O Doce E Macabro Segredo de Anna- O Morto
Inácio curvou-se gentilmente e beijou a mão de Anna numa atitude respeitosa e galante ao mesmo tempo.
- Encantado em conhecê-la. - falou. - A senhorita me faz lembrar uma outra dama, mas a beleza dela não chega aos vossos pés...
Anna deu uma risadinha nervosa.
- Nossa, você fala bonito! - respondeu. - Você também vai a uma festa de Halloween?
Ele franziu a testa.
- Desculpe... o que é Halloween?
Anna o contemplou longamente.
- De onde você vem? - ela perguntou.
Ele olhou em volta.
- Daqui. - ele respondeu. - Eu moro aqui há muitos anos...
Ela riu e os dois sentaram sobre um jazigo de granito. Anna achava que Inácio, com aqueles cabelos cacheados e esvoaçantes, aquela casaca escura, calças justas, botinas de verniz e aquele tope preto dando um laço no pescoço era muito charmoso e muito original. Ao longe se ouvia a gritaria e os risos de seus colegas de escola.
- Você acredita - continuou Ana - Que eu e a turma do colégio, a gente estava voltando de nossa festa de Halloween e de repente o pneu da van furou! daí as minhas amigas, a Laura e a Isabela apostaram que eu não tinha coragem de entrar aqui. Elas é que amarelaram e se ferraram! - e ela ria muito e olhava muito para ela.
Aquela linguagem soava como um dialeto estranho aos ouvidos de Inácio, e ele não entendia quase nada daquelas expressões... mas isso pouco o importava, ele podia aprender, pensou.
- Em que ano estamos? - ele perguntou. - Já perdi as contas...
Anna riu ainda mais.
- Cara, o que foi que você andou bebendo? Se liga!
Ele abaixou a cabeça e ela ficou séria.
- Você não sabe mesmo?
- Não... - ele disse com um olhar triste.
- Estamos em 2010.
Inácio fez um gesto de espanto.
- Meu Deus! Então estamos no século... no século XXI?
Anna fez que sim com a cabeça. Aos poucos começou a entender, e estranhamente não sentia o menor medo.
- Inácio... você está morto, não está?
Ele assentiu, parecendo um tanto constrangido. Os olhos muito azuis de Anna o contemplavam intensamente.
- Estou... - respondeu. - Há mais de cem anos. vim conversar um pouco com você, porque às vezes me sinto muito só, e ouvi você dizer às suas amigas que não tem medo dos mortos...
-É... não tenho. - ela afirmou. - não tenho medo de você, Inácio. - ela vacilou um instante. - Do que foi que você morreu?
- Tísico. - ele respondeu.- Morri de tuberculose. Era muito comum na época em que vivi, ainda mais quando se tratava de jovens boêmios e estróinas como eu era...
Anna balançou a cabeça.
- E porque você fica aqui no cemitério?
- Estou esperando minha alma gêmea... - Inácio respondeu encarando-a. - somente deixarei esse mundo quando a encontrar e a levar comigo... morri muito novo, sabe? Não conheci o amor... eu sei que ela está em algum lugar...
- Compreendo... - ela sussurrou, olhos postos naquela boca carnuda e pensando que ainda era BV. Ela queria ser beijada por ele...
Ouviu as vozes de Laura e Isabela, que a chamavam, e se levantou alisando o vestido.
- Tenho que ir agora! - falou, sem a menor vontade de se afastar dele. - Como faço para a gente se ver de novo?
Ele deu um sorriso maroto e encolheu os ombros.
- Eu estou sempre aqui... venha quando quiser. Vou lhe esperar, Anna...
Anna estendeu a mão e entregou a ele o balão preto que segurava. Inácio o recebeu e de repente se evaporou diante dela. Então Anna sentiu um calafrio e saiu correndo, pisando na barra do vestido...
Mas sabia que nunca mais o tiraria da cabeça.