa o que eu fizesse para isso. Só tinha que trazer algum para casa. Se não trouxesse apanhava e ia dormir com fome. E sempre tinha um cara para dormir com ela. Geralmente um cara diferente. Por isso, tão logo comecei a ganhar dinheiro suficiente para me manter, caí fora de casa. Eu não me aborreço em ser chamado de filho da puta, mas dói imensamente saber que eu sou filho de uma.
O Adrammelech não mentiu. Ele é o meu melhor amigo. Só pelo fato de ele ter me ajudado a melhorar de vida eu digo que ele foi a melhor coisa que aconteceu para mim. Ele me ajudou a arranjar um emprego melhor ─ imagine vocês que eu era um mero servente de pedreiro, e em menos de seis meses me tornei mestre de obras! Ganho agora dez vezes mais do que ganhava antes. Consegui até comprar um Fiat Pálio semi novo com o qual, parece, fiquei mais bonito, pois tenho conseguido até pegar algumas garotas, coisa que não conseguia antes.
Sim, eu estou agora bem de vida e sei que devo tudo ao Adrammelech. Foi ele que me ensinou, em tão pouco tempo, as técnicas de construção e administração de obras, com as quais eu convenço as pessoas a me contratar como empreiteiro. Foi ele que me ensinou as melhores cantadas, com as quais eu pego as meninas mais gostosas. Ele me ensinou a falar e a me vestir. Ele me transformou neste sujeito boa pinta que vocês veem.
O Adrammelech é o meu gênio protetor. Por isso não estranhei quando ele me trouxe aquele facão afiado e disse que estava na hora de eu pagar tudo que ele havia me dado até então. O que eu tinha que fazer era simplesmente cumprir um pequeno ritual para poder entrar na Ordem de Samael. Eu teria que matar doze mendigos, ou moradores de rua, ou ainda prostitutas ou drogados. Ele me disse que isso era o que o “o mestre da Irmandade" exigia, pois o mundo precisava ser limpo dessa imundície. Era um serviço que eu tinha que fazer para o bem da humanidade.
Não foi difícil entender o que ele queria que eu fizesse, nem achei que fosse coisa ruim. Afinal, eu não gostava mesmo dessa gente que fica dormindo nas marquises, congestionando as calçadas, cagando e mijando na rua, jogando lixo e sujeira para todos os lados. Também sempre odiei essa gente que se droga, esses mendigos sujos, fedorentos e maltrapilhos que ficam pedindo esmolas nos semáforos. E as prostitutas então... Essas malditas lembram a minha mãe...
A minha primeira vítima foi uma delas. Talvez eu tenha começado com as prostitutas justamente porque estava pensando em minha mãe. Não sei. Mas eu a retalhei com gosto. Foi fácil atrair a bobinha. Ela entrou no meu carro. Levei-a para um local bem afastado da cidade, pedi para ela tirar a roupa e fechar os olhos. E quando ela esperava que eu fosse meter o meu pau na sua xereca, o que entrou foi a lâmina do meu facão na garganta dela. Um golpe só. A cabeça daquela cadela fedorenta rolou que nem uma bola que a gente chuta.
Na mesma noite, depois de matar aquela puta, eu vinha voltando para a cidade e vi aquele mendigo dormindo no ponto do ônibus. Coberto com jornais, uma garrafa de pinga pela metade, ao lado dele. Combinação perfeita. Derramei a pinga nos jornais. Eu não fumo. Por isso não carrego fósforos nem isqueiro. Mas isso não foi problema. Usei o isqueiro do carro. Foi uma bela fogueira. Deu até para sentir o cheiro da carne queimada. O terceiro foi um morador de rua que encontrei num semáforo da cidade. Era madrugada. Não havia ninguém na rua. O idiota veio me pedir uma moeda. Disse que era para comprar um paõzinho. Mentira. Era para comprar pinga. Desci do carro. Dei-lhe uma estocada bem no meio do umbigo. Depois puxei a lâmina para cima, como se estivesse abrindo a barriga de um peixe. As tripas dele se derramaram no meio da rua como se fosse um frango que a gente acabava de limpar.
E assim foi. Em três dias eu completei a missão que o Adrammelech me deu. Matei doze pessoas. Fui metódico. Quatro eram mendigos, quatro eram moradores de rua e quatro eram prostitutas. Não se perdeu nada. No quarto dia, quando eu terminara de matar o décimo segundo, o Adrammelech entrou de surpresa no meu carro, quando eu parei em um semáforo. Não sei de onde ele veio, nem o que estava fazendo ali naquela hora soturna da noite. Mas ele era assim mesmo. Costumava aparecer do nada, nas horas mais insólitas, como se fosse um fantasma.
“Você cumpriu bem sua tarefa”, disse-me ele. “ Agora estamos parelhos com o nosso principal inimigo. Ele é o mestre da outra Irmandade, a dos Elhoins. Como ele levou doze almas para a Irmandade dele, e esses doze tem multiplicado desde então os quadros da sua Ordem, nós temos que, periodicamente, levar doze para o nossa, para que ela se equilibre com ela em poder. Seja benvindo. Você agora é um dos nossos.”
E aí ele me disse que a polícia ia me pegar. Mas que eu não me preocupasse com isso. Que tudo já estava acertado para mim. Que eu já tinha conquistado meu lugar ao sol. Eu acredito. O Adrammelech nunca me mentiu. Agora mesmo, enquanto vocês me interrogam, e ficam me olhando com essa cara de horror, como se eu fosse um psicopata sem cura, ou uma pobre alma possuída pelo demônio, como disse aquele padre, ele está ali, sentado, morrendo de rir disso tudo. Vocês não podem vê-lo, pois ele não se mostra a idiotas como vocês. Mas ele está sorrindo para mim agora e me dizendo que tudo vai ficar bem.
Ele disse que se chamava Adrammelech e pertencia á Ordem de Samael. E que vinha de Mercúrio. Eu sou um mestre de obras, iletrado e burro. Quase não consigo falar esse nome e a única coisa que sei, dessas que ele falou, é que Mercúrio é um planeta pequenininho que fica perto do sol. Quanto ao nome Samael, não tenho certeza se era Samael ou Samuel. Se for Samuel tudo bem, é um nome como outro qualquer. Só lá na minha igreja tinha pelo menos quatro Samuéís. É um nome bíblico sabe?
Aliás, foi lá na igreja que ele me abordou. Eu ia todos os domingos na igreja. Era um cristão devoto, que acreditava em tudo que a Bíblia diz. E odiava gente que não acredita. Gente que fica dizendo por aí que Jesus não é filho de Deus, que ele foi um homem comum que morreu como todo mundo e que não ressuscitou porra nenhuma.
Odeio gente que não acredita nele. Sempre achei que é por isso que existe tanta coisa errada no mundo. Pais que abandonam os filhos, filhos que desrespeitam os pais, ladrões por todos os cantos, gente se entupindo de droga e cagando nas ruas, sujando tudo e emporcalhando o mundo, fazendo coisas nojentas em público, como se estivéssemos em plena Sodoma e Gomorra.
Odeio principalmente gente que mora nas ruas. Se moram nas ruas é porque não prestam. Se prestassem não teriam deixado suas famílias, não teriam se tornado usuários de drogas, alcoólatras, mendigos e vagabundos. Odeio também essa gente que fica nas esquinas, se fazendo de artistas de circo, lavando para brisas de carro com sua água imunda e suas flanelas nojentas.
Eu já fui um sujeito simples e semianalfabeto. Depois que encontrei o Adrammelech deixei de ser. Nunca tinha ouvido antes esse nome: Adrammelech. Nome estranho, mas achei sugestivo, forte, diferente. Se dia tiver um filho vou dar esse nome a ele. Também não sei o que é a Ordem de Samael. Ele me explicou, mas eu não consegui entender nada. Para mim era uma espécie de maçonaria. Mas eu também não sei o que é maçonaria. Só sei que seus membros se vestem de preto e fazem reuniões secretas dentro de uma igreja que eles chamam de Loja. Dizem que os maçons têm parte com o capeta. Sei lá. Eu tenho horror a essas coisas.
Mas o Adrammelech é um cara legal. Desde o primeiro dia em que o vi, parece que a gente se deu bem. Ele veio, sentou-se ao meu lado na igreja e disse que andava á minha procura já há algum tempo. Perguntei por que e ele me respondeu que tinha uma missão para mim, e que se eu a cumprisse bem, a minha vida iria mudar para muito melhor.
Claro que eu me interessei logo pela conversa dele. Principalmente com aquele negócio da minha vida mudar para melhor. Sempre fui um cara muito sofrido. Não sei quem foi meu pai e minha mãe não é o tipo de mulher que alguém gosta de chamar de mãe. Ela dava para todo mundo. Quando eu era criança ela me mandava sair de casa de madrugada, ir para a rua e ganhar algum dinheiro. Não importa o que eu fizesse para isso. Só tinha que trazer algum para casa. Se não trouxesse apanhava e ia dormir com fome. E sempre tinha um cara para dormir com ela. Geralmente um cara diferente. Por isso, tão logo comecei a ganhar dinheiro suficiente para me manter, caí fora de casa. Eu não me aborreço em ser chamado de filho da puta, mas dói imensamente saber que eu sou filho de uma.
O Adrammelech não mentiu. Ele é o meu melhor amigo. Só pelo fato de ele ter me ajudado a melhorar de vida eu digo que ele foi a melhor coisa que aconteceu para mim. Ele me ajudou a arranjar um emprego melhor ─ imagine vocês que eu era um mero servente de pedreiro, e em menos de seis meses me tornei mestre de obras! Ganho agora dez vezes mais do que ganhava antes. Consegui até comprar um Fiat Pálio semi novo com o qual, parece, fiquei mais bonito, pois tenho conseguido até pegar algumas garotas, coisa que não conseguia antes.
Sim, eu estou agora bem de vida e sei que devo tudo ao Adrammelech. Foi ele que me ensinou, em tão pouco tempo, as técnicas de construção e administração de obras, com as quais eu convenço as pessoas a me contratar como empreiteiro. Foi ele que me ensinou as melhores cantadas, com as quais eu pego as meninas mais gostosas. Ele me ensinou a falar e a me vestir. Ele me transformou neste sujeito boa pinta que vocês veem.
O Adrammelech é o meu gênio protetor. Por isso não estranhei quando ele me trouxe aquele facão afiado e disse que estava na hora de eu pagar tudo que ele havia me dado até então. O que eu tinha que fazer era simplesmente cumprir um pequeno ritual para poder entrar na Ordem de Samael. Eu teria que matar doze mendigos, ou moradores de rua, ou ainda prostitutas ou drogados. Ele me disse que isso era o que o “o mestre da Irmandade" exigia, pois o mundo precisava ser limpo dessa imundície. Era um serviço que eu tinha que fazer para o bem da humanidade.
Não foi difícil entender o que ele queria que eu fizesse, nem achei que fosse coisa ruim. Afinal, eu não gostava mesmo dessa gente que fica dormindo nas marquises, congestionando as calçadas, cagando e mijando na rua, jogando lixo e sujeira para todos os lados. Também sempre odiei essa gente que se droga, esses mendigos sujos, fedorentos e maltrapilhos que ficam pedindo esmolas nos semáforos. E as prostitutas então... Essas malditas lembram a minha mãe...
A minha primeira vítima foi uma delas. Talvez eu tenha começado com as prostitutas justamente porque estava pensando em minha mãe. Não sei. Mas eu a retalhei com gosto. Foi fácil atrair a bobinha. Ela entrou no meu carro. Levei-a para um local bem afastado da cidade, pedi para ela tirar a roupa e fechar os olhos. E quando ela esperava que eu fosse meter o meu pau na sua xereca, o que entrou foi a lâmina do meu facão na garganta dela. Um golpe só. A cabeça daquela cadela fedorenta rolou que nem uma bola que a gente chuta.
Na mesma noite, depois de matar aquela puta, eu vinha voltando para a cidade e vi aquele mendigo dormindo no ponto do ônibus. Coberto com jornais, uma garrafa de pinga pela metade, ao lado dele. Combinação perfeita. Derramei a pinga nos jornais. Eu não fumo. Por isso não carrego fósforos nem isqueiro. Mas isso não foi problema. Usei o isqueiro do carro. Foi uma bela fogueira. Deu até para sentir o cheiro da carne queimada. O terceiro foi um morador de rua que encontrei num semáforo da cidade. Era madrugada. Não havia ninguém na rua. O idiota veio me pedir uma moeda. Disse que era para comprar um paõzinho. Mentira. Era para comprar pinga. Desci do carro. Dei-lhe uma estocada bem no meio do umbigo. Depois puxei a lâmina para cima, como se estivesse abrindo a barriga de um peixe. As tripas dele se derramaram no meio da rua como se fosse um frango que a gente acabava de limpar.
E assim foi. Em três dias eu completei a missão que o Adrammelech me deu. Matei doze pessoas. Fui metódico. Quatro eram mendigos, quatro eram moradores de rua e quatro eram prostitutas. Não se perdeu nada. No quarto dia, quando eu terminara de matar o décimo segundo, o Adrammelech entrou de surpresa no meu carro, quando eu parei em um semáforo. Não sei de onde ele veio, nem o que estava fazendo ali naquela hora soturna da noite. Mas ele era assim mesmo. Costumava aparecer do nada, nas horas mais insólitas, como se fosse um fantasma.
“Você cumpriu bem sua tarefa”, disse-me ele. “ Agora estamos parelhos com o nosso principal inimigo. Ele é o mestre da outra Irmandade, a dos Elhoins. Como ele levou doze almas para a Irmandade dele, e esses doze tem multiplicado desde então os quadros da sua Ordem, nós temos que, periodicamente, levar doze para o nossa, para que ela se equilibre com ela em poder. Seja benvindo. Você agora é um dos nossos.”
E aí ele me disse que a polícia ia me pegar. Mas que eu não me preocupasse com isso. Que tudo já estava acertado para mim. Que eu já tinha conquistado meu lugar ao sol. Eu acredito. O Adrammelech nunca me mentiu. Agora mesmo, enquanto vocês me interrogam, e ficam me olhando com essa cara de horror, como se eu fosse um psicopata sem cura, ou uma pobre alma possuída pelo demônio, como disse aquele padre, ele está ali, sentado, morrendo de rir disso tudo. Vocês não podem vê-lo, pois ele não se mostra a idiotas como vocês. Mas ele está sorrindo para mim agora e me dizendo que tudo vai ficar bem.
Eu confio nele. Por isso estou tranquilo. Eu sei que nada pode me atingir neste mundo. Porque agora eu já sou um deles. Um membro da Ordem de Samael.*
______________________
*Nota do autor: Adrammelech é um dos dez principais demônios citados pela Cabala, e Samael é a Ordem demoníaca á qual ele pertence, e atua como mestre. Ele aparece na oitava manifestação Sefirótica da Árvore da Vida e sua influência corresponde, no Zodíaco, ao planeta Mercúrio, anunciador das grandes tragédias. Elhoim é principal ordem angélica, e Miguel é o seu mestre. Sua área de influência é sol, o astro da luz. ______________________